Líbia na rede: um ano depois

O que faz uma pessoa com dor de dente e que não consegue dormir?
Simples: liga internet e decide espreitar o que se passa na Líbia.

De facto o País africano desapareceu. Nem um alinha nos noticiários ou na imprensa, nada. Será que ainda mora alguém naquelas bandas? Que eu me lembre havia uma espécie de Junta de Salvação que, após a intervenção dos Cruzados Democráticos e o apoio de Al-Qaeda, tentava pôr um pouco de ordem.

Por isso, primeira ideia: vamos ler um diário (operação sempre arriscada, pois o tradutor de Google acerta uma palavra em cada três…).

Akhbar Libya: apresenta um vídeo com o rosto de Khadafi, mais um aviso segundo o qual o Alto Conselho de Transição (ah, era este o nome da tal junta…) pretende criminalizar uma cerimónia para lembrar o mártir Khadafi. Nada mais.
Al-Fajral Al-Jadeed: (versão inglesa): não se consegue aceder.
Al Fajr Al Jadeed: uma página em branco.
Al-Jamahiria: não se consegue aceder.
Al Jamahiria Al Yawm: domínio à venda.
Al-Shames: não se consegue aceder.
Al Zahf Al Akhdar: Account suspended
JANA – Jamahiria News Agency : não se consegue aceder (esta era a principal agência de imprensa)
Libya Jeel: domínio à venda
Oea: Executing in an invalid environment for the supplied user (ehhhh? nunca tinha visto tal coisa)
Quryna: não se consegue aceder.

Nada mal, nada mal mesmo…
Para boa sorte algo funciona. Mais ou menos.
Libya-Watanona, em língua árabe, não é actualizado desde 23 de Maio do ano passado.

Isso significa que os únicos sites com notícias são os dos diários em língua inglesa:
The Tripoli Post e Lybia Herald.

E comecemos pelo primeiro.

O quartel geral do governo provisório de Tripoli atacado por antigo combatentes líbios que tinham participado no derrube do ditador Muammar Khadafi, matando entre duas e quatro guardas e atingindo muita outras.

Como assim? Mas a guerra não tinha acabado? Parece que não: aliás, este é um ataque de quem antes tinha combatido contra Khadafi…

Os combatentes disseram exigir os salários não pagos, cercaram e depois atacaram o prédio que abriga o governo interino, que tem sido amplamente criticado ultimamente por todos os lados por causa da falta de transparência e da má gestão. O combate durou perto de duas horas.[…]

A agência de notícias AFP citou um funcionário do governo presente durante o ataque, o qual disse que “muitos homens cercaram o prédio e abriram fogo com armas, incluindo canhões anti-aéreos.”

Testemunhas relataram vários veículos pesados ​​montados com armas anti-aéreas ao redor do edifício no centro de Tripoli, bloqueando o tráfego.

Falta de transparência e má gestão? Amigos líbios, bem vindos na Democracia.
Segue um editorial com um título interessante:
Líbia, estabilidade ou guerra civil?

Também o resto do artigo poderia ser interessante: pena que a jornalista, Karen Dabrowska, escreva a partir de Londres.

Ainda não está claro se a situação muito precária no pós-regime da Líbia mudará  para a guerra civil ou estabilizará numa transição potencialmente sustentável.

No filha, não está nada claro: sobretudo se continuares a escrever artigos acerca da Líbia entre uma sessão de shopping em Oxford Street e um chá em Piccadilly Circus.
Mas não sou a ser justo: afinal a menina apenas comentou um relato apresentado na London School of Economics (LSE). Escrito por economistas. Entre os quais não há um líbio, nem que seja um (é só ler os nomes). Por isso é normal ler coisas como estas:

Com a sua morte, Khadafi condenou a população da Líbia a um estado que não funciona, fracas instituições governamentais e pouca o nenhuma sociedade civil.

Por isso: o governo interino é corrupto e gere mal o País? Culpa de Khadafi. Que, mau como era, provavelmente decidiu fazer-se matar para deixar em sarilhos o País.
Tem lógica.

Mas é no Libyan Herald, onde há um pouco mais de espaço dedicado à cronica, que podemos ter uma ideia das condições de vida no País. Por exemplo: como vivem os ratos na Líbia?
Resposta: bem, proliferam tal como nunca tinha acontecido antes.
Malcolm Padster, Diretor de
Comunicações da Rentokil:

Antes da revolução havia 32 operadores de controlo de
pragas no terreno e cerca de 150.000 pontos fixos de iscas ao
redor de Tripoli, Misrata e Benghazi. Com o início dos
combates tivemos que suspender as operações, e certamente a Líbia sofreu as consequências.

A propósito: a Rentokil é uma empresa inglesa.

Infelizmente os únicos diários pouco mais contam acerca da realidade líbia: muito espaço é dedicado aos projectos. Assim é bom saber que no próximo dia 20 haverá uma exposição de 42 empresas francesas em Tripoli.
E que os delegados de outras 14 companhias coreanas serão hospedes do Ministro da Economia.
E que a maior refinara do País, em Ras Lanuf, está a ser vendida aos investidores da Arábia Saudita.
Que o Qatar adquiriu o banco líbio BCD.
E que no final de Abril uma delegação comercial inglesa visitou o País também.
Mesmo poucos dias antes da missão comercial dos Estados Unidos, com empresas do calibre de A-T Solutions, BAE Systems, The
Boeing Company, ConocoPhillips Libya Waha, LTD, Daniel J. Edelman, Inc.,
Dow Chemical, ExxonMobil, FARMCO (Valmont Irrigation), Hess
Corporation, Hill International, General Electric, the Institute of
International Education, Marathon Oil Corporation, Motorola Solutions,
NSI – Nasa Services International, Parsons, RMA Global Fleet Sales, the
Sandi Group and WorkingBuildings, LLC.

Não que tudo isso seja uma surpresa: após a retirada dos Cruzados Democráticos, era lícito esperar a invasão de quem afinal organizou e financiou a guerra na Líbia. O facto é que na internet líbia há pouco mais do que isso.

É nem podemos esquecer que a Líbia é um País que acabou de sair duma guerra, onde internet não é uma prioridade absoluta. O facto é que as poucas notícias presentes são todas do mesmo teor.

No site Lana-News, um dos poucos activos no âmbito da informação, as notícias falam da Síria, do Afeganistão, dum incêndio nas Filipinas: as notícias locais não existem.
E a página oficial do Governo de Transição é duma pobreza arrasadora. Na prática, são as mesmas notícias que podemos encontrar nos poucos diários online, pelo que é fácil entender donde vinham estas últimas.

De webcams nem falar.

Provavelmente esperar algo da internet líbia é demais, é ainda cedo: após um ano do fim oficial da guerra, o panorama Web no País é um deserto. Por isso decidi contactar alguns bloggers líbios (são verdadeiramente poucos) para obter mais pormenores acerca da real situação no País.
Caso aceitem colaborar, em breve os relatos aparecerão aqui, no blog.

Portanto vamos acabar com aquela que julgo ser a melhor das notícias encontradas:

Abre a primeira loja duma cadeia de hambúrguer

A Burger Fuel Worldwide, a empresa neozelandesa de hambúrguer, tornou-se a primeira cadeia de fast-food a anunciar a abertura de lojas na Líbia.

Agora sim que estão mesmo feitos…

Ipse dixit.

Links: no texto.

4 Replies to “Líbia na rede: um ano depois”

  1. Olá Max: lembras daqueles amigos que vez por outra me enviavam um cartão da Líbia? Ele, médico, ela engenheira de minas, o rapaz, filho que escrevia versos, tocava violino, tinha namorada, e ainda não sabia se seguiria a profissão do pai ou da mãe? Os garotos participaram de uma milícia kadafista, ela foi presa e se encontra desaparecida, ele está na Algéria,com amigos, obrigado a ir-se do país de nascimento pelos pais,perturbado mentalmente, jurando vingança enquanto viver. Do casal resta a mãe. De algum lugar do deserto, faz bastante tempo anunciou-me se comunicar comigo pela última vez, nos próximos anos. Segundo ela, usava provisioriamente um computador carregado por energia solar, internet captada por satélite. Informou-me que o marido trabalhara até a exaustão em hospitais de emergência, o que obrigou-o a ter contato com fósforo branco seguidamente, tinha muitas queimaduras, o que a deixava extremamente preocupada. Parece que teve uma estúpida contaminação por urina de ratos e acabou falecendo por leptospirose não tratada a tempo.Despediu-se de mim a moda muçulmana, desejando que o seu deus cuidasse de mim, como está cuidando dela, e que trouxesse um futuro no qual nossos caminhos ainda viessem a se cruzar novamente em alegria.
    Mesmo que fosse conveniente, não teria nada a responder, muito menos lamentar a família não ter aceito o meu convite para deslocar-se para o Brasil, quando ainda era possível. Abraços

  2. Excelente post Max
    O que tu explicas-te neste post é basicamente as acções realizadas após a invasão de um país.

    Depois de passarmos a ter o controlo do país á que:
    -Acabar com noticias desse país (o que o mundo precisa de saber é que finalmente o "povo" líbio conseguiu tirar do poder o mau Gadaffi, nada de problemas internos, disputas entre etnis, nada disso, agora todos os líbios vivem em liberdade!)
    -Tomar controlo das principais fontes de riqueza do país como petróleo, gás, e se o povo necessitar colocar também mais uma base da NATO no país
    -Depois assinar uns protocolos com multinacionais de construção para reconstruir o que as bombas destruíram (claro está isto apenas serve para endividar o país ainda mais, e como é exemplo Afeganistão e Iraque, os contractos são assinados mas depois nem um edifício é reconstruido)

    Abraços e continua com o excelente trabalho!

  3. Então não pagam aos Rebeldes e depois querem "Paz e Democracia"? eheheh grandes cromos! Rebeldes têm que ser pagos e bem pagos!

    E já que falei em Rebeldes… Síria, quando nada mais funciona nada como enviar uns otários com boina azul para fazer de conta que observam e entretanto pôr os Serviços Secretos que por lá andam a planear uma tentativa de atentado à bomba a um comboio de tolas azuis! Claro que neste caso, e por "grande sorte" o engenho explodiu a +- 100 metros do comboio de viaturas! Coisa de incompetentes sem dúvida!

    Isto é apenas sinal que o desespero está a apoderar-se destes "Amantes das Missões Humanitárias e Espalhadores da Democracia" que até já atacam os otários das próprias organizações (coisa normal de resto)…

    Quando tudo o resto falha temos que sacrificar os nossos… não é verdade?

  4. Começou a pilhagem. Tal e qual os abutres quando dividem uma carcaça de um animal morto.

    É lamentável

    Krowler

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: