Vacinas e arredores: os contractos da Pfizer

Nesta semana, a agência de defesa do consumidor divulgou um relatório revelando como a empresa farmacêutica norte-americana Pfizer (uma das maiores empresas por detrás da vacina contra o coronavírus) utiliza o seu poder em tempos de pandemia.

O grupo americano sem fins lucrativos Public Citizen analisou os acordos a que a Pfizer assinou com Brasil, Chile e Colômbia, entre outros Países. “Os contractos oferecem um raro vislumbre do poder que uma grande empresa farmacêutica adquiriu para silenciar governos, acelerar o fornecimento, transferir riscos e maximizar os lucros durante a pior crise de saúde pública do século”, diz a publicação.

Para já é interessante notar as diferenças de preço entre os vários fornecimentos:

País Doses Preço/dose (Dólares) Despesa (Dólares)
Albânia 500.000 12 6 milhões
Brasil 100 milhões 10 1 bilião
Colômbia 10 milhões 12 120 milhões
EUA 100 milhões 19.5 1.95 biliões
Peru 10 milhões 12 120 milhões
Rep. Dominicana 8 milhões 12 96 milhões
União Europeia 200 milhões 18.6 3.7 biliões

Os contratos

Propriedade intelectual? Não é comigo

Albert Bourla, CEO da empresa farmacêutica Pfizer, prevê para a empresa em 2021 receitas de 14.582 mil milhões de Dólares, mais 45% do que no mesmo período de 2020. Só a vacina Covid-19 gerou receitas de 3.5 mil milhões de Dólares. O mesmo Bourla emergiu como um acérrimo defensor da propriedade intelectual das vacinas, chamando de “disparate” e “perigoso” o esforço da Organização Mundial de Saúde para partilhar a propriedade intelectual e reforçar desta forma a produção das vacinas.

Mas, em vários contratos, a Pfizer parece reconhecer o risco que a propriedade intelectual representa para o desenvolvimento, fabrico e venda de vacinas. Os contratos transferem a responsabilidade por qualquer violação da propriedade intelectual que a Pfizer possa cometer para os compradores governamentais. Como resultado, nos termos do contrato, a Pfizer pode utilizar a propriedade intelectual de qualquer pessoa que lhe agrade, em grande parte sem consequências: a responsabilidade é dos governos que adquirem a vacina, isso é, dos compradores.

Pelo menos quatro Países são obrigados a “indemnizar, defender e isentar a Pfizer” de e contra toda e qualquer acção, queixa, acção, exigência, indemnização, custos e despesas relacionadas com propriedade intelectual vacinal. Por exemplo, se outro fabricante de vacinas processar a Pfizer por violação de patente na Colômbia, o contrato exige que o governo colombiano pague a conta. A Pfizer também diz explicitamente que não garante que o seu produto não viole a Propriedade intelectual de terceiros, ou que necessitaria de licenças adicionais.

De certa forma, a Pfizer garantiu uma isenção para si própria perante o problema da propriedade intelectual. Mas internacionalmente, a Pfizer está a lutar contra esforços semelhantes para eliminar as barreiras das patentes.

A Pfizer exige também que os litígios contractuais sejam resolvidos secretamente por árbitros privados e não perante os tribunais públicos.

Imunidade? Só com vacinas!

As decisões alcançadas pelos painéis arbitrais secretos acima descritos podem ser aplicadas nos tribunais nacionais e a doutrina da imunidade soberana pode, por vezes, proteger os Estados de corporações que procuram executar as sentenças arbitrais.

Pfizer sabe disso e, no caso de Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana e Peru, os governos “renunciam expressa e irrevogavelmente a qualquer direito de imunidade que ele ou os seus bens possam ter ou adquirir no futuro” para executar qualquer decisão arbitral. Para Brasil, Chile, Colômbia e República Dominicana isto inclui “imunidade contra a apreensão preventiva de qualquer dos seus bens”.

O contrato permite à Pfizer solicitar aos tribunais que utilizem os bens estatais como garantia de que a empresa receberá os bens para compensar em caso de falta de pagamento. A este respeito, a porta-voz da Pfizer, Sharon Castillo, afirmou que a empresa “não interferiu e não tem absolutamente nenhuma intenção de interferir em quaisquer bens diplomáticos, militares ou culturais significativos de qualquer País”.

Anúncios: só com autorização. E nada de doações.

Public Citizen revelou que o contrato celebrado com o Brasil proíbe as autoridades de fazerem “qualquer anúncio público” sobre os termos do acordo com a Pfizer sem obterem a autorização da empresa.

Da mesma forma, a Pfizer proíbe o Brasil de receber ou fazer doações com a sua vacina. Portanto, se o Brasil tivesse uma excedentes de vacinas e quisesse doa-las a um outro País, não poderia fazê-lo.

Entregas: a Pfizer decide (obviamente)

O que acontece se houver escassez no fornecimento das vacinas? Nos contratos de Albânia, Brasil e Colômbia, a Pfizer decidirá os ajustamentos ao calendário de entrega com base nos princípios que a corporação decidirá. Os três Países “serão considerados como de acordo com qualquer revisão”.

Pfizer em primeiro lugar

Alguns governos recuaram em relação às exigências da Pfizer. A África do Sul, por exemplo, considerou o contracto como “demasiado arriscado” e um potencial risco para os seus bens. Após alguns atrasos, a Pfizer removeu os “termos problemáticos”.

Mas outros Países não têm tido tanto sucesso. Como condição para a celebração do acordo, o governo colombiano foi obrigado a “demonstrar, de forma satisfatória para os fornecedores, que os fornecedores e as suas afiliadas terão protecção adequada, conforme determinado no critério exclusivo dos fornecedores”. A Colômbia tem sido obrigada a certificar à Pfizer o valor das obrigações contingentes (ou seja, da potencial responsabilidade futura) e a começar a recolher fundos para cobrir tais obrigações.

A capacidade da Pfizer para controlar decisões chave reflecte o desequilíbrio de poder nas negociações de vacinas e, na grande maioria dos contratos, os interesses da Pfizer estão em primeiro lugar.

 

Ipse dixit.

Imagem: Marco Verch Creative Commons Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0)

3 Replies to “Vacinas e arredores: os contractos da Pfizer”

  1. É NEFASTO tudo isto! e a grande maioria concorda de forma bovinica, beirando a CANALHICE. Pagarão o preço alto no futuro (sombrio).

  2. Olá Max e todos: quem faz um contrato tal qual sabe perfeitamente dos resultados nefastos do que foi produzido.
    Nenhum país sério aceitaria.
    Quem são os executivos que aparecem e a rede subjacente que não aparece na governança dos países citados pelo artigo? Qual o histórico e a situação atual destes países? São campos de experimentação e extermínio; são locais de rapina por mais de 500 anos, onde povos colonizados funcionam como tal, apesar do número incontável de reações, revoltas, tentativas de mudança.
    Atualmente o governo brasileiro compra as vacinas mRNA preferencialmente. Não se espera outra coisa.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: