Vacinas Covid: a fuga de dados da EMA

O British Medical Journal publicou ontem um artigo segundo o qual a Pfizer entregou à União Europeia vacinas com mRNA defeituoso e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) encobriu o facto.

Para ser precisos, este é um artigo que comenta os dados e e-mails dos funcionários da EMA roubados durante um ataque de hacking em Dezembro passado, dos quais se deduz precisamente que os primeiros lotes da vacina Pfizer estavam defeituosos e isto causou grande alarme entre os funcionários da EMA.

Eis um comprido excerto do artigo do British Medical Journal para que os Leitores possam fazer-se uma ideia.


A fuga de dados da EMA sobre a Covid-19 e o que nos diz sobre a instabilidade do mRNA

Documentos divulgados mostram que alguns dos primeiros lotes comerciais da vacina covid-19 da Pfizer-BioNTech tinham níveis de mRNA intacto inferiores aos esperados, suscitando questões mais amplas sobre como avaliar esta nova plataforma de vacinas, escreve a jornalista suíça Serena Tinari.

Ao realizar a análise da vacina Pfizer-BioNTech em Dezembro, a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA) foi vítima de um ciberataque. Mais de 40 megabytes de informação classificada da agência foram publicados e vários jornalistas, incluindo os da BMJ, e académicos de todo o mundo receberam cópias da fuga de informação. Vieram de contas de e-mail anónimas e a maioria dos esforços para interagir com os remetentes foram infrutíferos. Nenhum dos remetentes revelou a sua identidade e a EMA diz que está a prosseguir uma investigação criminal.

O BMJ analisou os documentos, que mostram que os reguladores tinham grandes preocupações sobre quantidades inesperadamente baixas de mRNA intacto em lotes da vacina desenvolvida para a produção comercial.

Os cientistas da EMA encarregados de assegurar a qualidade de fabrico – a química, a produção e os aspectos de controle da apresentação da Pfizer à EMA – preocuparam-se com “espécies de mRNA truncadas e modificadas presentes no produto acabado”. Entre os muitos ficheiros divulgados, um e-mail datado de 23 de Novembro por um alto funcionário da EMA delineou uma série de questões. Em suma, o fabrico comercial não estava a produzir vacinas de acordo com as especificações esperadas, e os reguladores estavam inseguros quanto às implicações. A EMA respondeu apresentando duas “grandes objecções” à Pfizer, juntamente com uma série de outras questões que pretendia ver abordadas.

O e-mail identificou “uma diferença significativa em percentagem de integridade do RNA/espécies truncadas” entre os lotes clínicos e os lotes comerciais propostos – de cerca de 78% a 55%. A causa principal era desconhecida e o impacto desta perda de integridade do RNA na segurança e na eficácia da vacina estava “ainda por definir”, disse a mensagem de correio electrónico.

Finalmente, a 21 de Dezembro, a EMA autorizou a vacina da Pfizer-BioNTech. O relatório de avaliação pública da agência, um documento técnico publicado no seu website, observou que “a qualidade deste medicamento, apresentado no contexto de emergência da actual pandemia (Covid-19), é considerada suficientemente consistente e aceitável “.

Não é clara a forma como as preocupações da agência foram satisfeitas. De acordo com uma das mensagens de correio electrónico com data de 25 de Novembro, as notícias positivas tinham vindo de uma fonte não revelada nos EUA: “Os últimos lotes indicam que a percentagem de RNA integro está em volta de 70-75%, o que nos deixa cautelosamente optimistas quanto à possibilidade de dados adicionais abordarem a questão”, disse o e-mail.

Um quase-acidente?

Também não está claro se os acontecimentos de Novembro constituem um quase-erro na produção comercial de vacinas mRNA.

A EMA diz que a informação vazada foi parcialmente adulterada, explicando numa declaração que “enquanto os e-mails individuais são autênticos, foram seleccionados e agregados dados de diferentes utilizadores, foram realizados screenshots (“capturas de ecrã”) de múltiplas pastas e caixas de correio, e foram acrescentados títulos adicionais pelos perpetradores”.

Mas os documentos oferecem à comunidade médica em geral uma oportunidade de reflectir sobre as complexidades da garantia de qualidade das novas vacinas contra o mRNA, que incluem tudo, desde a quantificação e integridade do mRNA e dos lípidos transportadores até à medição da distribuição das partículas e da eficiência do encapsulamento. Particularmente preocupante é a instabilidade do RNA, uma das variáveis mais importantes, relevante para todas as vacinas de mRNA que até agora tem recebido pouca atenção na comunidade clínica. É uma questão relevante não só para a vacina da Pfizer-BioNTech, mas também para as produzidas por Moderna, CureVac e outras, bem como no caso duma vacina mRNA de “segunda geração” que está a ser aplicada pelo Imperial College London.

A instabilidade do RNA é um dos maiores obstáculos para os investigadores que desenvolvem vacinas à base de ácido nucléico. É a principal razão para os rigorosos requisitos da tecnologia da cadeia do frio e foi abordada encapsulando o mRNA em nanopartículas lipídicas.

“A molécula de mRNA completa e intacta é essencial para o sue potencial como vacina”, escreveu o professor de Biofarmacêutica Daan J.A. Crommelin num artigo de revisão no The Journal of Pharmaceutical Sciences no final do ano passado. “Mesmo uma pequena reacção de degradação, em qualquer lugar ao longo dum fio de mRNA, pode retardar gravemente ou parar o bom desempenho de tradução desse fio e assim resultar na expressão incompleta do antígeno alvo”.

Crommelin e os colegas observam que ainda não foram desenvolvidas orientações regulamentares específicas para vacinas baseadas no mRNA, e as tentativas da BMJ para clarificar as normas actuais não tiveram êxito.[…]


Como comentar? Difícil, porque toda esta história está baseada em elementos hackerados que, de facto, podem ter sido adulterados. Ou talvez não. Portanto, temos duas hipóteses sobre o que está realmente a acontecer:

  1. Os primeiros lotes das vacinas da Pfizer eram realmente defeituosos: neste caso o escândalo seria enorme, sobretudo porque a EMA (e a União Europeia, da qual a EMA depende) encobriam o caso;
  2. Os dados fornecidos pelos hackers são manipulados, e nesse caso, não é de excluir que se esteja a travar uma guerra das vacinas entre os poderes. E destas horas a notícia segundo a qual a vacina Astra-Zeneca foi suspensa em nove País europeus por causa das mortes alegadamente provocadas.

Como sempre: o Leitor é que sabe.

Por aqui traduzimos uma “caixa” de aprofundamento presente no mesmo artigo e que esclarece um aspecto técnico das vacinas:


Nanopartículas lipídicas – para onde vão e o que fazem?

Concebida há três décadas, a terapêutica baseada no RNA há muito que inspira imaginações pelo seu potencial teórico para transformar células do corpo numa “fábrica de medicamentos a pedido”. Mas, apesar do pesado investimento da indústria biotecnológica, a implementação era constantemente dificultada pela fragilidade do mRNA.

Ao longo dos anos, os investigadores tentaram resolver a instabilidade intrínseca, encapsulando o mRNA em nanocarriers (“nano-transportadores”) feitos de polímeros, lípidos, ou materiais inorgânicos. As nanopartículas lipídicas (LNPs) foram escolhidas por parte de Moderna, Pfizer-BioNTech, CureVac, e Imperial College London para as vacinas anti-Covid-19. Isto atraiu a atenção de especialistas da área da biotecnologia farmacêutica, alguns dos quais levantaram preocupações sobre outras incógnitas.

Numa resposta rápida publicada no BMJ, J.W. Ulm, um especialista em terapia genética que publicou sobre a localização de vectores terapêuticos nos tecidos, levantou preocupações sobre a biodistribuição das LNPs: “Actualmente, relativamente pouco tem sido relatado sobre a localização dos tecidos das LNPs utilizadas para encapsular o RNA codificador da proteína spike do SARS-CoV-2 e é vital ter informações mais específicas sobre precisamente para onde vão as nanopartículas lipossómicas após a injecção”.

É desconhecido se as preocupações de Ulm possam ter implicações para a segurança das vacinas.

Ulm disse ao BMJ: “A Pfizer-BioNTech e a Moderna fizeram um trabalho notável para aumentar rapidamente a produção dum sistema tão inovador, o que é genuinamente um feito tecnológico de referência. Contudo, os estudos farmacocinéticos, com confirmação laboratorial independente, são essenciais para determinar a potencial citotoxicidade [toxicidade para as células, ndt] e toxicidade macroscópica [geral, ndt], especialmente dada a probabilidade de injecções de reforço ao longo de meses ou anos, uma vez que os padrões de movimentação nos tecidos da carga útil da vacina mRNA determinarão quais células e tecidos serão mortos por células T-citotóxicas em cada ronda”. Dada a variação nas formulações das LNPs, não é claro quão relevantes são as anteriores experiências em animais para responder a esta pergunta.

Os reguladores e os fabricantes contactados pelo BMJ acerca deste artigo não quiseram responder a nenhuma das questões levantadas pela resposta de Ulm.


Tá bom, mas as nanopartículas lipídicas, estas LNPs, são coisas tão pequenitas, como podem provocar danos? Agora, fossem grandes como abóboras, isso sim que seria um problema, pois uma abóbora é pesada. Doutro lado, uma abóbora não conseguiria entrar numa seringa. E isso demonstra que  as vacinas da Pfizer são seguras. Pelo menos, esta deve ter sido a avaliação da EMA.

 

Ipse dixit.

5 Replies to “Vacinas Covid: a fuga de dados da EMA”

  1. Max, recebi agora noticia fresquinha. Sabe algo sobre isso:

    https://oglobo.globo.com/sociedade/vacina/sete-paises-europeus-suspendem-provisoriamente-uso-de-lote-da-vacina-oxford-24919799

    Aviso aos anônimos da vida e a quem interessar : é só um link para mostrar a manchete. Expresso minhas opiniões do meu “próprio punho” , não uso as reportagens para justifica-las. Informo apenas para que fiquem sabendo que o fato em análise, realmente ocorreu.

    Poderia dizer: “Max, me falaram que a vacina da Oxford foi suspensa”, mas, acho muito seco.

    1. O comentário do “Anônimo, e daí?” foi removido.

      Pessoal, lembro um par de ideias:

      1. estamos aqui para discutir, o que é diferente de ofender.
      2. utilizar um nick “Anónimo” diferente do costume só para atacar um colega Leitor é uma grave quebra de confiança que dá direito à expulsão.

      Em caso de dúvida, façam o favor de ler a secção Netiquette (barra superior > Acerca > Netiquette), que é o contracto que todos os Leitores implicitamente aceitam ao participar na vida pública do blog (e tanto para prevenir possíveis dúvidas: a Netiquette de Informação Incorrecta é a mesma utilizada na maioria das comunidades presentes em internet, até mais permissiva do que outras).

      É perfeitamente possível não concordar com as opiniões apresentadas e, ao mesmo tempo, utilizar a educação.

      Neste caso foi simplesmente eliminado o comentário. Agradeço a compreensão.

  2. Olá Max: aqui me parece que as duas hipóteses são verdadeiras.
    Por um lado a rapidez com a qual estas vacinas entraram no mercado, por si só já é criminosa.
    Por outro lado, a guerra entre os laboratórios está sendo insana. Graças a esta guerra chegamos a conhecer alguns dados de mortes ocasionadas por esta ou aquela. Na verdade não deixa de ser uma vantagem, porque o povo convicto fica sabendo de alguns problemas, porque o sensacionalismo das grandes mídias não suporta calar-se, e o medo se volta para uma ou outra vacina.
    Cautela começa a aparecer. Quanto mais eles, os laboratórios, tentarem destruir-se, melhor.

  3. Max, acho que os hackers não alteraram os dados, o que não exclui a guerra de vacinas. Não sou tão ingênuo a ponto de não crer em espionagem industrial nesse caso, mas estamos falando de um mercado de bilhões de pessoas e há espaço e ganhos financeiros para todas as farmacêuticas. Talvez elas até tenham “fatiado” esse mercado global.
    Creio que, como toda tecnologia e produto novo, houve ou há ainda falhas na elaboração do mesmo. Manter o RNAm intacto realmente não é nada simples, a vacina da Pfizer precisa de uma logística absurda para manter a estabilidade. Talvez isso também tenha contribuído.
    Quanto a vacina da Astra Zeneca, aqui no Brasil não há noticias (não que eu saiba) de coagulopatias relacionadas. Parece que na Inglaterra também não. Mas é tudo muito cedo e muito novo para qualquer conclusão.

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