A Super Liga Europeia: tristeza e esperança

O espectro de uma Super Liga Europeia tem sido evocado há muito tempo e ontem chegou o anúncio: doze equipas europeias decidiram criar uma nova competição privada de futebol chamada Super Liga. Os clubes mais ricos e poderosos da Europa decidiram criar o seu próprio torneio continental que, na realidade, esvaziaria a competição continental de topo, a Liga dos Campeões, e os vários torneios nacionais.

Os clubes: Manchester United, Manchester City, Liverpool, Arsenal, Tottenham, Chelsea, Juventus, Inter, Milan, Real Madrid, Barcelona, Atletico Madrid.

Atrás deles um nome bem conhecido: JP Morgan, que iria financiar o projecto com um empréstimo de longo prazo (23 anos) com uma taxa de 2-3%. Cada clube fundador deveria receber entre 200 e 300 milhões de Euros.

Então o que está realmente em causa? O dinheiro, é claro. A pandemia fez explodir os balanços e a crise de liquidez de que os 12 clubes subscritores estão a sofrer. Todos eles. Três ingleses têm propriedade americana (Manchester United, Liverpool, Arsenal), outro é de um País árabe (Manchester City), um de um oligarca russo que tirou um passaporte israelita para poder regressar a Inglaterra (Chelsea). Depois há um clube inglês que reside nas Bahamas (Tottenham), dois clubes espanhóis que têm mais de dois mil milhões em dívida (Real Madrid e Barcelona), o terceiro espanhol (Atletico) é apoiado pelos chineses. Nem dois dos italianos estão em boa forma: a Inter está a negociar um acordo com os jogadores sobre o adiamento dos salários, a Juve precisou, há pouco mais de um ano, de um aumento de capital de 300 milhões e arrisca este ano ter um forte défice; entretanto, a escolha da Super Liga colocou o accionista Exor (da família Agnelli, os donos da Juventus) em rota de colisão com as instituições políticas europeias pois a Exor participa na Stellantis, o grupo automobilístico formado pela fusão entre a Fca (Fiat, Alfa Romeo, Jeep…) e a Psa (Citroen, Peugeot, Opel…).

Podemos dizer que esta é uma espécie de reestruturação neoliberal aplicada ao negócio do futebol. Depois de destruir o jogo, reduzindo-o a uma mera indústria da qual extrair lucro, agora os maiores e mais ricos clubes, endividados até ao pescoço, decidem levar a cabo este “golpe” para tentar impedir a perda de lucro com a colaboração dum banco comercial americano símbolo do neoliberalismo mais selvagem e mais brutal.

Há só um problema: a União Europeia não permite que haja um circuito fechado de provas, não estamos nos Estados Unidos. E pelo facto de arriscar perder rios de dinheiro, a UEFA ficou logo histérica, ameaçando tudo e todos.

O futebol está podre e não desde ontem: a ideia da Super Liga vai na direcção de enterrar ainda mais uma disciplina cuja importância na nossa sociedade vai muito além do desporto. Então, iniciativa que deve ser chumbada?

Para já a Uefa terá de decidir se vai banir os 12 clubes e como o fazer. Haverá matéria para os escritórios de advocacia. No entanto, terá de lidar com a Europa: política, económica e desportiva. Esperamos que a Uefa seja tão dura como as suas declarações feitas em cima da hora.

Mas há um lado positivo. As equipas ricas vão criar o seu próprio circo de futebol em estilo reality show, com o objectivo de gerar e gerir um espectáculo no qual os mais famosos do futebol europeu irão actuar, uma manifestação vendida por quantias estratosféricas a redes de televisão ansiosas por obter direitos exclusivos. Um monstro, um produto plastificado e produzido em massa para a utilização via televisão por parte de espectadores lobotomizados. Algo triste, sem paixão, sem alegria, uma bárbara americanização.

É possível começar daqui: deixem os ricos jogarem com os ricos e para os lobotomizados. Os outros podem ficar com um futebol onde circula menos dinheiro, onde a vitória ainda conta alguma coisa. Deixem os ricos com o dinheiro dos ricos e sem o dinheiro dos contribuintes: a Uefa e as federações nacionais poderão concentrar mais recursos nas equipas da “segunda linha”, aquelas que hoje estão “fechadas” pelo poder dos grandes. A Super Liga é uma ideia particularmente triste e eu, como apreciador da modalidade, não irei segui-la, nem que fosse gratuita. Já agora não gasto um cêntimo para seguir os jogos (que Deus abençoe Roja Directa…), a Super Liga é mais uma confirmação: estes gajos não merecem. Mas pode ser a ocasião para que um pouco de podridão se afaste. Só um pouco mas é já algo.

Deixem os palhaços trabalharem no circo.

 

Ipse dixit.

2 Replies to “A Super Liga Europeia: tristeza e esperança”

  1. Acho que não prosperará Max, City e Chelsea já pensam em sair após a repercussão negativa. Lembrando que quem é dono do City são os árabes e do Chelsea é o russo Abramovich, todos “muito preocupados” com o esporte apenas.

  2. «…Mas pode ser a ocasião para que um pouco de podridão se afaste…»

    Deixei de ir ao futebol e de seguir a modalidade – se não estou em erro – desde a última vez que o Futebol Clube de Porto (FCP) ganhou a Taça UEFA em 2011.

    A partir daí o futebol entrou numa mediocridade e degradação a todos os níveis, deixou de ser um desporto de e para os cidadãos, composto por gente que se sacrificava de corpo e alma à modalidade, com dirigentes que dedicavam a sua vida aos clubes que dirigiam por gosto e para fazer valer e representar as suas localidades e identidade das suas gentes.

    Nesta última década os jogadores de futebol são quase todos retardados, com um aspecto do mais rasco que há, estilo imbecil, sem consciência de classe, dureza, espírito de corpo ou de sacrifício, com uma mentalidade infantil, sendo uns autênticos fiteiros que passam a vida no chão.

    Os treinadores também não ficam atrás; isto para quem cresceu a ouvir sobre os feitos e personalidades ímpares que a Velha Guarda contava de nomes como Yustrich, Pedroto, ou Artur Jorge, e viu com os seus próprios olhos treinadores fora de série como Bobby Robson, António Oliveira, ou José Mourinho, fica desiludido com o panorama actual.

    Hoje, é impossível ir aos estádios assistir a um jogo de futebol pois as bancadas estão repletas de animais incivilizados que vão para lá uivar, gemer, e grunhir, ou para criar conflitos uns com os outros, e não me estou a referir somente às claques mas no seu geral. É uma multidão de parolos, broncos, e acéfalos que não percebem nada de futebol e vão para lá imitar os anormais dos comentadores desportivos que vêem na televisão a fazerem figura de urso.

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