Origens: o Homem – Parte IV

Com Lucy (o exemplar de Australopithecus afarensis) a antropologia entra definitivamente no âmbito dos macacos cada vez menos macacos e mais homens. Mas o caminho é ainda comprido: afinal Lucy viveu há 3.2 ma e o nome científico é Australopithecus, não Homo. O primeiro género inclui mamíferos parecidos com o homem, enquanto o segundo é o género ao qual pertencemos actualmente nós.

O homem hábil…

E quando aparece o “Homo”?  Pouco depois (“pouco”…): 2.4 ma. atrás aparece o Homo habilis, o primeiro de todos os “Homo”. Na verdade as diferenças entre um Australopithecus afarensis como Lucy e um Homo habilis não são muitas: à primeira vista até parecem a mesma coisa.

A partir de agora não vamos analisar toda a cadeia de alegados antepassados do género Homo: uma qualquer pesquisa com Google pode resolver a questão de forma rápida.

Vamos, pelo contrário, analisar os exponentes mais significativos: Homo habilis (o primeiro), Denisova hominin, Homo de Neanderthal e Homo sapiens.

O Homo habilis, como afirmado, apareceu perto de 2.4 ma.: abundantes restos foram encontrados em África, principalmente na zona da actual Tanzânia.


Bonito (mais ou menos…era praticamente um gorila), os cientistas tendem a considera-lo um passo evolutivo fundamental no âmbito da nossa evolução por causa das seguintes características:

  • o H.habilis imaginava a necessidade futura de determinados objectos
  • o H.habilis sabia escolher os materiais mais úteis
  • o H.habilis possuía a habilidade manual e cognitiva para fabricar os objectos dos quais necessitava.

Claro, eram objectos rudimentares, os mesmos que utilizava também Lucy, o Australopithecus.

Como assim? Lucy utilizava objectos? Mas não era esta uma característica do H.habilis?
Eh sim, de facto foram encontrados objectos também perto dos Australopithecus (100 mil/200mil anos antes do Homo habilis), e isso significa que também os parentes de Lucy tinham a habilidade manual e cognitiva para construir objectos, escolher os materiais, imaginar a necessidade futura…mas isso não interessa, não podemos contradizer a ciência (que, neste caso, está a contradizer-se sozinha), respeitinho por favor.

Se calhar é por isso que alguns estudiosos preferem falar de Australopithecus habilis e não de Homo.
Mas pronto, vamos assumir o Homo habilis como “melhor”, mais inteligente e ponto final.

Então utilizava os objectos para caçar? Nem por isso, só para tirar a carne dos ossos. Ossos de animais pequenos, pois o H.habilis não tinha a inteligência necessária para dar cabo dum Dinofelis, por exemplo.

Não sabem o que é um Dinofelis? Então olhem para a imagem ao lado. Vêem aquele espécie de tigre com os dentes pouco simpáticos? Isso mesmo: quando o H.habilis via o Dinofelis começava a correr, e corria, e corria, e corria…

…e o Ergaster

Depois do Homo habilis foi a vez do Homo ergaster. E do Homem erectus. Duas espécies distintas ou a mesma espécie? Pode parecer um pormenor, mas assim não é.

Se os Australopithecus foram encontrados na África oriental (e não há dúvida acerca da origem africana deles), alguns achados (sobretudo recentes) apontam para uma colonização da Ásia bastante rápida: 1.8 ma. é a data de alguns manufactos atribuíveis ao Homo erectus.

Mas o H.erectus era uma espécie separada do H.ergaster (então de possível origem asiática) ou os dois eram a mesma espécie (então podemos admitir um assinalável percurso do H.ergaster desde a África até a Ásia)?

Não há respostas.
É sabido, pelo contrário, que o H.erectus entrou na Europa acerca de 1.8 ma., provavelmente tendo passado pelo Médio Oriente (o Estreito de Gibraltar já existia e precisava de embarcações para ser atravessado).

A cronologia

Seja como for, vamos ver um resumo das várias espécies de Homo que apareceram ao longo de milhões de anos. Por cada espécie são reportados: o nome (Espécie), o período no qual viveu (Ma. = Milhões de anos), as (presumíveis) zonas habitadas (Local), a data da descoberta (Descoberta):

Denisova hominin? O que é isso?

Surpresa: o homem da gruta

Esta é uma descoberta bastante recente que pode vir a baralhar as cartas da antropologia dos últimos anos.
Um grupo de cientistas da universidade de Lipsia analisou o DNA dalguns fragmentos recuperados pouco tempo antes numa gruta dos Montes Altai, na Sibéria: e os resultados foram surpreendentes.

O D.hominim era uma nova espécie de homem, contemporâneo do Homem de Neanderthal mas também do Homo sapiens (isso é, nós). Sempre o DNA revelou a existência dum antepassado comum para as três espécies, vivido provavelmente entre 800 mil e 600 mil anos antes.

Mais: segundo os dados, o D.hominim não foi originado pela vaga de emigração da qual mais tarde teriam surgido o H.neanderthalensis e o H.sapiens.

Mais: comparando a sequência do DNA (o genoma) do D.hominim com aquelas das actuais populações, viu-se que uma em particular, a dos habitantes da Melanesia (Papua Nova Guiné, Ilhas Molucas, Solomones, Vanuatu e Fiji), compartilha entre 4 e 6% do material genético.

Isso significa que o D.hominim colonizou boa parte da Ásia, provavelmente antes das outras duas espécies (sapiens e neanderthal) e que as populações dos aborígenes australianos também estão ligados ao D.hominim.

É possível assim imaginar uma “vaga evolutiva” própria da Ásia, distinta das ocidentais, começada até antes, pois a data do aparecimento do D.hominim é actualmente desconhecida.

O mesmo lugar da descoberta é muito interessante, como comenta o antropólogo Svante Pääbo:

O único lugar onde temos a certeza de que as três espécies humanas viveram, ao mesmo tempo ou em alturas diferentes, é a gruta de Denisova

De facto, a gruta em questão apresenta restos do D.hominim, do H.neanderthalensis e do H.sapiens. É possível que as três espécies (ou duas) tenham partilhado o mesmo espaço? Isso poderia ter levado a uma troca genética, algo que alguns cientistas recusam admitir.

As pesquisas acerca do D.hominim estão apenas na fase inicial, mas prometem bem. Para já, temos a certeza de que os primeiros Homo sapiens tiveram que partilhar o planeta com outras duas espécies de homens: o Homem de Neanderthal e o Denisova hominim, algo de inimaginável até bem poucas décadas atrás.

Última nota: a definição de Denisova hominim é temporária, pois  a nomenclatura final será Homo siberiensis, Homo altaiensis ou (mais provavelmente) Homo denisoviensis.

Enquanto esperamos pelo resultado dos próximos estudos, vamos ver o nosso irmão desaparecido: o Homem de Neanderthal.

Mas não agora: no próximo capítulo.

Ipse dixit.

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One Reply to “Origens: o Homem – Parte IV”

  1. Mais vale tarde… que amanhã!

    A origem da bicharada com ossos! Acho que nos pudemos encaixar nesta categoria "bichos+ossos"… para quem acha que sim, está aqui a foto do nosso pai…

    Para quem acha que não… se calhar está debaixo disto?

Obrigado por participar na discussão!

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