Da luta contra o dinheiro electrónico

Ora bem: uma das “lutas” que circulam na internet é aquela contra o uso do dinheiro electrónico. Isso
é: cartões de débito, de crédito, etc.

Mais no geral: é uma luta contra a utilização dos bancos.

As linhas guias desta luta são basicamente duas:

  1. utilizar quanto mais dinheiro líquido for possível
  2. manter cada vez menos dinheiro nas contas bancárias

Acho que este blog está acima de qualquer suspeita quando o assunto forem as instituições bancárias: farto-me de falar mal dos bancos, de todos os bancos e de todas as formas possíveis. E isso desde que o blog começou a existir. Portanto, sinto-me tranquilo em afirmar: pessoal, está “luta” está errada.

Sim, é verdade: uma pessoa tem todo o direito de utilizar o dinheiro líquido em vez daquele electrónico. E não pode haver nenhuma lei que obrigue o cidadão a utilizar os vários cartões.
É verdade: o dinheiro electrónico permite rastrear os nossos movimentos, não apenas as compras mas até os hábitos, os percursos, os gostos pessoais, etc.
É verdade: o dinheiro numa conta bancária não fica tão “seguro” como querem fazer crer. O banco entra em “sofrimento” e eis que alguém se lembra de retirar uma percentagem das contas dos clientes para salvar o banco privado.
É verdade: eclode uma bolha (imobiliária, dos derivados, etc.) e puff!, o dinheiro desaparece.
É verdade: utilizar dinheiro líquido permite até evadir mais facilmente o Fisco. É imoral? É criminoso? Talvez sim, talvez não: seria oportuno gastar mais do que uma palavra acerca deste ponto.

Tudo quanto dito acima é verdade, disso não há dúvida, até já falámos disso em tempos. Mas… está errado. Ou melhor: está errado concentrar os nossos esforços neste ponto. Porque o problema está bem antes do dinheiro electrónico e bem antes até dos bancos.

É um pouco como ter dor de dentes e tomar um anti-inflamatório. Resolve? Não. Alivia, mas o problema, a cárie, fica aí tal como antes. Evitar os bancos, não utilizar os cartões, manter o dinheiro debaixo dos colchões, tudo isso é bonito e pode em teoria criar problemas aos bancos. “Em teoria” porque na verdade nunca haverá um número suficiente de pessoas que decidam não utilizar os serviços bancários e mandar em crise estas instituições.

Mas mesmo que haja uma tomada de consciência por parte da maioria dos cidadãos que, de repente, evitam as instituições bancárias obrigando-as à falência: o que ficaria resolvido? Rigorosamente nada. Esquisito? Nem tanto. Pensem nisso: o dinheiro sem um banco, pelo menos um, o Banco Central, não pode existir, nem pode ser distribuído para as pessoas.

O que é dinheiro? Já sabemos isso: é um pedaço de papel onde está escrito “Eu devo-te x dinheiro”. Nada mais do que isso: papel com um valor intrínseco de poucos cêntimos. O cidadão pode gastar aquele pedaço de papel porque aqueles que o recebem entram na posse do crédito (este é o dinheiro), que é garantido pelo Banco Central (o Estado). E a distribuição do dinheiro é feita através dos bancos privados (ou dos poucos bancos com controle estatal ainda existentes).

Portanto: na nossa actual sociedade (não numa sociedade utópica), pelo menos um banco tem que
existir, o Banco Central. Caso contrário não há dinheiro. Mas ter um Banco Central ou ter muitos bancos privados faz diferença? Sabem por quem é controlada a grande maioria dos Bancos Centrais do planeta? Pelos Estados? Realmente pensam uma coisa destas? Então esqueçam, pois lamento informar-vos que as coisas não estão assim.

Depois, tentamos cair no real: uma sociedade como a nossa sem bancos significaria no final do mês todos com as carteiras abertas ao pé do patrão para receber o salário. E o patrão onde raio poderia buscar o dinheiro? Na horta? Ou no único banco existente, o Banco Central? Então voltamos ao problema dantes: quem controla o dinheiro que sai do Banco Central?

E como raio posso adquirir uma empresa sem haver bancos? Com um furgão cheio de dinheiro? E as obras públicas? Comboios de dinheiro estatal? E donde chega aquele dinheiro? Sempre do Banco Central, que é um banco.

Sem bancos (privados ou estatais) como são pagos os funcionários públicos no final do mês? Em Portugal, por exemplo: todos em Lisboa à porta do Ministério?

Lamento pessoal, na nossa sociedade não é possível evitar os bancos. Numa sociedade alternativa sim, na nossa não. Desilusão? Tragédia? Nem por isso: porque o problema não é a ideia de banco em si. É o mesmo discurso do dinheiro: a ideia de ir numa loja com quatro ovelhas para troca-las com  um frigorífico não é o máximo. A verdade é que o dinheiro é um instrumento e facilita as trocas comerciais, qualquer troca comercial.

No caso do banco, a ideia é a mesma: na nossa sociedade ( e não me canso de realçar este aspecto) o banco deveria ser um instrumento para a gestão do dinheiro: um instrumento para optimizar a gestão dum outro instrumento. Portanto, o problema não são os bancos em si e nem a utilização do dinheiro, electrónico ou não. O problema é quem gere o dinheiro. Que, olhem só, é também quem gere os bancos, sejam centrais sejam privados.

Querem saber qual um verdadeiro problema, tanto para fazer um exemplo? Os juros. É algo que aceitamos como fosse algo natural, muito tranquilamente. Mas onde está escrito que um banco tenha obrigatoriamente que cobrar juros sobre os empréstimos? Porque não há uma luta em internet contra os juros? Comecemos por aí, que significa encarar um dos cernes da questão, depois tratemos do dinheiro electrónico.

A receita é simples: abolir o Euro (na Europa, claro), fazer que a soberania monetária volte 100% aos Parlamentos. Os Bancos Centrais têm que ser geridos inteiramente (e não apenas nominalmente) pelo público, não pelo privado. São os Parlamentos que devem regular os bancos privados e não o contrário. Até quando serão os bancos privados e a lobby deles a ditar as normas, será apenas uma questão de pormenores. Porque a luta contra o dinheiro electrónico não passa disso: é um pormenor utiliza-lo ou não.

Não estou aqui para publicitar o dinheiro electrónico (longe de mim!), que é um problema de facto. Simplesmente, não podemos esquecer que o dinheiro electrónico é apenas um outro instrumento de controle. Apenas isso: um outro instrumento, não o único nem o mais perigoso. Porque reflectimos: têm medo de ser espiados com o cartão de débito ou de crédito? E assim, só como curiosidade: que navegador utilizam? Google? Sistema Windows? Enviam e recebem correio electrónico? Navegam em internet? Têm telemóvel por acaso? Smartphone, tablet, GPS? Ahhhh… e estão preocupados com o cartão electrónico, muito bem, sim senhor…

Ipse dixit.

Relacionados:
Dinheiro electrónico: porquê?
Os problemas do dinheiro electrónico
O que é o dinheiro: resumo
Dos juros e do banco público
A metástase dos juros
O banco sem juros

17 Replies to “Da luta contra o dinheiro electrónico”

  1. Vá lá… Um texto com 34 pontos de interrogação?!?!?!
    Para todas essas perguntas tem, as respostas num simples video de 10 minutos.


    O problema não é o dinheiro, somos nós mesmo!

    1. Lamento, meu amigo: péssimo vídeo, cheio de lugares comuns e que não explica absolutamente nada. Não acaso é um produto saído do Portal Libertarianismo, que assim se apresenta:

      "O Portal Libertarianismo foi o primeiro site libertário brasileiro a deixar a economia um pouco de lado, e procurar analisar os efeitos da intervenção estatal sob outras óticas. Comumente falamos sobre guerra às drogas, propriedade intelectual, abusos da polícia, agorismo, inovação, o sistema de educação estatal, desapropriações, casamento gay, política externa, imigração".

      Falar da maioria destes assuntos deixando "a economia um pouco de lado" significa inventar tantas histórias engraçadas, simples de entender, ideais para quem deseje ter uma visão superficial da nossa sociedade, mas longe da realidade.

      Quanto aos pontos de interrogação: até não houver uma taxa sobre eles, vou continuar a utiliza-lo com muita descontracção. E paciência se alguém não gostar.

      Abraçooooo!!!!

    2. "que navegador utilizam? Google? Sistema Windows? Enviam e recebem correio electrónico? Navegam em internet? Têm telemóvel por acaso? Smartphone, tablet, GPS? Ahhhh… e estão preocupados com o cartão electrónico, muito bem, sim senhor…"

      Max … fizeste-me sorrir 🙂

      Recordei este video do link que te deixo abaixo .

      Se puderes ve entre o 2min50seg e 7min. O video todo em si tem coisas que do meu ponto de vista são duvidosas.
      Mas aquele bocadinho que te indiquei… sinto que tudo se encaminha para ai.

      EXP001

    3. boas EXP001

      não me leves a mal mas o video é bastante duvidoso, só mostra uma compilação de imagens e videos e umas teorias de quem fala, mas se realmente esse sistema "JADE HELM" fizer a tal matança sobre a sociedade e decide matar o "excesso" usando a informação de todos os nossos dispositivos informáticos e afins… só me leva a acreditar que esse sistema "JADE…" vai começar pelas piores pessoas que são os políticos gatunos,empresários gatunos,religiosos gatunos, etc etc e deixar os melhores da espécie humana a fase da terra… se a I.A. tiver que escolher vai escolher os melhores seres humanos, penso eu… não os que destroem a sociedade… 😀 Lucky Luke

    4. Boas 🙂
      Claro que não levei a mal.
      Como poderas ler no meu comentario acima tambem achei que o video contem coisas duvidosas por isso apenas referi o intervalo entre 2min50seg e 7min e isso ai nao anda nada longe da realidade.

      Em relação ao Jade (Joint Assistant for Development and Execution) ele existe, é um sistema militar dos usa

      https://en.wikipedia.org/wiki/JADE_%28planning_system%29

      e o Jade Helm 15
      http://american3rdposition.com/wp-content/uploads/Jade-Helm-Martial-Law-WW3-Prep-Document-1.pdf

      foi um exercicio militar em grande escala.

      Na informacao que nos e revelada nem tudo e verdade e nem tudo e falso
      E o mundo em que vivemos neste tempo
      A verdade esta sempre misturada com inverdades
      Cabe a nos discernir o melhor que conseguirmos.

      Abraço

    5. 🙂 sim desculpa. meti-me logo a ver o video e sem reparar que tinhas a mesma opinião do "duvidoso"… :/

      mas interessante isso dos exercícios militares no texas e arredores (não tava nada a par do "jade") mas coincidentemente ou não, está difícil acreditar em conincidências nestes dias :), foi aprovada esta lei, no texas claro, a pelos menos 2 meses e agora esta dos militares…hummm…engraçado…

      http://gov.texas.gov/news/signature/21038
      http://www.legis.state.tx.us/tlodocs/84R/billtext/html/HB00483I.htm

      “Today I signed HB 483 to provide a secure facility for the State of Texas, state agencies and Texas citizens to store gold bullion and other precious metals. With the passage of this bill, the Texas Bullion Depository will become the first state-level facility of its kind in the nation, increasing the security and stability of our gold reserves and keeping taxpayer funds from leaving Texas to pay for fees to store gold in facilities outside our state." Governor Abbott

      Lucky Luke

    6. @Lucky Luke

      Hehe
      O que se esta a passar no Texas é que eles querem o ouro que teem da reserva federal de volta,
      por isso vao construir um cofre forte para o guardar.
      Ha sinais evidentes de perda de confiança, principalmente depois de a Alemanha ter querido repatriar
      o seu ouro e os entraves que teve e creio que so conseguiu repatriar uma pequena parte.

      Quanto ao exercicio em si, nao me parece directamente relacionado com a questao do Texas diria
      mesmo que o que esta a ocorrer no Texas e apenas um sintoma de algo bem maior que podera acontecer num
      futuro proximo e esse acontecimento ja e tomado como provavel e as autoridades com este tipo de exercicio
      estao a preparar-se.

      Curioso como manifestamente se pode ver que este exercicio e dedicado a lidar com acontecimentos internos e nao
      para lidar com o ataque externo de algum outro pais.

      @Nuno
      Sim ja estamos mesmo a falar disso. E como a tecnologia nos meios militares costumava estar sempre 20 a 30 anos
      a frente do ha no meio civil, e tendo em conta o ritmo de evolucao do software e hardware que tem sido exponencial
      nao me surpreenderia nada. A ultima surpresa que tive com estas coisas foi a uns anos , ja sabia que os emails e muita mais
      informacao era interceptada e guardada, mas depois de o Snowden ter dado com a lingua nos dentes e ter revelado a magnitude
      do que e feito admito que fiquei surpreendido por nunca me passar pela cabeça que chegassem ao ponto de apanhar tudo na rede.
      Para isto ja estou a usar uma bitola recalibrada 😉

      EXP001

  2. Existem duas séries que costumo seguir na net(na tv) o Person of Interest e o Blacklist que focam muito do que está descrito acima.
    Uma espécie de entretenimento didáctico?
    Nuno

  3. E o que dizer de alternativas como a Raize? Falada aqui: http://www.ganha-facil.com/2015/05/com-raize-ganhas-dinheiro-por-emprestar.html

    Trata-se de um empresa que promove os empréstimos coletivos, desta forma as empresas financiam-se sem recorrer ao bancos, e os membros passam a receber os juros mensalmente que são MUITO mais altos que receberiam numa conta a prazo!

    Eu acho uma ideia excelente, que tem muito sucesso no Reino Unido (por exemplo).

    Os empréstimos coletivos não mereciam um artigo caro Max?

    1. bom tópico DavidOff, interessante digo-te já, …uma alternativa aos bancos, mas vou já disparar 2 problemas neste raize 🙂 , talvez com o tempo tenham mais opções:

      – neste sistema raize continua a exisitir dependência das instituições que criam o dinheiro. Pelo que li no site, só podes investir em dinheiro :/ porquê não oferecer um ou dois meses de trabalho, ou oferecer temporariamente um armazem que não uso ou um veiculo ou um terreno ou o meu cão de guarda, sei lá…, arranjar outras alternativas ao senhor dinheiro era mais bonito… 🙂

      – usura/juros positivos para mim é sempre errado… não há ponta que se pegue! mais uma vez porque não outras alternativas?! (exemplo:invisto numa empresa de compotas e em vez de ganhar juros mensais, ganho uma ou duas ou três compotas por mês, sei lá… tanta ideia a ser explorada… ) na minha opinião usura/juros,ganhar dinheiro com o tempo sem fazer um caraças, é mau… o tempo não é de ninguêm 🙂 e não falo de tempo=meteo mais sim tempo medido ou medidas de tempo, algo assim… 🙂 mas no geral está porreira a ideia do emprestimo colectivo, Lucky Luke

    2. Pelo que leio a ideia dos empréstimos coletivos é mesmo a de qualquer pessoa poder emprestar e ganhar retorno, a tua ideia é muito interessante mas a plataforma teria de ser outra. Talvez outro site dedicado apenas a isso mas isso de oferecer veículos, ou mão de obra temporária, entra em trabalhos burocráticos e legais muito complicados.

      Eu estou a gostar muito de participar na Raize, estou a ajudar a economia e a ganhar o dinheiro que os bancos gostariam de ganhar 🙂

    3. sim na verdade do mal o menos, prefiro que ganhes tu e outras pessoas singulares em vez dos bancos… empréstimos locais para negócios locais sempre será mais correcto… (de qualquer maneira as instituições bancárias acabam sempre por ganhar quando se incentiva o uso do seu produto "dinheiro") pode ser que a partir desta plataforma raize surjam outras ideias "alternativas"… Lucky Luke

  4. Não é suficiente Max! Voltemos ainda mais para se perguntar. E quem controla os parlamentos? Ou melhor dizendo, os Estados Nacionais que chamamos de países? Ou ainda acreditas que esses territórios, distribuídos para antigos nobres e posteriormente adquiridos pela alta burguesia, são regidos por governantes representantes do povo? Eleições não passa de um processo político onde todos os resultados estão cercados pelos dominantes. Não há possibilidade de vermos algo diferente. O nome da realidade é PLUTOCRACIA, onde a lógica permanece imutável desde tempos antigos, mudando apenas os processos, os protagonismos e o que a propaganda envolvida impõe.

    1. Olá Chaplin!

      O foco do artigo não é "como resolver todos os problemas do mundo" mas "como não fazer-se distrair pela enésima falsa luta".

      Internet está cheia de "lutas", a maior parte das quais são nada, zero. E há vários tipos de luta tanto para abranger todas as possíveis faixas: alguma são básicas (vide Nibiru & C.), outras mais finas, como esta. Mas todas têm um só objectivo: criar falsos alvos e dispersar assim as forças que eventualmente poderiam tomar consciência dos poucos problemas reais que temos (porque os problemas são poucos mesmo).

      A plutocracia consegue reger-se, entre as outras coisas, também sobre isso: submergindo os problemas reais debaixo dum monte de problemas falsos (literalmente criados) ou, se preferirmos, de todo secundários.

      Abraçooooooooo!!!!!!

    2. Olá Max! Mas se estamos rodeados por distrações de toda ordem, quando rechaçamos-as penso que poderíamos ir até a raiz da questão. Abraço.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: