Aumento dos preços: azar, acaso, fado adverso, russos.

O economista académico e político Alberto Bagnai propõe uma interessante reflexão no seu blog, Goofynomics. No seguinte gráfico é possível observar a série cronológica da taxa de crescimento trimestral do PIB real dos EUA:

Simples reconhecer uma tendência decrescente do PIB ao longo das décadas: o desvio padrão vai de 2.58, no período desde o primeiro trimestre de 1961 até ao último trimestre de 1989, para 1.65 no período desde o primeiro trimestre de 1990 até ao primeiro trimestre de 2020. Além disso, é possível também reconhecer nos pontuais picos positivos e negativos alguns episódios de recessão e expansão. Por exemplo, este:

Em Setembro de 2001 houve o ataque contra as Torres Gémeas (o 9/11) e, no terceiro trimestre do mesmo ano, o PIB alcançou o ponto mais baixo. Era a altura de “América sob ataque”, “nada voltará a ser o mesmo”, “foi Bin Laden”. No imediato rescaldo do dramático acontecimento, e durante os seis meses seguintes, as notícias televisivas transmitidas por todas as emissoras contavam que o ataque, com as suas repercussões, tinha trazido a economia mundial para a recessão: tudo estava a correr bem mas, infelizmente, o terrorismo tinha abalado o sólido e feliz crescimento.

A verdade contada pelos dados é um pouco diferente: o crescimento da economia dos EUA estava em queda livre desde o segundo trimestre de 2000, ou seja, a economia dos EUA, embora continuando a crescer, estava a abrandar de forma particularmente acentuada (de +5.2% no segundo trimestre de 2000 para +0.9% no segundo trimestre de 2001). O que significa que a recessão existia antes, não depois do terror. E que o terror (mais exactamente, “a guerra contra o terror”, como foi chamada) era o fim, não o início da recessão, porque tinha criado aquele estado de excepção que legitimava os governos a fazer o que estava certo (políticas expansionistas) sem alarmar demasiado os mercados.

Com a “pandemia” aconteceu o mesmo: a retórica da “guerra” contra o vírus serviu para justificar várias coisas, para “disfarçar” uma economia já em crise e para acabar com medidas de política económica absolutamente irracionais (a “austeridade virtuosa”).

O importante é poder culpar alguém: foi Bin Laden, foi o vírus… foi a Rússia. Porque agora está a acontecer o mesmo. Este é o gráfico dos preços da produção na Itália, durante os últimos 20 anos:

Este gráfico mostra “quanto” custa produzir em Italia. E eis o pormenor ampliado relativo ao período desde Janeiro do ano passado:

Também durante a última parte deste período, como sabemos, houve um episódio muito grave: a invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Mas a duplicação dos preços dos produtos energéticos ocorreu basicamente entre Setembro de 2021 e Janeiro de 2022. Em Fevereiro, mês durante o qual o conflito foi iniciado, os dados provisórios mostram até um ligeiro declínio dos custos da energia.

Para sermos mais precisos: em Janeiro de 2022 (um mês antes da eclosão do conflito) a taxa de crescimento do índice dos preços da energia aumentou 118% em relação ao mesmo mês do ano anterior, ou seja, os preços tinham mais do que duplicado. É possível afirmar que a tensão alimentada pelos EUA desde Outono foi decisiva para esta subida, tendo havido receios em relação ao fornecimento de gás e petróleo russos. Mas, se observamos o andamento dos preços da energia num cenário mais amplo, o panorama fica mais claro:

Para encontrar o início da subida dos preços temos que recuar até o mês de Abril de 2020: desde então foi quase sempre só aumentar. E em Abril de 2020 ninguém falava da guerra na Ucrânia.

Então, diz Bagnai:

E assim, quem vos disser que “o gás aumentou porque houve uma guerra” é um idiota mal informado. Não desinformado, porque hoje em dia é fácil obter informação. […] Ninguém quer dizer que a duplicação dos preços precedeu a eclosão da guerra, porque atribuí-la à guerra esconde as verdadeiras causas.

As causas da subida dos preços da energia têm que ser procurada em outros factores:

1. o delírio green, que levou todos a reduzir os investimentos no sector dos combustíveis fósseis;

2. o delírio “mercatista”, que levou a que os fornecimentos fossem geridos através de contratos spot (podemos traduzir como “curto prazo”) em vez de contratos forward (“longo prazo”), no pressuposto de que é apropriado lidar com uma matéria prima estratégica como o gás confiando nos mercados em vez de que nos contratos de longo prazo com adequada indexação.

O problema é a guerra? Não parece:

Se o problema fosse a guerra, a Suíça deveria enfrentar as mesmas dificuldades de Italia, Alemanha, França, etc. Mas assim não é: noutros lugares o aumento existe, mas está contido abaixo dos 30%. É espantoso observar como a Suíça tenha sofrido (e esteja ainda a sofrer) aumentos inferiores àqueles dum País afastado do teatro da guerra como é o caso da Coreia (do Sul, obviamente). E, mais uma vez, é favor notar que também fora da União Europeia os aumentos tiveram início entre Abril e Maio de 2020.

Até aqui a análise de Bagnai. Cabe a nós realçar como tudo tenha sido preparado no Velho Continente para alcançar a “tempestade perfeita”: num clima de preços da energia em plena fase de subida, Bruxelas optou por abandonar os contratos de longo prazo e acelerar a passagem para a energia “verde”. O resultado tem sido uma Europa à mercê da vontade de terceiros: Putin agradece, pois agora tem entre as mãos uma arma decisiva; Biden agradece, pois conseguiu aumentar os lucros das companhias energéticas americanas.

Obviamente o Leitor é livre de pensar que tudo não passe dum acaso.

 

Ipse dixit.

3 Replies to “Aumento dos preços: azar, acaso, fado adverso, russos.”

  1. Grande Max,

    Esta tua exposição de factos fez-me recordar um outro posto teu muitíssimo interessante de há muitos anos. Nele escrevias, também com gráficos, como ainda que o dinheiro possa ser infinito a quantidade de coisas que podem ser possuídas não é infinita. Assim, se as pessas na China saem da miséria passarão a consumir mais. Pelo que, para que tudo corra pelo melhor, o poder de compra dos europeus e dos norte-americanos terá que ter sido avaliado como excessivo. Depois da avaliação feita, e penso que deve ter muitos anos, só há que agir:

    Certamente não será dizer-nos que em vez de X vamos passar a receber X/2, mas sim fazer-nos acreditar que estamos numa guerra e que não se vencem guerras sem sacrifícios. A diabolização do C02, do COVID e agora da Rússia-China. Não é curioso que estas narrativas não tenham sido impingidas aos países onde a população é miserável e que nada se faz para que tal mude, como a Índia e a Túrquia?

    A minha conclusão é que isto não é uma guerra EUA-Rússia, mas sim e apenas a governação da populaça pela elite para o bem de todos.

  2. Olá Max e todos: viver sob inflação é uma arte que nós brasileiros e os hermanos temos bem desenvolvida.
    Daí que sugiro aos portugueses alguns novos hábitos:
    !.Comprem todas as coisas necessárias para o mês no dia em que entra dinheiro nas sua contas . Vocês sabem que um mês após estará mais caro.
    2. Artigos como remédios de uso constante, alimentos não perecíveis, gasolina em galões, artigos de limpeza doméstica devem ser estocados sempre que tiverem algum dinheiro nas suas contas.
    3.Cuidado com dinheiro estocado em bancos. Em tempos de inflação os bancos usarão seu dinheiro quando lhes convir. Se possível, ou se for uma quantia razoável, troque por ouro físico e nunca deposite em cofres de banco. Guarde seu ouro perto de si.
    4. Acostume-se a comprar somente itens realmente necessários e não desperdiçar nem uma folha de alface.
    5. A necessidade faz surgir mercados de trocas. Se vocês precisam de meias, compareçam ao mercado de trocas, levando alguma coisa do seu guarda roupa a qual possam se desfazer.
    6. Se vocês morarem em casas com pátios de terra, plantem mudas de verduras, legumes e frutas, conforme o tamanho do seu quintal. Vocês terão complemento alimentar perecível, fresco, sem usar dinheiro. Melhor usar o dinheiro em adubo orgânico do que nos vegetais que vocês podem plantar. Cocô de galinha e estrume de vacas é vendido em sacos de 25 quilos por meia dúzia de patacas, e farão suas colheitas melhores e necessitando pouco espaço.
    Lembrem-se que preços de aluguel, colégio das crianças, contas de energia elétrica, água, coleta de lixo, correio…tudo sobe em tempos de inflação, e até financiamentos fixos os bancos dão um jeito de mudar as regras. Garanta dinheiro para isso. Caso contrário facilmente cairá na miséria.
    7. Contrabandear e fazer o que no Brazil se chama “gato”, para não pagar energia elétrica, não é roubo. Roubo é o que fazem com nós. Precisamos sobreviver.
    8. Forme no seu bairro, ou participe de grupos de solidariedade ativa, inscrevendo seus vizinhos necessitados de esmolas que o governo “dá”, principalmente em tempos de eleição. Nem todo pobre sabe de que forma pode garantir cestas básicas e/ou outras “benesses” de ongs e todo tipo de filantropia. Trabalhe para assegurar a sobrevivência dos que têm menos que vocês.
    9. Seus filhos devem aprender a dividir o material escolar com os alunos cujos pais não puderam comprar. E também plantarem no pátio do colégio.
    10. Aprendam a comprar no lugar de produção bolachas quebradas, macarrão também quebrado e toda sorte de alimentos que serão rejeitados para embalagem, mas estão perfeitamente comestíveis, para manter a barriga dos seus animais domésticos e até os animais de rua no seu bairro sem sentirem fome.
    E finalmente compreendam que os 5,2 % de inflação em Portugal não é nada. Nós aqui estamos preparados para viver com inflação de 10%, como agora, bem como aquela que já tivemos e que ora aflige os hermanos da classe média e pobres, ou seja, 40%.
    Não esqueçam que os ricos se aproveitam de qualquer crise para enriquecer ainda mais. Eles não estão preocupados nem com nós, nem com vocês. Ao contrário, quanto mais pobres sejamos, mais ricos eles serão.
    Também jamais façam empréstimos bancários. Organizem nos seus bairros uma carteira de micro empréstimos, sem juros, com vencimento em um mês. Às vezes isso pode arrancar uma família da miséria sem retorno. Isso para quem, da classe média, possa emprestar.
    Às vezes também é mais útil trabalhar em casa, on line, ou organizando evitar o desperdício dos seus e dos seus próximos, trocando ensinamentos de como utilizar os terrenos baldios em hortas coletivas (para quem mora em apartamentos) do que procurar empregos sem garantia, com remunerações infames. A economia de comer fora de casa e não pagar deslocamento pode ser maior do que vocês imaginam. O excedente da horta coletiva ou do quintal deverá virar compotas, doces, geleias e outros para serem comercializados em mercados de trocas.
    Nunca deixe de organizar-se com os vizinhos para evitar sair de casa com o carro, com lugares vazios. Lotação esgotada deverá ser uma meta que garantirá economia no bairro.
    Talvez vocês não precisem de nada disso, e desejo que assim seja. Mas, se índices maiores de inflação ocorrerem, vocês já sabem algumas dicas de quem está acostumada a viver com alta inflação.

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