Coronavirus IV – A crise dos mercados

Os mercados sofrem. E muito. ZeroHedge publica uma entrevista: o jornalista Christoph Gisiger do portal suíço The Market NZZ faz o ponto da situação com Jim Bianco. Quem é este? Jim Bianco, membro da Market Technicians Association (MTA) e com um MBA na Fordham University, é Presidente e macroestrategista da Bianco Research, L.L.C., antigo estrategista de mercado em pesquisa de acções na UBS Securities and Equity, analista técnico na First Boston e na Shearson Lehman Brothers. No ano passado a Casa Branca pensou nele para a administração da Federal Reserve. Ou seja: é um que entende alguma coisa acerca de mercados. Vamos ler a opinião dele.

O Federal Reserve pega no bazuca: reduz a taxa dos fundos federais para zero e comprará 700 biliões de Dólares em títulos do Tesouro e outros título garantidos por hipotecas. Além disso, num esforço coordenado com outros cinco grandes bancos centrais, a Fed abre linhas de swap para mitigar as perturbações nos mercados do Dólar no estrangeiro [isso é: acordos com outros bancos centrais sobre as taxas de câmbio, ndt].

No entanto, os mercados financeiros não parecem impressionados. Os contratos a termo do +índice S&P 500 caíram 5%, atingindo o “limite inferior” enquanto os mercados de acções na Ásia e na Europa começaram a semana com fortes perdas.

Para Jim Bianco, essas medidas são o último recurso da Fed:

Este é um dos maiores momentos da verdade na história dos mercados financeiros. Os mercados em risco, já em perda na semana passada, resistirão? Caso contrário, uma nova era nos mercados financeiros poderia estar a chegar

Bianco, a Federal Reserve toma maciças medidas de emergência. O que isso significa para os mercados financeiros?

Os bancos centrais apostaram tudo. Utilizaram todas as munições e têm apenas um objectivo em mente: devem travar o declínio dos mercados financeiros. Isso começou no final da semana passada com a gigantesca operação no mercado Repo da Fed [instrumentos de recompra de curto prazo usados ​​pelos bancos centrais para controlar os níveis de liquidez dos bancos]. Anúncios do BCE e do Banco do Japão também podem ser acrescentados. Além disso, temos as medidas extraordinárias tomadas pelos governos europeus para conter os efeitos da pandemia. O governo da Alemanha, por exemplo, está basicamente a garantir o trabalho de todos.

No entanto, os investidores não parecem convencidos. O que acontecerá se os mercados caírem mais?

Os bancos centrais devem impedir que o mercado de acções caia para o nível mais baixo da semana passada. Acredito que, se os mercados caírem nesses níveis e continuarem a cair, o chamado Fed Put [a capacidade da Fed de salvar a economia através das taxas de juros] estará morto. Não funciona mais, então parem de procurar novas maneiras de exercitá-lo. E lembrem-se da definição de insanidade de Einstein: fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes.

Quais são as consequências se o Fed Put não funcionar mais?

Os bancos centrais terão que ir em frente. Portanto, se as acções caírem para novos mínimos, corremos o risco de fechar os mercados financeiros. A Fed e os outros bancos centrais dispararam todas as suas munições e, se o mercado exceder os mínimos da semana passada, não há mais a fazer. A Fed não pode comprar acções sem uma alteração no Federal Reserve Act. Levaria semanas para o Congresso fazer isso. Mesmo se o Congresso se movesse com a velocidade da luz, levará pelo menos uma semana e já será tarde.

Qual seria a vantagem em fechar os mercados?

Foram necessários dezasseis dias para reduzir o mercado de acções em 27%, desde os máximos de todos os tempos até os mínimos de Quinta-feira. Nunca vimos algo assim na história. O mais próximo que já vimos foi em 1929, quando foram necessários 42 dias para passar do máximo de todos os tempos até uma correcção de 20%. A velocidade desse declínio é sem precedentes.

Por que é tão importante travar esse acidente?

Se continuar, serão obtidas margin calls [instrumentos para limitar o risco de credores insolventes], liquidações não voluntárias. Os mercados perderão a sua capacidade de cotar acções, especialmente coisas como títulos de alto rendimento e acções de mercados emergentes. As pessoas não poderão resgatar o dinheiro investido nos fundos porque não terão preços. Haverá dinheiro preso. Além disso, haverá acordos não respeitados na área da dívida corporativa, o que forçará mudanças nas posições de controle ou reestruturação. Mas o maior dano será que as pensões serão subfinanciadas. As empresas serão forçadas a acumular biliões de Dólares para recuperar as suas pensões.

E como isso ajudaria se os mercados estivessem fechados?

Nesse ponto, fechamos todo o resto para combater essa pandemia. Praticamente não há mais nada aberto no momento. Então, porque não fechar os mercados financeiros até que possamos entender melhor a extensão dos danos? E então, podemos reabri-los e avaliar a possibilidade de um preço correcto.

Na história dos Estados Unidos, os reguladores fecharam o mercado de acções apenas quatro vezes: em 1914, quando a Primeira Guerra Mundial começou, durante o feriado de 1933, após o assassinato de Kennedy em 1963 e após o 11 de Setembro de 2001.

Ainda existe a possibilidade de que o que está a acontecer agora possa funcionar e que os mínimos históricos da semana passada possam ser mantidos. Então não haverá necessidade de fechar os mercados. Mas acho que os bancos centrais pensam exactamente como eu. As medidas deles dizem: “Temos que parar com tudo isso agora. Não há mais tempo para discutir, agora todos concordamos em tudo. Se não funcionar agora, não importa a redução de juros e não importa o facto de ter feito saltar o orçamento”.

Então, a Fed fez a coisa certa?

Darei aos bancos centrais uma classificação “A +” no que eles fizeram até agora nesta crise. Se eu fosse o presidente da Fed, é o que faria. Mas parece que pode não funcionar. Portanto, não posso dar a Jay Powell [presidente da Federal Reseve] um “F” porque não há mais nada que ele poderia ter feito do que ele já fez. A Fed fez a coisa certa, mas nesse ambiente, fazer a coisa certa não significa que funcionará. Portanto, existe apenas uma ferramenta disponível se os mercados de risco continuarem a cair para o nível mais baixo da semana passada: fechar os mercados financeiros antes que entrem em colapso.

Houve também alguns problemas com o mercado do Tesouro na semana passada. O que está a acontecer?

O mercado do Tesouro tornou-se muito disfuncional na segunda metade da semana passada. Todos os mercados pareciam ter sido liquidados: as acções declinaram, os títulos declinaram, as mercadorias declinaram, o ouro declinou e houve até uma escassez de Dólares americanos. Tudo foi liquidado. Assim, a Fed, reconhecendo esse problema, interveio na Quinta-feira à tarde com o anúncio de 5.000 biliões de Dólares em operações Repo durante o mês seguinte. Só na Sexta-feira, ofereceram 1 trilião em Repo. Para colocar isso em perspectiva: estamos a falar do tamanho do Quantitative Easing 1 – que foi o primeiro programa de flexibilização quantitativa em 2009 – realizado numa hora.

No entanto, os mercados ainda afundaram na Sexta-feira.

Apenas 42 biliões dos 1.000 biliões oferecidos pela Fed foram retirados. Isso acontece porque há uma infinidade de regulamentos sobre os bancos que não lhes permitem alavancar os seus balanços patrimoniais, porque esse era o problema em 2008. Portanto, os bancos não podem aceitar o dinheiro oferecido pela Fed por causa dos regulamentos. É por isso que a Fed está envolvida com a flexibilização quantitativa.

Há rumores sobre um grande fundo hedge ou outra grande entidade que está a explodir.

Sim, já existem histórias de perdas gigantescas na comunidade de fundos hedge. BlueCrest, H2O e Bridgewater perderam cerca de 20%. Com deslocações do mercado como essas, não é de admirar que haja rumores de que alguém está com problemas. Deixe-me dizer uma coisa: se os mercados ultrapassarem os mínimos da semana passada e continuarem em queda, continuarão os rumores sobre quem ainda é solvente. É por isso que os mercados terão que fechar.

Bancos de investimento como Goldman Sachs esperam que o PIB dos EUA caia 5% no segundo trimestre. É uma hipótese realista?

Receio que no prazo de algumas semanas possa parecer optimista. Sim, esse colapso económico devido à pandemia será temporário, por um ou dois trimestres, mas o risco muito real é que ocorram danos duradouros que dificultarão a economia ao longo de anos.

Você está no negócio dos investimentos há muito tempo e testemunhou vários colapsos. Como vive pessoalmente essa crise?

É uma situação diferente de todas as que vimos na nossa vida. O que está a acontecer hoje nos mercados financeiros supera a crise financeira de 2008, supera o 11 de Setembro, supera o pico tecnológico e supera o colapso de 1987. Talvez 1929 seja ainda maior, mas poucos de nós estavam vivos na época. Estamos a escrever um novo capítulo para os livros de história americana e mundial. Temos apenas algumas páginas e não temos certeza de como será o resultado, mas os nossos netos um dia aprenderão da grande pandemia de 2020 na escola e o que isso significou para a história do mundo.

 

Considerações pessoais: quando o sistema está preste a ruir, a coisa melhor é sermos nós a provocar a queda, segundo as nossas modalidades e tempos. Desta forma podemos prever os principais danos e evitar males piores. Neste sentido, a pandemia está a camuflar uma crise financeira que de qualquer forma teria chegado: os mercados financeiros tinham perdido qualquer contacto com a realidade, com (altos) ganho que há muito não reflectiam o (miserável) crescimento.

Será uma ocasião para repensar as Bolsas e todos os mercados? Nada de ilusões. O anuncio da vacina será suficiente para fazer voar Wall Street e as principais praças mundiais.

Mas sabemos que situações excepcionais precisam de medidas excepcionais. E isso vale também na Finança e na Economia. Por enquanto as medidas tomadas visam a contenção do Coronavirus, pois o objectivo é travar o contagio. A Federal Reserve tenta aliviar a situaçõe com um Quantitative Easing chamado de outra forma. Mas depois haverá a recuperação. E a recuperação financeira e económica terá de ser ajudada com medidas excepcionais, pois os bancos estarão “em sofrimento” e a saúde do sistema bancário é uma questão “de interesse nacional”. Quais serão as medidas excepcionais apresentadas? E não falo das Bolsas, falo de medidas que alcançam o cidadão.

Para já tomamos nota:

Apenas 42 biliões dos 1.000 biliões oferecidos pela Fed foram retirados. […] Portanto, os bancos não podem aceitar o dinheiro oferecido pela Fed por causa dos regulamentos.

Fala-se aqui dos regulamentos introduzidos após a crise dos subprimes de 2007-2008. Alguém terá que fazer algo acerca destes regulamentos, não é?

 

Ipse dixit.

Fonte: The Market NZZ via ZeroHedge

4 Replies to “Coronavirus IV – A crise dos mercados”

  1. Max, sendo você Italiano, como vê a recusa por parte da união europeia (ue) em apoiar a Itália no combate ao Covid-19?

    – China Comes to Italy’s Rescue as the Country Faces 25,000+ COVID-19 Cases, Forced to Leave Patients Over 80 to Die, While EU Ignores Pleas for Help
    https://www.fort-russ.com/2020/03/china-comes-to-italys-rescue-as-the-country-faces-25000-covid-19-cases-forced-to-leave-patients-over-80-to-die-while-eu-ignores-pleas-for-help/

  2. Ontem à tarde resolvi dar um rolè, como os adolescentes falam, pela cidadezinha; entra aqui, fala lá, observa acolá e assim, tentando rodar as pernas e a mente. Já havia recebido uma correspondência do Banco do Brasil, sempre muito cordial, sobre a variação de juros dos depósitos de renda fixa (leia-se a extinção deles que já eram mínimos, quem sabe até seu congelamento sem acesso ao depositário). A agência do BB entupida de povo agitado. Ruídos e sussurros, tanto expressos na gentil cartinha virtual quanto na boca dos incautos: “tudo culpa do corona vírus”. Melhor que isso só o ministro da economia a dizer que tudo estava indo bem até a chegada do vírus que até hoje só parece ter sido causa de morte em 2 brasileiros.
    No estado de Sta. Catarina, os óbitos registrados não puderam ser atribuídos ao terrível virus, mas a contaminação já alcançou alguns, motivo para o governador do estado ter decretado situação de emergência preventiva (nunca vi disso) frustando todo todo contato social dos catarinenses. Aqui nesta localidade a população parece ter ido socializar no banco, supermercados, farmácias e praias locais porque transporte coletivo para outras cidades acabou. Quem chegou, ficou; quem saiu fica lá. Beleza, não é mesmo?
    Passo pela pracinha central que entre barraquinhas de artesanato caprichado e mesas onde os velhos fofoqueavam, jogavam dominó e fumavam , sempre muito atentos a tudo que se passava, só sobrou o cachorro vira- lata de todos e de ninguém, que felizmente ninguém ainda inventou ser focus de virus.
    Vou ao salão de beleza, que ainda progride tanto a feitura de unhas e cabelos como notícias locais e domésticas, já que o cachorro esparramado no sol da praça nada me contou. Alí os acontecimentos borbulham nas bocas apavoradas das senhoras e jovens da sociedade. Bom, fico sabendo que as ditas senhoras dispensaram as empregadas,cortaram a academia e outras necessidades urbanas, e encaminham-se, famílias a tiracolo para suas casas de praia ou campo (como se ali não fosse campo), já que lá tudo indica que as multidões na beira do mar afastam o corona virus, e os empregados domésticos de lá estão mais seguros porque já são “cria da casa”. Fico pensando, calada claro, que a cidade será dos pobres, mesmo com missas e cultos proibidos (o que não atrapalha as doações e dízimos que modernamente são feitas por carnê).
    Imagino o cenário do retorno da boiada, com filhos 10 quilos mais gordos cada um, chafurdando o dia inteiro na frente dos jogos de guerra do videogame, da TV, dos filmes e séries da netflix, comendo sem parar hamburger, pipoca e bolinho de chuva; as famílias totalmente desagregadas porque ficarem na mesma casa por meses, vão acabar as férias forçadas no advogado tratando da separação dos bens, porque a fala afetuosa de meu bem pra cá , meu bem pra lá, vai acabar na primeira semana.Quanto aos velhos das famílias de bem continuarão nas eufemisticamente chamadas casas de repouso e não vão sentir a falta de visitas porque elas já eram demasiado escassas mesmo. A cultura local não será afetada porque o what zap será como sempre o refúgio seguro da fofoca e da burrice.
    O que os pobres da terra vão fazer sem seus serviços habituais na cidade, eu não sei. Sei que seus filhos sem creche, sem escola, sem shoping , terão de tomar a cidade de assalto. Os pequenos agricultores, acredito que continuarão na sua lida de sempre, monótona, pesada, mas tranquila pois com corona ou sem estão garantidos o chão, a água e a comida.
    E por falar em assalto uma notícia brasileira incrível: por um acaso do destino, como diria nosso comentarista Lopez, milhares de presidiários em vários presídios pelo país a fora fugiram, e desfilavam em procissão pelas ruas vazias aqui e ali. Na verdade pouco antes o ministro da justiça Moro determinara medidas draconianas sobre a saída de presos e, quem sabe, conjuntamente com o comando do PCC, ordenaram um Salve geral. É agora que o gado brasileiro vai mugir desesperado, pedindo mais controle, mais isolamento, mais segurança, mais cadeia, pelo amor de deus…e, naturalmente serão atendidos. Patriot Act Tabajara em cima de nós, porque o mundo inteiro parece estar negociando o que lhes+ resta de liberdade em nome de uma segurança vã

  3. A maior prova de que o sistema é falido, é a de que o anjo salvador da “crise” é o nefasto Quantitative Easing, a origem do dinheiro criado do nada, base do maravilhoso mundo burguês liberal capitalista.

Obrigado por participar na discussão!

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