Ignorância intencional e induzida

Somos ignorantes? Somos intencionalmente ignorantes?
Quem frequenta este como outros blogues tenta encontrar informações ou respostas. Lê, participa, pensa, discute.

Mas isso somos nós, um universo composto por quantas pessoas? Juntamos todos os Leitores de todos os blogues de informação alternativa: muitos? Sim, muitos. Mas sempre poucos.

Não há dados oficiais, mas não é difícil imaginar que, em comparação, Facebook tenha um número enormemente superior de participantes. E se existem páginas do social network que tratam de assuntos iguais ou parecidos, é verdade que não é difícil dar de cara com fotografias de Justin Bieber, Violetta, gatos com os óculos, bebés que choram, etc.
Youtube é ainda pior.

A internet dos media? Diários, revistas? Melhor pôr de lado.

Então, faltam recursos? Não há informações fidedignas disponíveis?
Pelo contrário. Se há uma coisa que não falta em internet é a informação. Aliás, o problema é este: há demasiada informação. Pensem num assunto, um qualquer: em internet há. Só que há também a informação contrária.

Tratar o cancro? Eis a marijuana. Não, é melhor o bicarbonato. Olhem, experimentem a agave. Mas pode não ser mal o mangustão também. Aliás, fiquem com a quimioterapia, os dados não mentem. Quais dados? Todos apresentam dados, como podemos distinguir dados “bons” e dados “maus”?

Isso é o que podemos encontrar acerca dum assunto sério. E assuntos sérios não faltam. O complicado é encontrar informação séria.

Sushi e piri-piri

Na Sexta-feira fui jantar num centro comercial (mea culpa). Sentado, com um prato de sushi na frente e molho de piri-piri ao lado, olhava as outras pessoas.

Após uma semana de trabalho, as famílias enchem os corredores, com as crianças que choram, o telemóvel numa mão e o saco das compras no outro. Em volta, ecrãs com um jogo de futebol (por acaso: Italia – Azerbaijão), a fila que nunca acaba do McDonald’s (sempre cheio), os vendedores do Citibank que tentam convencer-te (mas estão a brincar?) e uma música demasiado forte como banda sonora.

Como digestivo, um passeio pelo parque subterrâneo à procura do carro, numa atmosfera feita de gases no meio dos quais nem os mosquitos se atrevem a esvoaçar (porque serão mosquitos, mas não são totalmente estúpidos). 

Este é chamado de “tempo livre”, o ideal para relaxar.
Podemos pensar: pouco mal, é Sexta-feira. Mas não é bem assim: os centros comerciais raramente estão vazios. E se não for passado entre montras com saldos e promoções, o “tempo livre” é muitas vezes feito de trânsito, de miúdos que saem da escola, de pequenas tarefas talvez inúteis mas que “têm” de ser feitas.

A nossa vida está cheia, mesmo quando o enchimento não for feito de trabalho.
A sociedade está pensada para que o tempo realmente “livre” seja reduzido ao mínimo.

Até poucas décadas atrás não era assim.
Era normal ter um componente da família que trabalhava (normalmente o marido), enquanto o outro ficava a tratar do resto (casa, filhos, compras, etc.).
Hoje é raro ter uma família onde apenas um dos pais trabalha. Emancipação da mulher? Não, questão de sobrevivência: um só ordenado não dá.

Assim, há menos crianças nas ruas também: jogam na mesma, mas no interior duma instituição (a escola) onde ficam desde manhã cedo até o fim da tarde. É aí que gastam o “tempo livre” delas, é aí que aprendem a rotina do mundo civilizado.

No meio de tudo isso, surge uma pergunta: a ignorância das pessoas é intencional? Se sim, até a que ponto?

Eu não sei responder, começo a ter dúvidas.

Sugeri várias vezes de não passar à noite sentados na frente da televisão para dedicar-se a algo que, pelo menos, não tente dizimar os nossos neurónios. Tal como ler, por exemplo. Mas reconheço: isso é um esforço. E não estou a ser irónico: é mesmo assim.

É normal voltar para casa, jantar, acabar com outras tarefas menores mas necessárias e depois atirar-se para o sofá, à procura de verdadeiro relaxamento. E perto do sofá há o comando da televisão. É só estender o braço e deixar que a televisão pense por nós, até o sono ditar o tempo para a cama.

Excluímos as pessoas que por definição nunca pegariam num livro, as que estiverem verdadeiramente cansadas e que nem a tv conseguem ver, aquelas que após o jantar ainda voltam a trabalhar um bocado… Sobra um exército de pessoas cansadas, cujo único desejo não é preocupar-se com as desgraças do mundo mas tentar descansar. Só isso: descansar o corpo e o cérebro.

O Capital do Homem Aranha

Acabado o sushi, uma volta na Fnac.
Toneladas de iPod, iPad, iPed, telemóveis, jogos, descontos para aderentes.

Secção livros. Oh, este é interessante: O Capital no Século XXI de Thomas Piketty.

Quais são as grandes dinâmicas que regem a acumulação e a distribuição de capital? As questões sobre a evolução da desigualdade a longo prazo, a concentração da riqueza e as perspetivas de crescimento económico estão no cerne da economia política. Mas é difícil obter respostas
satisfatórias devido à falta de dados corretos e de teorias claras. Em
“O Capital no Século XXI”, Thomas Piketty analisa um conjunto exclusivo
de dados de vinte países, que percorrem mais de três séculos, para
discernir os padrões socioeconómicos fundamentais. As suas descobertas
transformarão o debate e as prioridades da reflexão sobre riqueza e
desigualdade das próximas gerações.

Sim senhor, parece interessante, quase quase…
Quanto custa? 24.40 Euros. Fogo…24 Euros, quase 800 Reais, é o preço dum discreto par de sapatos. Ou dum jantar para duas pessoas. Com 24 Euros de gasolina faço 300 quilómetros (sem correr). 24 Euros para um livro não é pouco. Ok, vou pensar nisso.

Área dos filmes. O Fantástico Homem Aranha 2: o Poder de Electro.

É óptimo ser o Homem-Aranha (Andrew Garfield). Para Peter Parker, não há sensação igual a balançar-se entre arranha-céus, meter-se na pele do herói e passar tempo na companhia de Gwen (Emma Stone).

Dvd em edição especial com postais (wow!), 16.90 Euros. Em gasolina quase 200 quilómetros.

Assim:

  • um livro que tenta explicar como funciona a nossa sociedade, escrito por uma pessoa, custa-me 300 quilómetros.
  • um filme onde participaram dezenas de actores, figurantes, técnicos, onde deve haver uma boa margem para o lucro da produtora, distribuidora, revendedora, para justificar o marketing, as acções de promoção, etc. custa-me 200 quilómetros.

Algo não bate certo. Ou se calhar sim.
Eu sei: há razões bem precisas que justificam esta discrepância, um livro “complicado”, traduzido e imprimido em português tem menos compradores, um vídeo do Homem Aranha vende sempre e muito.

Mas neste caso, não deveria haver uma ajuda, uma forma de facilitar o acesso aos assuntos mais “importantes”? Não deveria ser facilitada a difusão da cultura?

Não. E porque raio deveria ser difundida a cultura? O que pode haver de melhor duma pessoa cansada, sempre ocupada, que chega à noite e a última coisa que deseja fazer é empenhar o cérebro para algo de construtivo?

Na verdade existe o perigo de que alguém, apesar de tudo, possa desejar perceber um pouco mais daquilo que temos em volta, possa querer informar-se.
Por isso também foi inventado o medo. Porque não é só a preguiça, é também a tentativa, assumida ou não, de ficar longe de assuntos que assustam, que bem podem entristecer.

Ignorância: nova e antiga fronteira 

Resumindo, temos um sistema muito bem estudado.

Uma mole enorme de informação, um autentico labirinto contido na internet no qual orientar-se não é nada simples; um mundo de trabalho que paga pouco e limita o tempo livre disponível; uma cultura cara, bem balançada por entretenimento de baixo custo; uns meios de comunicação de massa que espalham notícias filtradas e superficiais; uma pitada de medo qual toque final.

Somos intencionalmente ignorantes? A maioria das pessoas é intencionalmente ignorante?

É complicado responder. Acho que a resposta é “sim”, tendencialmente sim. A tal maioria da pessoas não deseja empenhar o seu próprio tempo em assuntos “complicados”, mesmo que esta alegada “complicação” signifique perceber (ou tentar perceber, aos menos) como funciona o nosso mundo, porque fazemos o que fazemos.

Mas verdade seja dita: vivemos numa sociedade que faz da ignorância uma arma de eleição.

Atenção: não é esta a tentativa de justificar quem simplesmente recusa aprofundar certos assuntos. Acho ser os citados um conjunto de factos reais, que todos podem constatar. Temos que assumir uma simples verdade: a ignorância faz o jogo de quem está no poder, sempre foi assim e hoje não é diferente.

A nossa sociedade está doente, cada vez mais superficial e simples (paradoxalmente e danadamente simples): normal que tente reproduzir-se em indivíduos igualmente superficiais e simples. A informação pode trazer perguntas e com as perguntas nascem as dúvidas.

A sociedade não gosta de dúvidas: tem que existir uma resposta para tudo, e quanto mais simples esta for, melhor será. A sociedade está presente em todos os lugares, a sociedade somos nós. Por isso fugir deste esquema é cada vez mais difícil.

Ipse dixit.

14 Replies to “Ignorância intencional e induzida”

  1. Bem vindo ao "Admiravel mundo novo" !

    Max, vale lembra-lo de que o conhecimento da verdade tem um custo alto, se você não sente o peso de possuir esse conhecimento, ou você não o tem , ou és um ser abençoado. Talvez por isso o medo os afaste, já veem assim do berço; como já disse-lhe antes, é uma questão de caráter.

    http://www.puto45.blogspot.com.br/2012/08/eu-tinha-aproximadamente-5-anosde-idade.html

    Alah é clemente e misericordioso!

    1. É… muitas vezes sinto esse peso, não sou abençoada com serenidade, mas também prefiro saber a me expor ao abismo que as pessoas se expõem…
      Mesmo antes da internet era rato de biblioteca para saber e me esquivar dos engodos.

  2. EXP001

    Realmente não é fácil não senhores e senhoras.
    Falo por mim.
    Foi há coisa de 2 anos atrás quando se deu a mudança para a televisão digital terrestre TDT em Portugal
    que decidi fazer a experiêcia de deixar de ver tv pois já antes as noticias não me pareciam verdadeiras.
    Para compensar comecei a esgravatar pela net fora e confesso que houve uma altura que me senti mais desnorteado que um rato que
    comeu veneno. Era com cada coisa que me parecia descabida, mesmo disparate, teoria da conspiração que me custava a acreditar.
    Nem por isso parei, sentia que o tempo seria amigo e com o desenrolar dos acontecimentos conseguiria filtrar os sitios figdignos
    e coerentes, separar o trigo do joio pois pela net há muita informação preciosa mas tambem muito lixo e desinformação.
    Aprendi imenso, comecei a conseguir identificar as técnicas de manipulação a fazer previsões certeiras enfim a interrogar-me
    cruzar com o que já sei e procurar ainda mais informação. Cá em Portugal premissa é bem simples, basta fazer a negação do que
    dizem, por exemplo quando algum politico diz que não vai aumentar impostos … acreditem a mensagem é : será a primeira coisa que farei.
    Quando dizem que um banco é seguro .. tirem de lá o vosso dinheiro assim que puderem que aquilo vai rebentarem breve. E por ai vai.
    Outra coisa que me surpreendeu bastante foi o Brasil, fonte abundante de (Não me levem a mal amigos Brasileiros) de sitios carregados
    de ignorância e disparates sensasionalistas mas por outro lado com sitios de uma qualidade excelente ao nivel dos melhores
    sitios Europeus, EUA e Russia.

    E sim o Informação Incorrecta está na minha leitura diária bem como algumas das fontes que partilho abaixo:

    (Brasileiro documenários)
    http://docverdade.blogspot.pt/

    http://republicadigital.blogspot.pt/

    http://www.voltairenet.org/pt

    http://octopedia.blogspot.pt/

    http://www.globalresearch.ca/category/portugues

    http://www.corbettreport.com/

    http://www.larouchepub.com/

    http://octopedia.blogspot.pt/

    http://rt.com/

  3. Max, concordo plenamente com o texto, no entanto deve ser feita a distinção entre a ignorância intencional e a induzida.
    O post recai essencialmente na ignorância induzida e acredito que esta, de certa forma, concidiciona o comportamento das pessoas, no que respeita a ouvir opiniões diferentes daquilo a que estão habituadas.
    Tomando como exemplo um advogado meu amigo que está habituado a lidar com o contraditório, quando falo em determinados assuntos que habitualmente são discutidos no II, vejo da parte dele uma reação totalmente adversa a ouvir aquilo que tenho para lhe dizer. Existe como que uma negação de tudo o que fuja da informação das massas.
    Então posso perguntar, porque motivo uns procuram ler todo o tipo de informação enquanto outros se restringem aos meios de comunicação social, recusando tudo o que seja diferente?
    È uma questão de personalidade, uns são curiosos enquanto outros não?
    Perspicácia, porque uns observando os factos do dia a dia, vêm que as coisas não batem certo, e vão procurar saber algo mais?
    Ignorância intencional, é a recusa por parte das pessoas de ver algo, quando elas no seu intimo sabem que é assim, mas preferem olhar para o outro lado. È a velha história do mendigo que vemos na rua, mas para não dar a moeda preferimos não o ver.

    abraço
    Krowler

    1. Difícil te responder… mas muitos que seguem as informações das massas têm mentes cartesianas, não enxergam subterfúgios. Outros têm medo de saber a verdade mesmo e se grudam nas referências simplistas que são oferecidas para o populacho. quem enxerga as entrelinhas nas informações ditas oficiais têm mentes mais maduras e podem até ser destemidos declarando-se contra a falsidade circulante… Seu amigo advogado não está pronto, mas a hora que ele for confrontado por alguma circunstância vai se lembrar de ti e virá em busca de respostas. Abs

    2. se as pessoas não conseguem sequer olhar para a realidade da vida delas e mudá-la, quanto mais olhar para a realidade fora de delas…
      lembrou-me uma piada do george carlin, se nem nos ajudamos uns aos outros, como vamos ajudar o planeta?
      as pessoas esforçam-se por se manter na ignorância, é mais seguro e confortável, é incrível o aconchego da aprovação e de fazer parte da maioria… e mesmo quando a vida lhes dá na cabeça vezes sem conta por se manterem sempre no mesmo… elas continuam…
      daqui por um ano continuaremos a ter o mesmo problema…

  4. Olá, Aqui
    Krowler acho que acertou é induzida, sem a menor dúvida! Lá vamos outra vez ver a "história", tem sido usado ao longo dos tempos não lhes deem tempo para racionar, questionar, revoltar e não alinhar ou limitar os limites artificialmente impostos, deixem-los letárgicos e controlaveis. Revolução ou algo revolucionariamente diferente é mau para o sistema. Sistema decerto não desenhado para o comum cidadão, mas para quem o explorou, explora e pela observação explorará.
    Abraços
    Nuno

  5. Oi Max
    Um dos maiores milionários já apregoava à meses vi no buisness imsider, a semana com 3 dias de trabalho, de seu nome Carlos Slim.
    Agora a pouco e como foi entrevistado pela cnn e outros meios de comunicação "credíveis", subitamente é notícia.
    Gostava de ouvir a sua opinião e dos participantes do ii.
    Abraço
    Nuno

  6. Max,

    "A sociedade não gosta de dúvidas: tem que existir uma resposta para tudo, e quanto mais simples esta for, melhor será. A sociedade está presente em todos os lugares, a sociedade somos nós. Por isso fugir deste esquema é cada vez mais difícil."

    Na verdade, Max, a sociedade "gosta" de escravos, de cordeiros, de pessoas "pacíficas", ou seja, pessoas que cumpram "ORDENS".

    Max, FUGIR deste esquema é o que mais acontece, pois as pessoas ditas "criminosas" fazem isso diariamente. Elas não aceitam o "sistema muito bem estudado". Tanto é verdade que mesmo pessoas dentro deste "sistema" morrem de forma não "natural".

    Outras pessoas, que não são "criminosas" também não se submetem ao tal "sistema bem estudado". Tenho SÉRIAS dúvidas se foi realmente "BEM ESTUDADO". Mas deixa para lá.

    Minha questão básica neste comentário é colocar que é possível "FUGIR" de TODA RELATIVIDADE, pois o tal sistema "BEM ESTUDADO" não é absoluto, tanto é verdade que estamos questionando.

    Assim, penso que não há nenhuma "espécie" de ignorância. Esta é apenas uma das formas (técnicas) usadas pelos tais "poderosos" para continuarem a estabelecer uma sociedade "individual" em detrimento do COLETIVO e ESPIRITUAL.

    Pois permitiu e permite que sejamos seres ALTAMENTE IRRESPONSÁVEIS com a nossa VIDA, a VIDA das gerações futuras e toda a sociedade.

    Ser ignorante, neste contexto, é ser IRRESPONSÁVEL e que precisamos de uma "PAI/MÃE", e que o “sistema “bem estudado” irá nos fornecer.

    Obrigado.

    Namastê!

Obrigado por participar na discussão!

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