Política e bancos: quem rasteja não tropeça

O administrador do banco JP Morgan Chase, Jamie Dimon, testemunhou na passada Quarta-feira perante a comissão bancária do Senado dos Estados Unidos no âmbito da investigação sobre as recentes enormes perdas provocadas por operações de alto risco especulativo, realizadas pela filial inglesa do banco.

Os media do resto do mundo têm ignorado o assunto, mas não deixa de ser uma ocasião bastante rara o facto dum dos donos do mundo aparecer entre os humanos e, como se isso não fosse suficiente, falar e interagir com os inferiores.

Teoricamente, Dimon deveria ter esclarecido o comportamento dos managers de topo da empresa perante uma série de operações acabadas mal, anunciadas no mês de Maio, com perdas oficiais de dois biliões de Dólares. Oficiais, claro, pois segundo a imprensa especializada o total deve ter sido bem maior (fala-se em oito biliões de Dólares ou até mais).

Dimon estava tranquilo: afinal os senadores que faziam as perguntas eram os mesmos que o banco tinha financiado durante as campanhas eleitorais. Mais do que uma comissão do Congresso, esta era uma reunião do chefe com os funcionários.

Dimon definiu as perdas bilionárias como um “evento isolado”, cuja responsabilidade deve ser atribuída aos seus subordinados, e defendeu JPMorgan, da qual disse estar “orgulhoso”, relembrando a força mostrada durante a crise financeira. Alguém dos 22 membros da Comissão poderia ter colocado perguntas embaraçosas durante a audição de duas horas, tipo ter lembrado que a “força” durante a crise de 2008 chegou sob forma de dinheiro público, mas nada disso aconteceu: todos mantiveram-se sentadinhos e bem educados, lembrando que quem subsidiou uma campanha eleitoral pode muito bem subsidiar a próxima.
Por isso melhor manter um low profile e tentar ser simpáticos.

Doutro lado, o mesmo chefe das marionetas, o afro-havaiano-irlandês Barack Obama, tinha recentemente definido Dimon qual “um dos melhores do País”, por isso o rumo estava traçado e era até bastante claro.

Entre os mais entusiasmados encontrava-se o senador republicano da Carolina do Sul, Jim DeMint, que elogiou a condição financeira do JP Morgan (perdeu dois biliões de Dólares? Parabéns!) antes de quase pedir desculpa por ter incomodado o celestial Dimon com uma coisa tão trivial como uma comissão parlamentar:

Muitos entre nós são gerente de banco frustrados que gostariam de gerir o próprio negócio como você faz

Isso enquanto o republicano do Tennessee, Bob Corker, definiu Dimon como

justamente famoso por ser um dos melhores administradores do País.

O lema era portanto “quem rasteja não tropeça”.

Dimon, do seu lado, respondeu ao senador democrata do Oregon, Jeff Merkley, quando este afirmou que JPMorgan foi salva em 2008 graças ao dinheiro público: Dimon respondeu prontamente, acusando o senador de estar mal informado e de ter feito uma declaração “factualmente erradas”. E ainda bem que Dimon não ficou demasiado enervado e não decidiu fechar logo todo o Congresso.  

Ultrapassadas as “incómodas” perguntas, Dimon ficou com uns tempinhos para criticar aquelas que ele acha serem as demasiadas restrições impostas pela política ao sector financeiro. Lembrou o facto dele ter apoiado algumas medidas incluídas na platónica reforma financeira do Congresso em 2010 (a lei Dodd-Frank) para depois atacar a chamada “regra Volcker”, uma normativa que, em teoria, proíbe que bancos como JPMorgan (cujos depósitos são garantidos pelo governo federal) possam fazer investimentos especulativos em proveito próprio com o dinheiro dos seus clientes.

De facto, a “regra Volcker” tinha sido fortemente contestada por Wall Street logo após a sua apresentação e a mesma Casa Branca atenuou significativamente o âmbito da aplicação no início deste ano para permitir que os bancos continuem as práticas de risco que deveriam ter sido banidas.

Dimon disse então que no primeiro trimestre de 2012 JPMorgan conseguiu acumular 400 biliões de Dólares em depósitos, quantia que definiu como “excesso de caixa” e que tem de ser investida de alguma forma.

É verdade que as pequenas empresas têm um acesso ao crédito cada vez mais difícil e que JPMorgan poderia utilizar os tais 400 biliões para facilitar um pouco as coisas, sobretudo considerando que o dinheiro da instituição é garantido pela Federal Reserve: mas sem dúvida é muito mais divertido investir aquele dinheiro em operações de alto risco, onde os eventuais lucros podem ser bem maiores.

E se as coisas correrem mal? Paciência, há sempre a Federal Reserve e o dinheiro público para tapar os buracos.

O tratamento reservado ao administrador da JPMorgan é ainda mais surpreendente à luz das suas evidentes responsabilidades perante a perda dos dois biliões (oficiais) de Dólares e da tentativa para esconder as consequências das actividades da filial de Londres.

Como realçado por algumas investigações jornalísticas (por exemplo Bloomberg) o Chief Investment Office (CIO) do Reino Unido tinha sido criado directamente por Dimon em 2005 com a tarefa de aumentar os lucros do banco com investimentos de alto risco.

O CIO era uma entidade separada do resto do JPMorgan e aqueles que nele trabalhavam estavam expressamente autorizados a assumir mais riscos do que o necessário para atingir os objectivos fixados. Além disso, emergiram fortes indícios que indicam como os vértices do JPMorgan manipularam os orçamentos para tentar ocultar as perdas. Mais: JPMorgan também usou toda a sua influência política para evitar a interferência dos reguladores nos assuntos do CIO.

Os sinais de aviso dentro do JPMorgan haviam começado a circular já em Março, mas ainda em Abril, durante uma teleconferência, Dimon tinha afirmado que as preocupações eram apenas “uma tempestade num um copo de água”. Na Quarta-feira quando o presidente da comissão, senador Tim Johnson (democrata, Dakota do Sul), pediu o motivo desta afirmação precipitada, Dimon simplesmente admitiu ter cometido um erro.
E podemos culpar um homem por causa dum erro? Claro que não. Sobretudo quando este homem já gastou 344.000 Dólares em favor de candidatos para órgãos federais, 59% dos quais em favor dos republicanos e 41% dos democratas.

O mesmo Tim Johnson, por exemplo, arrecadou 39.000 Dólares este ano, Richard Shelby (republicano, Alabama) 73.000, Mark Warner (democrata, Virginia) 109.000, Jack Reed (democrata, Rhode Island) 30.000, Michael Crapo (republicano, Idaho) 34.000. Tudo dinheiro do JPMorgan, tudo com a assinatura de Jamie Dimon.

O mesmo Dimon que, depois de ter apoiado Hillary Clinton nas primárias democratas em 2008, preencheu um cheque de 50.000 Dólares em favor do simpático Obama.

Mais de que “despesas”, estes são investimentos: de baixo risco e de enormes lucros.

Ipse dixit.

Fonte: Bloomberg, CNBC, CNBC (2), USNews, Forbes, Reuters

One Reply to “Política e bancos: quem rasteja não tropeça”

  1. No final da leitura, só me ocorre que isto vai continuar eternamente nesta farsa, de tal forma isto está tudo tão viciado… afinal é só acrescentar zeros à dívida e serem sempre os mesmos a pagar… eternamente.

    E este evento não é mesmo para deixar passar em branco.
    Não que este senhor ser ouvido mude algo, mas exactamente por isso.

    Abraço
    Rita M.

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