Olaf Palme: caso encerrado?

Olaf Palme morreu assassinado em 1986. O assassinato, o primeiro deste género na história da Suécia moderna, foi um grande trauma nacional e político; ocorreu no coração de Estocolmo, na Rua Sveavägen, na noite de 28 de Fevereiro de 1986, enquanto Palme regressava a casa com a sua mulher Lisbeth depois de ter ido ao cinema. Às 23h21 um homem, escondido na sombra, disparou dois tiros de 357 Magnum nas costas do político. A morte foi oficialmente declarada em 1 de Março, seis minutos após a meia-noite, como resultado de um único disparo. A esposa ficou ferida mas sem graves consequências.

Quem matou Olaf Palme e por qual razão? Na verdade, possíveis moventes não faltam.

Líder do Partido Social Democrata Sueco e Primeiro-Ministro do País escandinavo na altura da morte, Palme tinha levado uma vida política corajosa e arriscada a nível internacional, opondo-se à Guerra do Vietname, ao apartheid sul-africano e à proliferação de armas nucleares. Mantinha boas relações com o bloco comunista (embora criticando duramente o totalitarismo), com a Cuba de Fidel Castro e o Chile de Salvador Allende, manifestando uma forte oposição diplomática ao governo ditatorial de Augusto Pinochet, estabelecido no País sul-americano após a morte violenta de Allende durante o golpe e com os Países não-alinhados.

No mesmo ano tinha sido nomeado mediador da ONU na guerra Irão-Iraque, era vice-presidente da Internacional Socialista e promoveu a integração europeia. Na política interna, contribuiu para o crescimento e ao reforço da social-democracia nórdica (o modelo sueco), apoiando o advento de uma economia planificada num contexto de socialismo democrático, com a co-gestão das grandes empresas e o sindicalismo.

Resumindo: em 1986, no meio das tensões da Guerra Fria, tinha tudo para acabar mal.

O caso está fechado

A investigação do assassinato de Olaf Palme foi a mais longa e mais cara jamais realizada na Suécia. Dois anos depois, Christer Pettersson, um pequeno criminoso e toxicodependente, foi condenado pelo homicídio de Palme, mas a sua condenação foi anulada. Outro suspeito, Victor Gunnarsson, emigrou para os Estados Unidos, onde foi vítima de um assassinato em 1993. Um terceiro suspeito conhecido como Skandia Man cometeu suicídio em 2000.

Em 18 de Março de 2020, os investigadores suecos reuniram-se em Pretória com membros das agências de intelligence sul-africanas para discutir o caso. Os sul-africanos entregaram a pasta das investigações aos seus colegas suecos.

Há dois dias a conferencia de imprensa para anunciar o fecho da investigação: Stig Engström, o homem conhecido por Skandia Man, é o principal suspeito. Engström era uma das cerca de vinte pessoas que afirmaram ter testemunhado o assassinato de Palme e foi posteriormente identificado como potencial suspeito pelos escritores suecos Lars Larsson e Thomas Pettersson.

Então, assassino encontrado? Talvez sim, talvez não. Aqui está: de facto, há uma grande probabilidade de Olaf Palme ter sido morto por Stig Engström, mas os investigadores não têm de dizer se um suspeito for culpado, cabe a um tribunal fazê-lo. E como Stig Engström morreu em 2000 (suicidou-se aos 66 anos de idade), já não podemos julgá-lo. Portanto, o caso está definitivamente encerrado.

  • A arma do crime foi encontrada? Não, só foram encontradas as 2 balas disparadas de uma pistola Magnum 357.
  • Os investigadores têm alguma ideia de quais são os motivos do alegado assassino? Não, absolutamente nenhuma.
  • O assassino teria agido sozinho ou como membro de uma conspiração? Os investigadores não fazem ideia.
  • E quanto à pista sul-africana? “Interessante, mas apoiada por nada.”
  • O encontro entre representantes dos governos sul-africano e sueco? Nem os investigadores nem os jornalistas que os entrevistaram o mencionaram.

Assim, após 34 anos, a maior investigação criminal da história da Suécia, deu em nada.

O caso não está fechado

Na verdade, o caso Olaf Palme não está fechado, de maneira nenhuma. Tal como outros assassinatos controversos e nunca totalmente esclarecidos (por exemplo, o de J.F. Kennedy), foram apresentadas as mais diversas hipóteses quanto à responsabilidade material pelo assassinato e ao motivo. E suspeitos não faltam: desde o extremismo político neofascista ao governo sul-africano (Palme lutava contra o regime do apartheid), depois os Estados Unidos, o terrorismo, as razões político-económicas, o papel de enviado de paz das Nações Unidas.

Stay Behind

E não podia faltar uma hipótese luso-italiana, como escritor pelo autor português Luís Miguel Rocha: envolvimento da P2 (a estrutura maçónica utilizada pelos serviços secretos desviantes de várias origens) tal como nos homicídios do Primeiro Ministro italiano Aldo Moro e português Francisco Sá Carneiro. De facto, o texto de um telegrama enviado por Licio Gelli (chefe da P2) para Philip Guarino (homem próximo de George H. W. Bush) em 25 de Fevereiro de 1986 é bastante claro: “Diga ao nosso amigo que a palma sueca vai ser cortada”.

De acordo com uma variante desta pista, os mandantes seriam as ditaduras sul-americanas, talvez a de Pinochet, para punir Palme pelo apoio dado aos exilados perseguidos. Os serviços secretos de Santiago, envolvidos noutros assassinatos (Eduardo Frei Montalva, Carlos Prats, Orlando Letelier, talvez Pablo Neruda), teriam usado Roberto Thieme Schiersand, neofascista chileno à frente do grupo paramilitar Patria y Libertad, financiado pela CIA, como homicida.

O mesmo assunto foi tratado num especial da televisão italiana em Julho de 1990, no qual se punha a hipótese dum envolvimento da CIA e do P2, ou dum dos grupos suecos da operação Stay Behind, a Informationsbyrån ou a Sveaborg, unidades compostas por forças militares e paramilitares anticomunistas e ligadas à Operação Gladio).

Outras pistas envolveram os serviços secretos dos Países comunistas, como o KGB, ressentidos com as críticas que Palme fez não só às potências ocidentais mas também ao mundo atrás “Cortina de Ferro”, oferecendo também uma válida alternativa polícito-económica (o modelo sueco) ao comunismo marxista-leninista.

Entre as alegadas confissões: os serviços secretos jugoslavos, os independentistas croatas, os curdos do PKK, o Mossad.

Os industriais

O escritor e criminologista Leif G. W. Persson, colocou a hipótese da responsabilidade pelo assassinato poder ser atribuída a elementos neonazis dos serviços secretos suecos, que consideravam Palme um espião soviético, ou alguém ao serviço de alguns industriais hostis às políticas social-democratas do então Primeiro Ministro. Em 2012, Eva Rausing, esposa de Hans Christian Rausing (herdeiro do gigante económico Tetra Pak) afirmou ter tomado conhecimento do nome do assassino e do local onde a arma tinha sido escondida, mas Eva morreu pouco depois de uma overdose de droga em Londres, na sua casa, no distrito de Belgravia. Eva Rausing tinha transmitido informações também aos procuradores suecos sobre o assassinato não resolvido e Scotland Yard tinha confirmado que no dia antes da morte, a Rausing tinha fornecido informações às autoridades suecas que pretendiam interrogar o marido Hans Kristian Rausing.

O Sul África

O Código Penal sueco prevê um limite de 25 anos para a investigação de um homicídio, ou seja, até 2011, ano após o qual o caso foi de facto encerrado. A arma do crime nunca foi encontrada.

Contudo, o caso foi reaberto em 2014, na sequência de uma alteração da lei e da leitura de algumas notas que o escritor sueco Stieg Larsson, antes de morrer de (alegadamente) causas naturais em 2004, tinha entregue à polícia. As mortes de Eva Rausing e Stieg Larsson são consideradas tão misteriosas e suspeitas quanto a morte do primeiro investigado, Christer Petterson.

Larsson suspeitava do envolvimento directo de um antigo oficial sueco com simpatias neofascistas e ligado aos serviços secretos sul-africanos durante o período do apartheid, Bertil Wedin (autor duma falsa pista que acusava os curdos), já condenado em Inglaterra por espionagem e outros crimes, incluindo o envolvimento em dois atentados bombistas contra os escritórios do Congresso Nacional Africano em Londres e Estocolmo, bem como suspeitos de conspiração para tentar matar Oliver Tambo, um dos líderes do movimento anti-apartheid.

Neste caso, a teoria é que o homicídio de Olaf Palme foi efectuado por ordem do regime sul-africano então liderado por Pieter Botha, isso para punir Palme do apoio dado a Nelson Mandela.

Seja como for, a investigação foi agora encerrada. Oficialmente o maior suspeito continua a ser identificação em Stig Engstrom, mas nunca haverá um processo, portanto nunca haverá um culpado e nunca será dada resposta às duas principais perguntas: quem matou Olaf Palme? E por qual razão?

 

Ipse dixit.

2 Replies to “Olaf Palme: caso encerrado?”

  1. Esperava que escrevesse um artigo sobre Olof Palme e aqui está, obrigado Max.

    A conclusão das autoridades Suecos é pouco transparente e assente em teorias da conspiração.

    De acordo com os documentos oficiais e a literatura disponível sobre o tema, o assassinato do antigo Primeiro-Ministro da Suécia, Olof Palme, teve o envolvimento do regime da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte (EUA).

    Olof Palme tornou-se um alvo a abater a partir do momento em que se opôs à guerra do Vietname e ao imperialismo dominado pelo regime da Inglês através dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), condenando veemente a ingerência nos assuntos internos de outros países e defendendo uma política de paz e diálogo entre os povos e nações do Mundo.

    Outro factor importante que levou ao assassinato do Primeiro-Ministro Olof Palme na Década de 1980 do Século XX, foi a questão dos submarinos Ingleses e Norte-Americanos que entraram no mar sueco disfarçados de submarinos Soviéticos.

    Olof Palme sabia dessa encenação, mas não teve qualquer hipótese e para evitar criar um conflito adoptou contra a sua vontade uma posição anti-Soviética.

    Infelizmente e para ocultar a verdadeira causa do assassinato do Primeiro-Ministro da Suécia Olof Palme, desenvolveu-se desde a sua morte uma campanha de desinformação e teorias da conspiração para tentar fazer cair no esquecimento todo este crime.

    Para complemento, deixo aqui este documentário:

    – Deception – Submarines against Olof Palme

  2. Outro exemplo que se perdeu na história, que serviu (como outros) para mostrar para políticos de todos países de que o mais fácil é compactuar com os mandatários do sistema mundo de poder e dominância. A política partidária, do pouco que carregava de legitimidade histórica (pois sempre não passou de impasses entre elites), tornou-se um monobloco mostrado, obviamente para dar ares de democracia, como partidos que entre si, nada mais representam do que um símbolo de pluralismo político.

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