Do proibicionismo

Um artigo dedicado às drogas?
Isso mesmo, mais uma vez.

A razão é uma notícia que apareceu ontem nos diários: Portugal vai permitir o cultivo de marijuana para fins médicos.

Quem escreve defende a liberalização das substâncias estupefacientes definidas “ligeiras” (tipo a marijuana) e das “pesadas” também (apesar destas terem de ser submetidas a um regulamento especial, mais restritivo). Obviamente, liberalização não significa que seja possível entrar num supermercado e sair com 5 quilos de cocaína.

Significa que o Estado, assumida a impossibilidade de combater o mercado negro por causa sobretudo das protecções que os traficantes têm (ver o caso Afeganistão-Nato-opio), decide:

  • permitir o cultivo das plantas de marijuana por parte dos privados (estabelecendo um limite de número de plantas por cada cultivador)
  • produzir ou importar as substâncias estupefacientes “pesadas” (cocaína, heroína, etc.) e distribuí-las através das farmácias, onde serão vendidas prévia apresentação de atestado médico comprovante a condição de toxicodependente.

Porque estas ideias? Porque seguir o percurso contrário significa:

  • não aprender com os erros do passado
  • favorecer o enriquecimento de pessoas que produzem e exportam/importam ilegalmente os estupefacientes
  • ser hipócrita ou ignorar magnitude/implicações do fenómeno

A Lei da Seca 

 

Os erros do passado podem ser sintetizados numa palavra: Proibicionismo ou “Lei da Seca”. Nos
Estados Unidos, a lei da seca foi introduzida para limitar o número das pessoas vítimas do alcoolismo. Qual foi o resultado?

Em primeiro lugar, a Máfia e as outras organizações criminais agradeceram: o comercio ilícito do álcool foi uma extraordinária fonte de rendimento, uma verdadeira prenda caída do céu.

A seguir, veio a faltar um qualquer tipo de controle acerca dos produtos comercializados ilegalmente, com consequentes morte ou invalidez (cegueira, por exemplo) derivadas da escassa qualidade das matérias primas utilizadas ou das alterações efectuadas no produto vendido (para aumentar a margem de lucro).

E nem podemos esquecer o aumento da micro-criminalidade: álcool ilegal significa álcool mais caro, portanto necessidade de ter mais dinheiro no bolso para poder adquiri-lo.

Não é um acaso: são os mesmos problemas que é possível encontrar hoje no mercado negro da droga.

A Lei da Seca foi um fracasso. Pelo contrário, o fim da Lei da Seca (1933) foi um sucesso: não aumentou o número de alcoolizados, mas desapareceram as refinarias ilegais, pois a margem de lucro perante um produto que poderia ser adquirido legalmente desapareceu.

Se há algo que a Lei da Seca ensinou, é que proibir uma substância é a melhor maneira para fazer nascer e manter um mercado negro. É a melhor maneira para enriquecer as organizações criminosas.

Mas a Lei da Seca dos Estados Unidos não é o único exemplo de táctica proibicionista fracassada. Entre as outras:

  • no Império Russo uma versão limitada da lei seca foi introduzida em 1914, continuando em vigor até 1925.
  • o território da capital da Austrália foi a primeira jurisdição onde foram introduzidas leis contra a bebida. Em 1910 o Ministro de Assuntos Internos, King O’Malley, levou leis ao parlamento para regular comportamentos descontrolados. Dezassete anos depois as leis foram revogadas.

Sempre, onde foi implementada, a proibição total teve efeitos contrários aos desejados (e nem falamos aqui das enormes despesas que uma proibição total implica: controles, forças policiais empenhadas, etc.). Será um mero acaso? Ou desejamos, duma vez por todas, aprender algo dos erros do passado?

Enriquecimento ilícito e criminalidade

 

Favorecer o enriquecimento de pessoas que produzem e exportam/importam ilegalmente os
estupefacientes é a consequência mais evidente da proibição das substâncias estupefacientes.

Não falamos aqui apenas do pequeno vendedor de rua. E nem dos grandes produtores, como os cartéis da Colômbia. Existe um nível superior: o já lembrado caso do Afeganistão dá uma ideia disso.

O blog dedicou amplos artigos acerca da situação no México. O País é a fábrica das drogas dos Estados Unidos; mas, além disso, é um ponto de encontro entre produtores, comerciantes, traficantes de armas, políticos, banqueiros. Há uma super-estrutura que vive graças à proibição dos estupefacientes do País vizinho.

E, ao mesmo tempo, há milhões de pessoas que nada têm a ver com o mundo da droga mas que, mesmo assim, são obrigadas a sofrer das consequências (um dos últimos casos: os 43 estudantes mortos em Ayotzinapa).

Há só o México nestas condições? Claro que não.

Mas não podemos deixar que as notícias fornecidas pelos órgãos de informação limitem o fenómeno dos estupefacientes a um punhado de “cartéis” colombianos ou mexicanos. A história segundo a qual poucos analfabetos têm o poder de condicionar a vida de inteiros Países não tem pernas para andar. Há mais do que isso e apoiar o proibicionismo significa desejar que tudo se mantenha tal como está agora. Porque é isso que aconteceu até hoje, ou não?

Hipocrisia ou desconhecimento?

 

Há vários tipo de hipocrisias e desconhecimentos  relacionados com as substâncias estupefacientes.
O termo “droga” desencadeia uma reacção emotiva que provoca repulsa. É normal: é por isso que ninguém nos meios de comunicação define cigarros ou álcool como “drogas”. São drogas, disso não há dúvidas (têm efeitos psicotrópicos, tal como a cocaína), mas permitem lucro por parte do Estado, portanto a definição tem que ser outra.

Uma outras das reacções emotivas é pensar que o proibicionismo resolverá as coisas: é só deixar as forças de segurança trabalhar e esta coisa das drogas irá desaparecer. Não funcionou até hoje, após muitas décadas, alguém deveria explicar por qual razão é suposto funcionar no futuro.

A reacção emotiva apaga a racional, pois parece um horror deixar circular livremente substâncias estupefacientes, mas é socialmente aceitável que outras drogas circulem livremente: é o caso do tabaco (6 milhões de mortos no mundo por ano e prejuízos por 500 biliões de Dólares, cerca de 3,6% do PIB mundial) e do álcool (3,3 milhões de mortos).

Outra reacção, mais subtil, por vezes está aliada à ignorância, consiste no descarregar no Estado as próprias responsabilidades. Vou explicar com um exemplo.

Na escola secundária que frequentei (que, seja dito, pertencia a um bairro muito “tranquilo”), o uso de substâncias estupefacientes “ligeiras ” (e ilegais) era extremamente difundido. Na prática, qualquer rapaz que fumava cigarros, fumava também produtos ilegais como a marijuana.

Segundo as ideias que circulam, muitos daqueles rapazes deveriam ter começado um percurso de vício que, em breve, ia conduzi-los para o mundo das drogas “pesadas”, a criminalidade e a morte.

Caso esquisito, nenhuma daquela pessoas que conheci (e foram muitas) percorreu aquele trilho. Pelo contrário: hoje são engenheiros, médicos, professores universitários, empreendedores, com os quais mantenho contacto e amizades. Nenhum deles sofreu a mínima consequência pelo facto de ter consumido (repetidamente) drogas ligeiras.

Sorte? Nem por isso: lembrem do bairro muito “tranquilo”. A questão não é o contacto entre jovens e drogas, a questão é o que nós conseguimos transmitir aos nossos filhos. Um filho para o qual conseguimos transmitir determinados valores, não tem necessidade de “esconder-se” atrás duma seringa e se faz uso de drogas, faz isso como passatempo, bem sabendo quais os limites, quando e onde parar.

Porque o consumo das drogas não nasce da possibilidade de adquiri-las, nasce das causas que estão na origem do consumo. Se assim não fosse, todos nesta altura seriamos bêbedos crónicos: é só entrar num supermercado para sair com várias garrafas de vinho ou de super-alcoólicos.

Porque nós não passamos o tempo com uma garrafa na mão? Porque somos “maduros”? Seja.

Mas então porque o nosso filho, uma vez acabadas as aulas, não entra numa loja para embebedar-se? Se tiver 18 anos (ou até menos…), teria todas as possibilidades para fazê-lo. Mas não faz isso: pelo contrário, volta para casa e estuda. Ou trabalha. Ou sai com os amigos, com a namorada, ou joga ao computador ou faz mil outras coisas. Porquê?

Porque nós fomos capazes de transmitir-lhe alguns valores e porque tivemos a possibilidade de cresce-lo num ambiente que não favorece o surgimento de vícios letais. Como a pobreza? Não: é possível ser pobre mas manter e transmitir valores importantes. Se a pobreza é muitas vezes causa de vidas perdidas (e é, infelizmente) doutro lado não pode constituir um álibi capaz de justificar tudo.

Nem podemos demandar ao Estado a tarefa que é nossa: nosso é o compito de transmitir aos filhos aquela bagagem cultural que lhes permita escolher o melhor rumo. Não é uma lei que pode fazer isso, nenhuma lei tem este poder.

Medicina e dúvidas

 

Agora: este artigo, como é óbvio, não deseja ser um convite para o uso de substâncias estupefacientes, longe disso. Há outra formas de divertir-se, mais salutares, acerca disso estamos de acordo.

Mas temos que observar quais os frutos do proibicionismo, porque além do enriquecimento ilegítimo de organizações mundiais, além do aumento da micro e macro criminalidade, temos outros efeitos, até mais perversos: o proibicionismo fez que uma das plantas medicinais mais poderosas, a marijuana, ficasse ilegal e longe dos pacientes ao longo de décadas.

E quem diz isso não é um blogueiro: são as empresas israelitas que agora irão cultivar a marijuana em Portugal para depois exporta-la para os hospitais do Reino Unido.

Quais as propriedades medicamentosas da marijuana? Não, não vou descreve-las: existe Google e se o Leitor “anti-droga” for honesto consigo próprio irá procura-las. Mas aviso desde já: são inúmeras e incluem o tratamento do cancro.

Apesar disso, a marijuana ficou longe dos hospitais até hoje e de quem sofria: agradeçam o proibicionismo.

Para acabar, voltamos ao princípio: a ideia de que liberalizar as drogas signifique atirar milhões de jovens para o mundo do vício é uma idiotice sem pés nem cabeça (pensem no vinho…).

Claro, mesmo pensando na abolição do proibicionismo, ficariam muitos problemas para resolver: com ou sem drogas disponíveis, a pobreza continuaria a estar presente e com ela o sofrimento de quem mais necessita. O fim do proibicionismo não teria o poder de erradicar aquelas que são as verdadeiras causas do consumo de drogas.

Além disso, haveria problemas práticos: regular o mercado das drogas mais perigosas (a heroína, por exemplo) ou até mesmo a distribuição delas não seria tarefa simples.

Mas sabemos qual a alternativa: continuar a acreditar que as leis irão resolver tudo e, entretanto, fechar os olhos para não ver os políticos corruptos por causa da droga, os bancos que reciclam dinheiro, inteiros Países devastados, e muito mais ainda.

E agora? Agora, como sempre, a palavra aos Leitores.
Aliás, deixo três perguntas:

  1. porque o proibicionismo até hoje não conseguiu eliminar o problema das drogas?
  2. porque no futuro o proibicionismo poderia funcionar?
  3. além do proibicionismo e da legalização, quais outras maneiras há para combater o fenómeno das drogas?

Ipse dixit.

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4 Replies to “Do proibicionismo”

  1. Quanto ao primeiro ponto uma das causas é porque o tráfico é uma fonte de receitas para as agências secretas CIA, MOSSAD, etc. Não é a única causa é certo, mas contribui para o problema, basta analisar o aumento de ópio produzido pelo Afeganistão desde que os EUA meteram as patas e não me venham falar que são os terroristas.

    1. EXP001

      Olá anónimo boa noite. Voçê já vê para além do que muita gente vê.
      Mas a coisa é bem maior, muitíssimo maior. Vai para além disso. A economia dos eua está assente nisso. Os grandes bancos, wall street, fabricantes de armas politicos estão metidos nesse "negocio".

      Deixo-lhe este link de um video de 2 horas de uma apresentação na universidade de Portland do ex detective do departamento de narcoticos da policia de LA, Mike Ruppert que foi encontrado suicidado ha uns meses atras. Neste video podemos inclusive ver Mike Ruppert denunciar estes crimes em publico na cara do director da cia o qual ficou sem reacção.
      Esta apresentação não é uma mera palestra mas mais como a apresentação de um caso e suas provas como um detective faria para ser apresentado em tribunal

      Max se vir e depois quiser deixar a sua opinão é sempre muito bem vinda

  2. Olá Max:além do que dissestes, e com o qual concordo inteiramente, lembro que aqui na terra brasilis o que chamam de drogas, como uma inofensiva maconha, é motivo de criminalização, levando para a cadeia um sem número de pobres, preferencialmente mulheres, negros e homossexuais, que aí ficam numa espécie de depósito de infelizes, muitas vezes anos a fio, a maioria dos quais, se sai, sai criminoso mesmo, porque não há melhor escola do crime que o sistema penitenciário. E tudo porque o/a desgraçado/a foi encontrado/a com um toco de cigarro de maconha. É o cúmulo da deslavada hipocrisia da nossa sociedade. Abraços

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