Pedofilia e Poder: das origens aos nossos dias – Parte II

Segunda parte do artigo dedicado ao tema da pedofilia e do seu relacionamento com o poder. Trata-se duns artigos de não fácil leitura, repleto de nomes que em muitos casos são desconhecidos ao grande público. Doutro lado, falamos aqui dum ambiente não propriamente underground mas que actua através de actividades ilícitas, desenvolvidas longe dos holofotes.

E não poderia ser de forma diferente: fala-se aqui de algo que actua nos bastidores, num emaranhado de conhecimentos, corrupção, chantagem e perversões que regula os relacionamentos entre os “representantes dos cidadãos” e o sub-mundo onde prospera o lado mais obscuro do poder. Boa leitura.  

 

Governo por chantagem: Jeffrey Epstein, o mentor de Trump e os segredos sombrios da era Reagan

Nesta segunda parte do artigo acerca de Jeffrey Epstein, vamos aprofundar os estreitos laços de Cohn (um dos protagonistas da primeira parte) com o governo Reagan, que também estava intimamente ligado à mesma rede de crime organizado liderada pela infame figura de Meyer Lansky (também já encontrado no anterior capítulo).

De particular importância é a rede “Irao-Contra”, um grupo de funcionários e associados de Reagan que desempenharam papéis importantes no homónimo escândalo. Embora o facto tenha permanecido relativamente ocultado durante anos, muitas figuras-chave dessa mesma rede e várias vertentes da CIA envolvidas no canal de dinheiro para os paramilitares da América Central também traficavam menores por exploração sexual e uso em círculos de chantagem sexual .

Vários desses anéis círculos manchetes numa altura ou outra ao longo dos anos, desde o call boy ring dirigido pelo lobista de Washington Craig Spence, até o círculo de sexo infantil (com assassinato) de Franklin, dirigido pelo agente republicano Larry King, até o escândalo que envolveu a instituição de caridade católica Covenant House no final dos anos ‘80.

No entanto, como este relatório mostrará, todos esses círculos estavam conectados à mesma rede que envolvia figuras-chave ligadas à Casa Branca, Ronald Reagan e a Roy Cohn, revelando o verdadeiro escopo das sórdidas operações de chantagem sexual. Círculos que envolviam o tráfico de crianças nos EUA e até na América Central, para serem exploradas por pedófilos perigosos e poderosos dos Estados Unidos.

 

“Roy poderia consertar qualquer um na cidade”

Desde que Donald Trump entrou no cenário político em 2015, o legado do seu mentor Roy Cohn e a influência deste sobre o seu protegido mais famoso começaram a atrair a atenção dos media. Muitos dos retratos de Cohn após a ascensão de Trump concentraram-se apenas em certos aspectos sombrios da sua história, em particular acerca da sua associação com grandes figuras do crime organizado de New York, os seus negócios corruptos e o seu eventual afastamento. Alguns desses retratos chegaram ao ponto de rotular Cohn como politicamente impotente. Embora Cohn soubesse lidar com uma quantidade considerável de desprezo na sua carreira, tais representações do homem não realçaram como o homem tinha criado uma máquina de influência de poder incomparável que incluía algumas das pessoas mais importantes dos media e da política, além de uma conjunto de celebridades.

De facto, Cohn estava intimamente associado a inúmeras celebridades, políticos famosos e agentes políticos. Muitas das suas festas de aniversário ao longo dos anos atraíram figuras famosas como o artista Andy Warhol, o estilista Calvin Klein e o comediante Joey Adams, além de figuras políticas notáveis, incluindo o ex-presidente da Câmara de New York Abraham Beame e o então deputado de Brooklyn e o futuro Senador Chuck Schumer, entre outros. Em 1979, Margaret Trudeau, mãe do actual Primeiro-Ministro do Canadá, Justin Trudeau, participou na festa de aniversário de Cohn; e, é claro, Donald Trump, que se tornou um protegido de Cohn em meados da década de 1970, foi um frequentador dos eventos sociais realizados em homenagem a Cohn.

Dizia-se que políticos, jornalistas e celebridades convidados para as festas exclusivas de Cohn eram aqueles que “tinham contas abertas no “banco dos favores” de Cohn”, este era o nome do balanço não oficial de favores e dívidas políticas que utilizou no extenso envolvimento em operações de chantagem sexual dos anos ‘50 até os anos ‘80.

Muitas das amizades de Cohn com celebridades foram cultivadas através do seu relacionamento e frequentes aparições no famoso local New York Studio 54, que foi descrito por Vanity Fair como “o epicentro vertiginoso do hedonismo dos anos ‘70, uma estufa de pessoas bonitas, cocaína sem fim e todo o tipo de sexo”. Cohn era o advogado de longa data dos proprietários do clube, Steve Rubell e Ian Schrager.

O co-fundador do Studio54 Steve Rubell e Roy Cohn, Novembro de 1979. Foto AP

Entre os amigos mais próximos de Cohn, estava Barbara Walters, a quem Cohn costumava referir-se como a sua “noiva” em público, e a quem mais tarde apresentou o chefe da Agência de Informação dos EUA, Chad Wick e outros actores da Casa Branca de Ronald Reagan. No entanto, Walters era apenas uma das amizades poderosas de Cohn nos media, um grupo que também incluía Abe Rosenthal, editor executivo do New York Times; William Safire, colunista de longa data do New York Times e colaborador da New York Magazine; e George Sokolsky, do The New York Herald Tribune, NBC e ABC. Sokolsky era um amigo particularmente próximo de Cohn e do ex-director do FBI J. Edgar Hoover, cujo envolvimento na operação de chantagem sexual de Cohn é descrito na Parte I deste artigo. Sokolsky dirigiu com Cohn, durante vários anos, a Liga Judaica Americana Contra o Comunismo e a organização mais tarde nomeou a sua Medalha de Honra em homenagem a Sokolsky.

Cohn também foi advogado e amigo do magnata dos media Rupert Murdoch e, de acordo com o New York Magazine, “sempre que Roy queria que uma história parasse, que fosse colocada ou explorada, Roy chamava Murdoch;” e, depois de Murdoch ter comprado o New York Post, Cohn “empunhava o jornal como a sua faca pessoal”. Segundo o falecido jornalista Robert Parry, a amizade entre Murdoch e Cohn começou graças ao apoio mútuo a Israel.

Cohn também apoiou-se no seu amigo de longa data desde o college, Si Newhouse Jr., para exercer influência nos media. A Newhouse supervisionou o império dos media que agora inclui Vanity Fair, Vogue, GQ, The New Yorker e vários jornais locais nos Estados Unidos, além de grandes interesses na televisão via cabo. O New York Magazine também observou que “Cohn usou a sua influência no início dos anos ‘80 para garantir favores para ele e para os seus clientes da Mob nas publicações de Newhouse.” Além de Newhouse, os outros colegas do ensino médio de Cohn, Generoso Pope Jr. e Richard Berlin, mais tarde tornaram-se proprietários do National Enquirer e da Hearst Corporation, respectivamente. Cohn também era amigo íntimo de outro magnata dos media, Mort Zuckerman, que – junto com Rupert Murdoch – era amigo de Jeffrey Epstein.

As amizades nos media de Cohn, como o jornalista William Buckley, do National Review and Firing Line, frequentemente atacavam os inimigos políticos de Cohn – em particular o procurador do distrito de Manhattan, Robert Morgenthau – nas suas colunas, usando Cohn como fonte anónima. Buckley, que o historiador George Nash uma vez chamou de “a voz proeminente do conservadorismo americano e a sua primeira grande figura ecuménica”, recebeu a medalha George Sokolsky ao lado do mafioso “comandante supremo”, e amigo de Cohn, Lewis Rosenstiel da Liga Judaica Americana contra Comunismo em 1966. Buckley mais tarde recebeu um empréstimo (com desconto) de 65.000 Dólares para comprar um barco de luxo num banco onde Cohn exercia influência e cujo presidente Cohn havia escolhido a dedo, segundo um artigo de 1969 na revista LIFE.

Buckley, juntamente com Barbara Walters, Alan Dershowitz e Donald Trump, serviria mais tarde como testemunha em favor de Cohn durante as audiências do processo de 1986; e todos, excepto Buckley, mais tarde polemizaram acerca dos seus relacionamentos com Jeffrey Epstein.

Com conexões como essa, não é de admirar que Stanley Friedman, um parceiro de Direito de Cohn, que mais tarde foi preso por um escândalo de suborno enquanto servia como vice-presidente de New York – disse à jornalista Marie Brenner em 1980 que “Roy poderia consertar qualquer um na cidade.”

 

Politicamente omnipresente e polígamo

O “banco de favores” de Roy Cohn e a sua posição única como elo entre o submundo do crime, os ricos e famosos e os principais influenciadores dos media fizeram dele uma força reconhecida. No entanto, foram as suas conexões políticas com figuras de liderança nos partidos republicano e democrata e a sua estreita relação com o antigo director do FBI, J. Edgar Hoover (entre outras figuras), que tornaram ele e o seu segredo sombrio “intocáveis” durante grande parte da sua vida. Embora grande parte da sua influência política tenha sido forjada na década de 1950, Cohn tornou-se ainda mais poderoso com a ascensão de Ronald Reagan.

Embora tenha mantido nominalmente a sua afiliação ao Partido Democrata por toda a vida, Cohn era um conhecido “consertador” de candidatos republicanos e isso é claramente visto nos seus papéis exagerados durante as campanhas presidenciais de Ronald Reagan em 1976 e 1980. Foi durante esta última que Cohn conheceu outro dos seus protegidos, Roger Stone, que instruiu para que deixasse um pesado suborno numa mala à porta da sede do Partido Liberal durante a campanha de 1980. Durante esta campanha, Cohn também conheceu Paul Manafort, um associado de Stone e mais tarde gerente de campanha de Trump em 2016. Cohn apresentaria ambos a Donald Trump.

O colega de Direito de Cohn, Tom Bolan, também foi uma força influente na campanha de Reagan e mais tarde presidiu a equipe de transição de Reagan em 1980. Reagan nomeou Bolan, que considerava um amigo, director da Overseas Private Investment Corporation, a instituição de financiamento do desenvolvimento e também co-presidente das finanças de New York na campanha de Reagan em 1980 e 1984. Bolan também estava próximo de outros membros do círculo de Cohn, como William F. Buckley Jr., Donald Trump e Rupert Murdoch.

Além disso, Bolan foi fundamental para garantir julgamentos federais favoráveis para várias pessoas que mais tarde se tornariam influentes, incluindo o futuro director do FBI, Louis Freeh. Cohn também conseguiu que pessoas próximas dos seus clientes fosse indicadas como juízes federais, incluindo a irmã de Donald Trump, Maryanne Trump Barry. Depois da Barry ter sido nomeada juiz federal, Trump telefonou a Cohn para agradecer o facto de ter puxado os cordéis para a nomeação da irmã.

Embora Cohn não tenha recebido uma posição pública no governo Reagan, ele não era apenas um “sujo intrigante” que trabalhava nas sombras durante as campanhas eleitorais. De fato, Cohn trabalhou em estreita colaboração com alguns dos rostos mais visíveis da campanha, incluindo o então director de comunicações da campanha de Reagan em 1980 e, posteriormente, director da CIA, William Casey. De acordo com Christine Seymour – a telefonista de longa data de Cohn desde o final dos anos 60 até a sua morte em 1986, e que ouvia as suas ligações – Casey e Cohn eram amigos íntimos e, durante a campanha de 1980, Casey “ligava para Roy quase diariamente”.

Seymour também observou que uma das outras pessoas mais íntimas de Cohn era Nancy Reagan: e ela também era uma das suas clientes. Nancy Reagan, cuja influência sobre o marido era bem conhecida, estava tão próxima de Cohn que foi em grande parte por causa da sua morte pela Sida que a levou a “encorajar o marido a procurar mais financiamento para a pesquisa sobre o Aids”.

Antes da morte de Cohn, Nancy e o seu marido Ronald garantiram um lugar ao amigo num programa experimental exclusivo de tratamento contra a Sidas, apesar da bem documentada “não resposta” do governo Reagan perante a crise da doença da época. Ronald Reagan também era amigo de Cohn e, segundo o falecido jornalista Robert Parry, “esbanjou favores em Cohn, incluindo convites para eventos da Casa Branca, notas de agradecimento pessoais e votos de aniversário amigáveis” ao longo da sua presidência.

Dado que Reagan cortejou fortemente a Direita evangélica e promoveu os “valores familiares” enquanto Presidente, os estreitos laços estreitos dele e do seu círculo íntimo com Cohn podem parecer estranhos. No entanto, Reagan, como Cohn, tinha profundas ligações com as mesmas facções do crime organizado que estavam entre os clientes de Cohn e afiliados das mesmas figuras da máfia perto do mentor de Cohn, Lewis Rosenstiel.

Não muito diferentemente de Cohn, o próprio mentor de Reagan, Lew Wasserman, tinha estreitos laços com o crime. Wasserman, presidente de longa data da MCA e o famoso magnata de Hollywood, é conhecido não apenas pela carreira cinematográfica e televisiva de Reagan, mas também por apoiar o seu esforço bem-sucedido para tornar-se Presidente da Screen Actors Guild, que mais tarde lançou a carreira política de Reagan. Além disso, a MCA foi um dos principais financiadores da bem-sucedida candidatura governamental de Reagan em 1966 e, pouco depois de Reagan tornar-se Presidente, o governo encerrou de forma controversa uma enorme investigação do Departamento de Justiça (DoJ) sobre as ligações da MCA com o crime organizado.

Ronald Reagan com A.C. Lyles (esq.) e Lew Wasserman (dir.). Foto: A.C. Lyles

De acordo com Shawn Swords, um documentarista que estudou os laços de Reagan com a MCA no livro Wages of Spin II: Bring Down That Wall:

Ronald Reagan era um oportunista. Toda a sua carreira foi guiada pela MCA – por Wasserman e Jules Stein [fundador da MCA, ndt], que se gabava de que Reagan era maleável, que eles poderiam fazer o que quisessem com ele… Aquela coisa de Reagan ser um duro com o crime [organizado] – isso é uma falácia.

A caracterização desse relacionamento feito por Swords é apoiada por uma fonte não identificada de Hollywood citada num documento do DoJ desclassificado, que definiu Reagan como “um escravo completo da MCA que faria favores acerca de tudo”.

Quais elementos do crime organizado estavam ligados a Wasserman? Enquanto ainda jovem, Lew Wasserman ingressou na Mayfield Road Gang, dirigida por Moe Dalitz, um amigo íntimo de Meyer Lansky que, segundo o FBI, era uma figura poderosa na empresa criminosa do mesmo Lansky, perdendo apenas para o próprio Lansky entre os membros do crime hebraico.

Lew Wasserman ficou casado mais tarde com Edith Beckerman, cujo pai era advogado de Dalitz. O amigo e advogado mais próximo de Wasserman, Sidney Korshak, também tinha estritos laços com Dalitz e fez parceria com Lansky no empreendimento do Hotel Acapulco Towers. Notavelmente, a revista New West declarou em 1976 que Korshak era o “lógico sucessor de Meyer Lansky”. Korshak, enquanto advogado, encaixava-se num nicho semelhante ao de Roy Cohn e ganhou reputação como ponte entre o crime organizado e a sociedade respeitável.

Além disso, a investigação do DoJ acerca da MCA, que o governo Reagan anulou, teria sido estimulada depois que o Departamento de Justiça soube que um membro influente da família criminosa de Gambino, Salvatore Pisello, estava a negociar com a empresa de entretenimento. Naquela época, o chefe da família criminosa de Gambino, Paul Castellano, era um cliente de Roy Cohn.

 

Cohn, Murdoch e os Contras

Embora a influência de Cohn na Administração Reagan e a sua amizade com a família Reagan e o seu círculo interno tenham sido reconhecidas, menos conhecida é a forma como Cohn ajudou os esforços secretos da propaganda da CIA, algo que fazia parte do escândalo conhecido como Irão-Contra.

Cohn, cuja influência sobre a imprensa já foi detalhada, estabeleceu ligações com o director da Agência de Informação dos EUA, Chad Wick, até mesmo realizando um almoço em homenagem a Wick, com a participação de figuras influentes da imprensa conservadora, além de senadores e deputados. Logo depois, o então director da CIA e amigo de Cohn, William Casey, liderou uma extensa campanha de relações públicas, destinada a apoiar as políticas latino-americanas de Reagan, incluindo o apoio dos paramilitares do Contra.

Esse esforço de propaganda doméstica era tecnicamente ilegal e exigia que a CIA terceirizasse o trabalho para o sector privado para minimizar o risco dum fracasso. Como Robert Parry relatou em 2015, Wick assumiu a liderança para a obtenção de financiamento privado e, poucos dias depois de Wick ter prometido encontrar apoio privado, Cohn levou o seu amigo íntimo, o magnata dos media Rupert Murdoch, à Casa Branca.

Reagan com Rupert Murdoch, o director da U.S. Information Agency Charles Wick e Roy Cohn na Sala Oval em 1983. Foto: Reagan presidential library

Parry observou mais tarde que, após esta reunião, “documentos divulgados durante o escândalo Irão-Contra em 1987 e mais tarde da Biblioteca Reagan indicam que Murdoch logo foi visto como uma fonte de financiamento privado” para a campanha de propaganda.

Após essa reunião inicial, Murdoch tornou-se o principal aliado dos media nesse esforço de propaganda dirigido por Casey e também tornou-se cada vez mais próximo da Casa Branca. Murdoch, como consequência, beneficiou-se muito das políticas de Reagan e da sua amizade com o governo, o que permitiu que Murdoch aumentasse as suas participações nos media nos EUA e criasse a Fox Broadcasting Corporation em 1987.

 

O homem de smoking preto

Roy Cohn não era o único indivíduo próximo do governo Reagan que estava a executar operações de chantagem sexual nas quais era abusadas e exploradas crianças. De facto, havia várias figuras, todas que compartilhavam conexões directas com o director da CIA William Casey e outros amigos íntimos e confidentes de Cohn.

Um desses indivíduos foi Robert Keith Gray, ex-presidente e CEO da poderosa empresa de relações públicas Hill e Knowlton, sediada em Washington, que 60 Minutes uma vez chamou de “um governo sombra não eleito” devido à sua influência na capital. De acordo com o Washington Post, o próprio Gray era “um dos lobistas mais procurados em Washington” e um repórter do Post chamou -o de “uma espécie de lenda nesta cidade, … o homem de smoking preto com cabelos brancos como a neve e um sorriso como um diamante”.

No entanto, Gray era muito mais do que um poderoso executivo de relações públicas. Gray, que tinha sido anteriormente um conselheiro próximo de Dwight D. Eisenhower e de Richard Nixon, era um arrecadador de fundos republicano de sucesso, alguém que recolhia “dinheiro de seis dígitos”, segundo um relatório de 1974 no Washingtonian. Gray antes entrou em contacto com aquele que se tornaria o círculo interno de Ronald Reagan durante a campanha presidencial mal-sucedida de 1976 e mais tarde tornou-se vice-director de comunicações durante a campanha de 1980. Esta última posição o fez trabalhar directamente com William Casey, mais tarde director da CIA .

Gray passou a co-presidir o Comité de Inauguração de Reagan e depois regressou aos negócios de relações públicas, conquistando vários clientes, incluindo o traficante de armas saudita Adnan Khashoggi e o gerente de fundos hedge Marc Rich. Tanto Khashoggi quanto Rich serão discutidos em mais detalhes na Parte III deste artigo, particularmente Rich que era um activo do serviço israelita Mossad, e cujo perdão criminal posterior por parte de Bill Clinton foi amplamente orquestrado por membros da Finança como Michael Steinhardt e políticos israelitas como Ehud Barak.

A conexão entre Gray e Casey é particularmente reveladora, pois mais tarde foi descoberto pelo ex-senador e investigador do Estado de Nebraska John DeCamp que Gray era especialista em operações de chantagem homossexual para a CIA e teria colaborado com Roy Cohn nessas actividades. Cohn e Gray provavelmente conheciam-se bem, pois durante a campanha presidencial de Reagan em 1980, Casey – então chefe de Gray – ligava Roy Cohn “todos os dias”, de acordo com Christine Seymour, a ex-telefonista de Cohn.

Gray era um associado do agente da CIA e oficial de inteligência naval Edwin Wilson, tendo actuado na década de 1970 no conselho da Consultants International, uma organização que Wilson havia fundado e que a CIA usava como empresa de fachada. Embora Gray tenha tentado distanciar-se de Wilson depois deste ter sido apanhado na venda ilegal das armas à Líbia em 1983, um relato da Marinha sobre a carreira de Wilson, desenterrada pelo jornalista Peter Maas, afirma que Gray descreveu Wilson como um homem de “confiança” e que Gray e Wilson mantinham contacto profissional “duas ou três vezes por mês” desde 1963.

Embora a principal especialidade de Wilson fossem as empresas de fachada usadas para transportar e contrabandear secretamente mercadorias em nome da inteligência dos EUA, também executou operações de chantagem sexual para a CIA, principalmente na época do escândalo do Watergate, segundo o seu ex-sócio e agente da CIA Frank Terpil.

Terpil disse posteriormente ao autor e jornalista investigativo Jim Hougan:

Historicamente, um dos trabalhos da Agência executado por Wilson era subverter membros de ambas as casas [do Congresso] com todos os meios necessários… Certas pessoas podem ser facilmente coagidas quando vivem as suas fantasias sexuais em carne e osso. Uma lembrança dessas ocasiões [fica] gravada permanentemente através de câmaras…. Os técnicos encarregados de filmar… [eram] da TSD [Divisão de Serviços Técnicos da CIA]. As involuntárias estrelas porno avançaram nas suas carreiras políticas, algumas ainda podem estar no cargo.

Segundo Terpil, Wilson administrava as suas operações no George Town Club, de propriedade do lobista e activo da inteligência coreana Tongsun Park. De acordo com o Washington Post, Park criou o clube por conta da Agência Central de Inteligência coreana “como principal meio de um esforço ilegal para influenciar políticos e autoridades dos EUA”. O presidente do George Town Club na época das supostas actividades de Wilson no local era Robert Keith Gray.

Mais tarde, DeCamp relatou que as actividades de Wilson eram um desdobramento da mesma operação de chantagem sexual em que Cohn envolveu-se durante a era McCarthy, com Lewis Rosenstiel e J. Edgar Hoover.

 

Padre Ritter e os seus jovens favoritos

A operação supostamente executada por Gray e Wilson não foi a única de chantagem sexual conectada à rede de Cohn ou aos influentes políticos americanos da época. Outra rede de pedófilos foi aquela conectada a um elemento próximo do ex-presidente George H.W. Bush no início dos anos 90, administrada como afiliada da instituição de caridade católica Covenant House, fundada e dirigida pelo padre Bruce Ritter.

Em 1968, Ritter pediu ao seu superior (o cardeal Francis Spellman, da Arquidiocese de New York) a permissão para levar adolescentes sem abrigo para a sua casa em Manhattan. Como foi observado na Parte I desta série, Spellman foi acusado de pedofilia e ordenou conhecidos pedófilos enquanto servia como sacerdote católico de mais alto nível nos Estados Unidos. Spellman também era um associado próximo, cliente e amigo de Roy Cohn, bem como do seu sócio Tom Bolan; e Spellman teria sido visto em pelo menos uma das “festas de chantagem” de Cohn. Além disso, o sobrinho de Spellman, Ned Spellman , trabalhou para Roy Cohn, segundo a revista LIFE.

Ritter, como Spellman e outros padres que serviram sob Spellman, acabou sendo acusado de ter relações sexuais com muitos dos meninos menores de idade que tinha acolhido e de gastar fundos da Covenant House em presentes luxuosos e pagamentos aos adolescentes que explorava.

Uma das vítimas de Ritter, Darryl Bassile, escreveu uma carta aberta um ano depois que a actividade ilícita do padre foi exposta pela imprensa:

Você errou ao infligir os seus desejos a uma criança de 14 anos… Sei que um dia você estará diante de quem julga todos nós e, nesse momento, não haverá mais negação, apenas a verdade.

Notavelmente, quando as actividades de Ritter na Covenant House foram expostas em 1989 pelo New York Post, Charles M. Sennott, o repórter do Post que escreveu a história, mais tarde afirmou que “os poderes seculares mais do que a arquidiocese ou os franciscanos o [Ritter] protegeram”. O relatório de Sennott foi atacado violentamente pelosa colunistas de outros meios de comunicação de New York, por políticos poderosos, incluindo o então governador de New York Mario Cuomo, bem como pelo sucessor do cardeal Spellman, o cardeal John O’Connor (desde sempre próximo da comunidade judaica).

A provável razão pela qual esses “poderes seculares” ajudaram Ritter, que nunca foi acusado de ter relações sexuais com menores e que foi apenas forçado a renunciar ao cargo, é que Covenant House e o próprio Ritter estavam profundamente ligados a Robert Macauley, colega de quarto de Bush Sr. em Yale e amigo de longa data da família Bush. Macauley foi descrito pelo New York Times como “instrumental” para a angariação de fundos por parte da Covenant House depois dele ter ingressado na administração da instituição em 1985, o que trouxe várias “outras pessoas ricas ou bem relacionadas”, incluindo o ex-funcionários do governo e banqueiros de investimento.

George e Barbara Bush encontram os residentes da Convent House de New York, Janeiro de 1989. Padre Bruce Ritter esta´sentado atrás Foto: Rick Bowmen | AP

A organização de Macauley, a AmeriCares Foundation, que mais tarde foi acusada de canalizar dinheiro para os Contras na América Central, foi uma das principais fontes de financiamento da Covenant House. Um dos membros do conselho consultivo da AmeriCares foi William E. Simon, ex-secretário do Tesouro dos EUA sob as administrações de Nixon e Ford, que também dirigia o Fundo da Liberdade da Nicarágua, que enviou ajuda aos Contras.

Também sabe-se que a AmeriCares trabalhava directamente com os serviços secretos dos EUA. Como observou o Hartford Courant em 1991: “Ex-funcionários federais, muitos com formação em espionagem, ajudam a AmeriCares a manobrar em ambientes políticos internacionais delicados”.

Além disso, sabe-se que Ritter tinha visitado a propriedade de Macauley no Connecticut e actuou como vice-presidente da AmeriCares até ser forçado a renunciar. Notavelmente, o irmão de Bush, Prescott, também estava no conselho consultivo da AmeriCares. Depois de George H.W. Bush morrer, a AmeriCares afirmou que ele tinha sido “fundamental na fundação da organização de assistência e desenvolvimento focada na saúde”.

Anos antes de Ritter ser apontado como um pedófilo que atacava os adolescentes desfavorecidos e vulneráveis ​​que procuravam refúgio na sua instituição de caridade, Covenant House foi muito elogiada pelo presidente Ronald Reagan, chegando a ser mencionada num seu discurso em 1984, no qual definiu Ritter como um dos “heróis desconhecidos” do País. De 1985 a 1989, o orçamento operacional da Covenant House passou de 27 milhões de Dólares para 90 milhões de Dólares e seu conselho passou a incluir indivíduos poderosos, incluindo altos executivos da IBM, Chase Manhattan Bank e Bear Stearns.

Foi durante esse período que a Covenant House tornou-se uma organização internacional, abrindo filiais em vários Países, incluindo Canadá, México e outros Estados da América Central. A primeira filial na América Central foi aberta na Guatemala e era liderada por Roberto Alejos Arzu, um activo da CIA cuja plantação era usada para treinar as tropas usadas na invasão fracassada de Cuba, a operação da CIA na Baía dos Porcos. Alejos Arzu também foi associado ao ex-ditador da Nicarágua apoiado pelos EUA, Anastasio Somoza, e membro dos Cavaleiros de Malta, uma ordem católica à qual o ex-diretor da CIA William Casey e o sócio de Roy Cohn, Tom Bolan, também pertenciam. Alejos Arzu também trabalhou na AmeriCares e estava conectado a vários grupos paramilitares da América Central.

Fontes da comunidade dos serviçso secretos citadas por DeCamp afirmam que o ramo da Covenant House, liderado por Alejos Arzu, adquiriu crianças para um círculo pedófilo sediado nos Estados Unidos. Anos mais tarde, Mi Casa, outra instituição de caridade administrada pelos EUA na Guatemala, que George H.W. Bush visitou pessoalmente com a sua esposa Barbara em 1994, foi acusada de pedofilia e abuso infantil.

 

A queda de Jay Gatsby, de Washington

Depois de deixar o emprego como correspondente da ABC News na década de 1980, Craig Spence encontrou sucesso como um importante lobista conservador em Washington. Spence logo descobriria que a sua fortuna mudaria drasticamente quando, em Junho de 1989, foi revelado que estava a perseguir crianças por conta dos poderes da capital na década de 1980, em apartamentos repletos de equipamentos de gravação vídeo e áudio. Assim como Jeffrey Epstein, que dirigia uma operação semelhante, Spence era frequentemente comparado a Jay Gatsby, a rica e misteriosa do conhecido romance de Fitzgerald, O Grande Gatsby.

Um artigo do New York Times de 1982, escrito sobre Spence, disse que as suas “listas telefônicas pessoais e listas de convidados do partido constituem um Quem é Quem no Congresso, Governo e Jornalismo”: Spence era conhecido pelas suas festas luxuosas, que o Times descreveu como “reluzentes”, com embaixadores e estrelas da televisão, senadores e altos funcionários do Departamento de Estado”. Roy Cohn, William Casey e o amigo jornalista de Cohn, William Safire, foram apenas alguns dos participantes das festas de Spence.

“Segundo o Sr. Spence”, continua o artigo do Times, “Richard Nixon é um amigo. O mesmo acontece com John Mitchell, ex-procurador-geral de Nixon. [O jornalista da CBS] Eric Sevareid é chamado de ‘velho e querido amigo’. O senador John Glenn é ‘um bom amigo’ e Peter Ustinov [actor britânico] é ‘um velho e velho amigo’. ”Notavelmente, Ustinov escreveu na páginas do jornal The European logo depois de ter sido fundado em 1990 por Robert Maxwell, pai da alegada mulher de Epstein, Ghislaine Maxwell, conhecida agente do Mossad.

Depois do Times ter publicado a descrição de Spence, foi revelado que os importantes funcionários das administrações de Reagan e Bush, as estrelas dos media e os altos oficiais militares tinham sido incomodados: e no sucessivo e explosivo relatório publicado pelo Washington Times, Spence era descrito como vinculado a um “círculo de prostituição homossexual”, cujos clientes incluíam “funcionários do governo, oficiais militares dos EUA, empresários, advogados, banqueiros, assessores do Congresso, representantes dos media e outros profissionais”. Spence também ofereceu cocaína aos seus convidados, outro meio de chantagem.

De acordo com o relatório, a casa de Spence “estava com escutas e tinha um espelho secreto. […] Ele tentou convencer os visitantes a comprometentes encontros sexuais que ele podia usar como alavanca”. Um homem que falou ao Washington Times disse que Spence, de acordo com DeCamp, era conhecido por oferecer crianças para sexo aos participantes das suas festas de chantagem, além de drogas ilegais, como a citada cocaína.

Várias outras fontes, incluindo um oficial da Casa Branca de Reagan e um sargento da Força Aérea que compareceram em festas organizadas por Spence, confirmaram que a casa de Spence estava cheia de equipamento de gravação, usados para espioar e gravar os convidados, e também confirmaram o espelho secreto.

O relatório também documentou as conexões de Spence com os serviçso secretos dos EUA, particularmente a CIA. De acordo com o relatório do Washington Times, Spence “costumava gabar-se de estar a trabalhar por conta da CIA e em numa ocasião disse que desapareceria por um tempo ‘porque tinha uma missão importante da CIA'”. Ele também era um indivíduo bastante paranóico acerca do seu suposto trabalho por conta da agência, expressando preocupação “de que a CIA pudesse ‘dobrá-lo’ e matá-lo e depois fazer parecer um suicídio”. Pouco tempo depois da publicação do relatório do Washington Times sobre as suas actividades, Spence foi encontrado morto no Hotel Ritz Carlton de Boston e a sua morte foi rapidamente considerada um suicidio.

O relatório do Washington Times também oferece uma pista do que Spence pode ter feito pela CIA, pois cita fontes que falam de como Spence tivesse intenção de contrabandear cocaína para os EUA a partir de El Salvador, uma operação que ele alegava ter envolvimemnros dos militares dos EUA. Dado a altura em que foram feitos estes comentários de Spence, as suas poderosas conexões e o envolvimento da CIA na troca de cocaína por armas no escândalo do Iran Contra, isso pode ter sido muito mais do que apenas uma forma de gabar-se para impressionar os convidados duma festa.

Uma das partes mais críticas do escândalo em torno de Spence, no entanto, foi o facto dele poder entrar na Casa Branca à noite durante a Administração de George H.W. Bush, com jovens que o Washington Times descreveu como “call boys” (prostitutos).

Mais tarde, Spence afirmou que os seus contactos na Casa Branca, que permitiam a ele e aos seus “call boys” acessar, eram funcionários de alto nível e destacou especificamente o conselheiro da Segurança Nacional de George H.W. Bush, Donald Gregg. Gregg trabalhava na CIA desde 1951, antes de renunciar em 1982 para tornar Conselheiro de Segurança Nacional de Bush, que na época era vice-presidente. Antes de renunciar ao cargo na CIA, Gregg tinha trabalhado directamente com William Casey e, no final da década de 1970, ao lado de um jovem William Barr na defesa do Comitê Pike do Congresso e do Comitê Church do Senado, dois comitees que investigaramo as actividades da CIA a partir de 1975. Entre os assuntos que estes comitês foram incumbidos de investigar havia as “armadilhas do amor” da CIA, as operações de chantagem sexual usadas para atrair diplomatas estrangeiros para apartamentos completos com equipamento de gravação e espelhos secretos.

William Barr tornaria-se mais tarde Procurador-Geral de Bush, subindo para esse lugar mais uma vez com Donald Trump. Além disso, o pai de Barr trabalhou para o precursor da CIA, o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) e recrutou um jovem Jeffrey Epstein, na altura em que tinha abandonado o ensino médio, para ensinar na escolla elitária Dalton School, da qual Epstein foi demitido posteriormente. Notavelmente, no mesmo ano em que o pai de Barr contratava Epstein, seu filho estava a trabalhar por conta da CIA.

Donald Gregg também está conectado à “máquina de influência” de Roy Cohn através do casamento da sua filha com Christopher Buckley, filho do jornalista conservador William Buckley, confidente próximo e amigo de Roy Cohn e de Tom Bolan, parceiro de Direito de Cohn.

Os relatórios do Washington Times sobre o círculo sexual infantil de Spence também revelam os seus laços com o onipresente Roy Cohn. Uma das fontes do Times para a sua primeira história sobre o escândalo alegou que tinha participado numa festa de aniversário de Roy Cohn que Spence realizou na sua casa e que o director da CIA, William Casey, também estava presente. Dizia-se também que Spence gabava-se com frequência das suas importantes amizades e mencionava regularmente Cohn, alegando também ter hospedado Cohn na sua casa em outras ocasiões além da mencionada acima festa de aniversário.

 

Bodies of God

A revelação do “círculo dos call boys” de Craig Spence logo levou à descoberta do infame abuso sexual infantil de Franklin e ao escândalo do assassinato ritual. Essa operação foi executada em Omaha, Nebraska, por Larry King, um proeminente activista e lobista republicano local que dirigia a União de Crédito Federal da Comunidade Franklin, até esta ter sido fechada pelas autoridades federais.

Enterrada num artigo de Maio de 1989, a investigação do Omaha World Herald sobre a Credit Union e o círculo sexual de King é reveladora:

Desde que as autoridades federais fecharam as actividades em Franklin, os rumores persistiram de que o dinheiro da cooperativa de crédito de alguma forma encontrou o caminho para os contra-rebeldes nicaraguenses.

A possibilidade da Credit Union de King estar a financiar secretamente os Contras foi apoiada pelos relatórios subsequentes do jornalista Pete Brewton, do Houston Post, que descobriu que a CIA, em conjunto com o crime organizado, havia secretamente emprestado dinheiro de várias instituições de poupança e empréstimos para operações secretas. Um dessas operações tinha Neil Bush, o filho de George W.H. Bush, no conselho de administração e fez negócios com a organização de King.

Outro elo entre King e a equipe do Iran Contra é o facto de King ter co-fundado e subsequentemente doado mais de 25.000 Dólares a uma organização afiliada ao governo Reagan, Citizens for America, que patrocinou viagens de formação para o tenente-coronel Oliver North (sucessivamente condenado no ambito do processo Irão-Contra) e as chefias dos Contra. Na época, o director do Citizens for America era David Carmen, que simultaneamente dirigia uma empresa de relações públicas com o ex-chefe das operações secretas da CIA liderada por Casey, o pai Gerald, que também tinah sido nomeado por Reagan para chefiar a Administração dos Serviços Gerais e depois como embaixador.

Um dos jornalistas investigativos que pesquisaram o círculo de Craig Spence, mais tarde disse a DeCamp que o círculo de Spence estava conectado a King:

A maneira como descobrimos Larry King e o círculo de call boys baseado no Nebraska foi examinando as notas doe cartão de crédito do círculo de Spence, onde encontramos o nome de King.

Mais tarde, foi revelado que King e Spence eram essencialmente parceiros de negócios, pois os seus círculos de tráfico de crianças operavam sob as ordens dum grupo superior que foi apelidado de “Bodies by God” (Corpos por Deus).

Exatamente quantos grupos operavam nesse Bodeis by God é desconhecido. No entanto, o que se sabe é que os círculos dirigidos por King e Spence estavam conectados entre si e ambos também estavam ligados a autoridades de primeiroo plano nas Administrações Reagan e Bush, incluindo funcionários com vínculos com a CIA, Roy Cohn e a sua rede.

De facto, Spence, apenas alguns meses antes do seu suposto suicídio no Ritz Carlton de Boston, sugeriu aos repórteres do Washington Times, Michael Hedges e Jerry Seper que originalmente tinham contado a história, que eles apenas arranharam a superfície de algo muito mais sombrio:

Todas essas coisas que vocês descobriram [envolvendo call boys, subornos e visitas à Casa Branca], para ser honesto, são insignificantes em comparação com outras coisas que já fiz. Mas não vou contar essas coisas e, de alguma forma, o mundo continuará.

Também vale a pena notar o papel do FBI em tudo isso, particularmente no escândalo de abuso sexual infantil em Franklin. De facto, o círculo de abusos sexuais infantis de Larry King foi coberto de forma rápida e agressiva pelo FBI, que usou uma variedade de tácticas para enterrar a realidade. Aqui, é importante lembrar o papel principal que o ex-director do FBI, J. Edgar Hoover, desempenhou em operações semelhantes de chantagem sexual que incluiam abusos de crianças (ver a Parte I) e a estreita relação entre Hoover, Roy Cohn e Lewis Rosenstiel, que mais tarde empregou o ex-braço direito de Hoover, o agente do FBI Louis Nichols.

Anos mais tarde, documentos divulgados pelo FBI mostraram que Epstein tornou-se um informante do FBI em 2008, quando Robert Mueller era o direcor do Bureau, em troca da imunidade perante as acusações federais, um acordo que fracassou com a prisão de Epstein. Além disso, o ex-director do FBI, Louis Freeh, seria contratado por Alan Dershowitz, que é acusado de estuprar meninas nas casas de Epstein e que já foi testemunha por conta de Roy Cohn. Como mencionado anteriormente, a nomeação de Freeh como juiz do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de New York foi orquestrada pelo parceiro de Direito de Cohn, Tom Bolan.

Portanto, o encobrimento do caso do Franklin pelo FBI é apenas um exemplo da prática de longa data do Boreau para proteger esses círculos de pedófilos quando estes envolvem membros da elite política americana e fornecem ao mesmo Boreau um suprimento constante de material para a chantagem.

 

A podridão no topo

Embora houvesse várias operações de tráfico sexual conectadas a Roy Cohn e aos corredores do poder no governo Reagan, numa questão de meses após a morte de Cohn, outro indivíduo tornou-se uma figura central na poderosa rede que Cohn havia cultivado.

Esse indivíduo, Jeffrey Epstein, foi recrutado por Alan “Ace” Greenberg, um amigo íntimo de Cohn, para trabalhar no banco Bear Stearns. Depois de deixar o Bear Stearns e trabalhar como um suposto “caçador de recompensas” financeiro para clientes que, ao que parece, incluíam o traficante de armas Adnan Khashoggi (ligado ao Irão), Epstein entrou em contacto com Leslie Wexner, uma bilionária próxima de Meyer Lansky, ligada à família Bronfman, nointerior da qual estavam membros do sindicato do crime organizado, aquele mesmoi sindicato antes representado por Cohn.

No mesmo ano em que Wexner iniciou a colaboração com Epstein, outro amigo de Cohn com laços com a Casa Branca de Reagan e a família Trump, Ronald Lauder, daria a Epstein um passaporte austríaco com foto de Epstein mas com um nome falso.

Lauder, Wexner e Bronfmans são membros de uma organização de elite conhecida como Mega Group, que também inclui outros “filantropos” conectados a Meyer Lansky, como o gerente de fundos hedge Michael Steinhardt. Embora Epstein compartilhe um papel considerável com a rede descrita neste artigo e na Parte I, ele também está profundamente ligado ao Mega Group e aos seus associados, incluindo o pai de Ghislaine Maxwell, Robert Maxwell.

A Parte III desta série se concentrará no Mega Group e nos seus vínculos com a rede descrita nas Partes I e II. Além disso, o papel do Estado de israel, do Mossad e de várias organizações globais de lobby pró-israel também serão discutidas em relação a estas operações de chantagem sexual e a Jeffrey Epstein.

É aqui que toda a amplitude do escândalo de Epstein aparece. Trata-se de uma operação de chantagem criminosa incontrolável, executada por figuras influentes, escondidas à vista de todos, há mais de meio século, algo que explora e destrui a vida de um número incontável de crianças. Ao longo dos anos, cresceu, formou muitos ramos e espalhou-se para além dos Estados Unidos, como foi possível constatar com a actividade da Covenant House na América Latina e pelo próprio esforço internacional de Epstein para recrutar meninas para serem abusadas e exploradas.

Tudo isso ocorreu com o pleno conhecimento e bênção das principais figuras do mundo da “filantropia”, do governo e das comunidades dos serviçso secretos dos EUA, com grande influência sobre várias administrações presidenciais, particularmente desde a ascensão de Ronald Reagan e continuando até a Donald Trump.

 

Ipse dixit.

Um agradecimento particular para a jornalista Whitney Webb que possibilitou a tradução e a publicação do seu trabalho investigativo.

Fonte: Government by Blackmail: Jeffrey Epstein, Trump’s Mentor and the Dark Secrets of the Reagan Era 

O artigo original contém todas as ligações para as fontes utilizadas durante a investigação (frases ou palavras em amarelo, são dezenas: é só clicar para acedere à fonte).

5 Replies to “Pedofilia e Poder: das origens aos nossos dias – Parte II”

  1. São estórias tão cabeludas, que perto delas Bill Clinton é um santo e “De olhos bem fechados” ( de Kubrick ), um filme infantil.

    E vem coisa pior por aí….

  2. Pouca coisa separa os ricos e poderosos do que eles consideram como o paraíso na terra, ou seja, fazer tudo que quer, do jeito que quiser, usando quaisquer uns, onde e quando desejar. O paraíso é poder, e nisso se assemelha ao deus da maioria dos religiosos – senhor onipotente de todas as coisas. Esses aborrecimentos na estrada do paraíso são a chantagem dos concorrentes, a ainda certeza da morte, e o irreversível declínio físico e mental nesta vida. Como no caminho do paraíso, tudo e qualquer entretenimento é possível, e tratamos de humanos, seria ingênuo imaginar que os brinquedos fossem angelicais.
    Os pobres vivem no inferno, mas a maioria não tem consciência do fogo que corrói suas entranhas, e menos ainda do horizonte de permissividades dos ricos e poderosos.
    Só mais uma coisinha, Sergio, não te iludas porque os Clintons são os piores de todos. De uma vez por todas convençam-se que não se trilha o caminho do paraíso na terra na luz.

    1. Perfeito, Maria. Só citei o Clinton pelo caso com a ex-estagiária Monica Lewinsky. Da mesma forma, mencionei as orgias secretas da alta sociedade do filme do Kubrick . Embora degradantes , seriam fatos menores se comparados ao que foi exposto no artigo do Max.
      Abraço.

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