O acidente no Canal de Suez: o triste destino do papel higiénico

O navio Ever Given encalhou-se no Canal de Suez. Na altura do incidente, o Ever Given estava a viajar de Tanjung Pelepas, na Malásia, para Roterdão nos Países Baixos. Era o quinto dum comboio que se dirigia para norte, com quinze embarcações atrás dele.

A 23 de Março de 2021, às 07:40 hora local, o Ever Given estava a viajar através do Canal de Suez quando foi apanhado por uma tempestade de areia. Segundo a versão oficial, o vento forte (74 km/h) resultou na “perda da capacidade de conduzir o navio” causando o desvio: o Ever Given encalhou no km 151 (medidos a partir do Porto Said, no Mar Mediterrâneo) e virou de lado, incapaz de se libertar, bloqueando o Canal de ambos os lados. Não houve feridos e também os danos materiais imediatos foram limitados (o navio nem embarcou água ao que parece).

Resultado: mais de 200 navios em ambas as extremidades do Canal ficaram retidos. No total, 16.9 milhões de toneladas de mercadorias bloqueadas. Segundo a Lloyd’s List o custo do bloqueio pode ser estimado em 400 milhões de Dólares por hora e cada dia de atraso custa mais de 9 mil milhões de Dólares. Isso porque a única rota alternativa para o tráfego marítimo entre Ásia e Europa significa circum-navegar o continente africano, uma viagem de cerca de 9.000 km que demora aproximadamente 10 dias.

As teorias conspiratórias

Talvez o navio possa ser libertado ainda hoje, mas isso não impediu o surgimento de várias teorias da conspiração. Vamos vê-las porque, embora não sejam verosímeis, há um par de interessantes discurso relacionados.

O navio tem o nome de Ever Given e é operado pela empresa Evergreen de Taiwan. Isto deu origem a numerosas conspirações que brincam com estes dois nomes: Evergreen, por exemplo, era o nome de uma companhia aérea que operava por conta da CIA, pelo que insinua-se que a agência americana possa ter tido algo a ver com o bloqueio do Canal de Suez.

Outra teoria aponta o navio como meio para transportar crianças escravas para extrair adrenocromo, uma droga que os apoiantes de QAnon afirmam ser extraída de crianças torturadas em túneis subterrâneos; uma variante vê no bloqueio do Canal o caminho para o sistema financeiro quântico e o Grande Despertar pronto para a Páscoa.

Alternativa: Evergreen é o nome em código de Hillary Clinton e do seu marido Bill Clinton, atribuído pelos serviços secretos que os protegem. Como o código do navio Ever Given é também HR3C, que coincide com as iniciais do antigo candidato a Presidente dos Estados Unidos, (HRC = Hillary Rodham Clinton), este é também utilizado para reforçar a hipótese duma ligação entre a família Clinton e o acidente.

Outra teoria diz que a rota foi alterada porque os sistemas de controlo foram pirateados pela força espacial americana “como um gatilho” que levará ao restabelecimento do padrão de ouro do Dólar.

Mais: os nomes dos rebocadores Baraka1 e Mosaed, que estão a ser utilizados nas operações, significariam que Obama e o Mossad resgatam os Clinton.

Para acabar: outra teoria afirma que tudo não passa duma manobra de Pequim para provocar graves problemas à economia ocidental. Ou seja: a China estaria a prejudicar as suas próprias empresas e a Rota da Seda marítima para danificar o Ocidente. Um raciocínio bastante contorcido (e masoquista).

São teorias delirantes, sem dúvidas, mas não tão inocentes: servem para ridicularizar assuntos sérios. A praga da pedofilia, por exemplo, e a ligação entre tal prática e parte da elite não são uma teoria da conspiração mas um drama que os órgãos de informação escolheram ignorar: veja-se a rapidez com a qual foi despachado o caso Epstein e as relativas ramificações.

Fonte: Marine Traffic (https://www.marinetraffic.com/en/ais/home/centerx:32.596/centery:29.993/zoom:13)

Vento?

Verdade seja dita: a explicação oficial fornecida para o acidente não ajuda. Que um navio de 400 metros e uma tonelagem de 220.940 GT possa tornar-se ingovernável por causa de ventos de 74 km/h parece incrível, sobretudo consideradas as massas em jogo. Mas a travessia do Canal não é simples, é uma navegação de alto risco. Por esta razão aquele do Ever Given não é o primeiro acidente deste tipo: vários navios já tinham encalhado no Canal durante os últimos anos. Em Fevereiro de 2016 (o New Katerina), a 28 de Abril de 2016 (porta-contentores MSC Fabiola), a 17 de Julho de 2018 (o navio porta-contentores Aeneas: neste caso foi uma colisão que envolveu outros três porta-contentores, o Sakizaya Kalon, o Panamax Alexander e Osios David). Nem pode ser completamente afastada a hipótese dum num erro ou dum descuido por parte da tripulação indiana.

Mas há outro dado interessante: o mesmo navio tinha sido envolvido num evento semelhante no porto de Hamburgo, em Fevereiro de 2019, quando bateu num ferryboat pertencente à HADAG, a empresa local de transporte de passageiros que opera no rio Elba. Dois minutos após o incidente, a autoridade portuária encerrou a navegação ao longo do rio, devido ao vento. Pelo que, digamos que o navio parece estar a sofrer o efeito de um vento sustentado.

O Great Reset e o sistema

A parte curiosa é que todas as teorias da conspiração apresentadas até agora por QAnnon & companhia parecem estar a ignorar uma outra coincidência: a interrupção das cadeias de abastecimento fazia parte dum alegado documento interno do governo canadiano que ilustrava o percurso previsto para a implementação do Great Reset. Não há provas de que o documento fosse realmente de origem governamental e, sobretudo, um navio encalhado é nada neste aspecto: é um acidente que pode ser resolvido no prazo de dias. No máximo seria possível pensar numa espécie de “prova geral”, mas tudo depende do “se”: se nos próximos meses haverá acidentes capazes de interromper os abastecimentos durante períodos de tempo muito mais compridos, então seria possível ver no caso do Ever Given uma espécie de ensaio.

Mas é claro que a implementação do Great Reset não pode passar por um navio encalhado no Canal de Suez, nem por um grupo deles: seria preciso um evento traumático bem maior e duradouro.

O que o acidente do Canal demonstra é a “vulnerabilidade” do sistema, que não reside apenas na conformação geográfica das passagens (não há apenas Suez: há o Estreito da Sicília, o Estreito de Hormuz, o Estreito de Dardanelas: outros estrangulamentos que podem colocar o sistema em crise).

A vulnerabilidade está implícita no sistema, no volume do movimento de mercadorias, nos preços cada vez mais baixos: o transporte marítimo pesa menos de 4% dos custos totais. Assim, é necessário transportar a maior quantidade possível de mercadoria e com a maior frequência possível, a fim de fazer face aos custos.

Não é o navio mas é o sistema a estar fora de controlo: “pandemia”, logística, extracção e utilização selvagem de combustíveis fósseis, luta dos preços. Um navio grande como três campos de futebol sai do rumo é o sistema entra em crise: o preço da gasolina soube 4% e até o fabrico de papel higiénico entra em risco.

Um navio encalha, temos custos de biliões e ficamos sem papel higiénico. Isso ultrapassa qualquer teoria da conspiração.

 

Ipse dixit.

Imagem original de abertura: New York Times/Maxar Technologies

5 Replies to “O acidente no Canal de Suez: o triste destino do papel higiénico”

  1. A ser algo mais do que um incidente, só se for teste preliminar. É demasiado cedo pró verdadeiro bloqueio e esse terá de ser realizado de modo a imputar culpas aos do costume.
    Para além de um eventual teste, também serviria de um eventual aviso, uma pequena chantagem a quem mais teria a perder com um bloqueio do canal do Suez. Algo do género…
    Alinhem ou sofram as consequências.
    Na mui remota possibilidade de não se tratar mesmo e só de um incidente, seria só mais um sinal da demência senil dos do costume.

  2. Se costuma pensar que o sistema é poderoso, que nada se pode fazer para chantageá-lo
    Um simples incidente mostra a vulnerabilidade do mesmo.
    Um comandante decidido a dizer que um ventinho de 70km por hora desestabilizou o mastodôntico navio… e pronto.
    Falta vontade, engenhosidade, inteligência. Não são necessárias poderosas empresas de espionagem.

  3. Ainda tem o desejo antigo da China na construção de um Canal na Nicarágua.

    Seria a China se preparando para o Great Reset ?

    Ou só mais um prato cheio para os conspiracionistas se lambuzarem ?

  4. Endereçando o desenvolvimento global e os atuais “pontos de bloqueio”, sugiro a leitura e análise da visão e projetos propostos há muito por Lyndon LaRouche. Recentemente decorreu uma “conferência”, a qual procurou divulgar e sensibilizar (uma vez mais) pela via mediática e diplomática, a visão alternativa de desenvolvimento mútuo entre nações soberanas. Um olhar para o futuro das sociedades humanas pela via da cooperação, por isso em clara oposição, ao plano imperialista anglo-saxónico do confronto competitivo até à capitulação do opositor, até ás ultimas consequências se preciso for.
    Para os “cara de cu” de Basel, é indiferente. Gerem qualquer resultado em proveito próprio e em função de uma ideologia objetivamente indexada ao neo-darwinismo.
    Começar por aqui (leitura)…
    -*ttps://larouchepub.com/hzl/2021/4813-will_human_history_end_in_a_trag-hzl.html
    Alocar tempo (faseado) à visualização das palestras/debates ocorridos…
    -*ttps://schillerinstitute.com/blog/2021/03/19/world-at-a-crossroad-two-months-into-the-new-administration

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