O petróleo – Parte I

Breve explicação.

Bruno António realçou um vídeo muito interessante de Michael Ruppuert, cujo título é Collapse, vídeo que infelizmente está disponível apenas em língua original (com legendas em espanhol). O mesmo Bruno pediu algumas notas acerca do petróleo, pois Collapse fala do possível fim do precioso líquido.

Então reparei que nunca falámos de forma exaustiva acerca deste assunto.

É grave? É gravíssimo.
Há ainda esperanças? Talvez.
Não estão interessados? Maus.

Começa portanto aqui uma breve viagem no mundo do petróleo que poderá também contar (espero) com a intervenção de Debora Billi, jornalista italiana membro do Aspo (a associação que trata da questão do Peak Oil) e autora do blog Petrolio.

Mas vamos com ordem.

Nós e o petróleo

Uma camisa de poliéster, um dentífrico, um fertilizante, uma lata de tinta, uma caneta, um rimmel, um amaciador para roupa, um creme para as mãos secas, uma embalagem de cola, um par de sapatos, um móvel para a cozinha, um computador, um jogo para crianças, o adoçante para os bolos, a insulina, um frigorífico, um antibiótico: o que têm em comum todas estas coisas? O petróleo.

A nossa vida sem petróleo seria diferente. Aliás, seria outra vida mesmo.
Cerca de 40% de toda a energia “capturada” pelos seres humanos provém do petróleo. Mas o petróleo é presente sob outras formas também:

  • produtos de vestuário: 90% das meias, das cuecas, dos sapatos, das calças, das camisas é de fibra sintética ou outros produtos petrolíferos, pois não há ovelhas (lã) ou campos de algodão suficiente para vestir 2 biliões de pessoas, imaginem 7 biliões…
  • produtos para a casa e escritório: 90% do que utilizamos nas nossas casas ou escritórios é um derivado do petróleo, pois não há madeira ou metais suficiente para fazer tudo. É por isso que costumamos utilizar o plástico. Até os móveis feitos com aglomerados de madeira utilizam o petróleo nas colas.
  • equipamentos eléctricos e electrónicos: não apenas o revestimento dos fios, mas os mesmos componentes fazem uso de plástico. Pensem nas televisões, nas rádios, nos computadores…
  • mecânica? Óleos, gorduras, juntas, borrachas, silicone, reservatórios…
  • adoçantes sintéticos: custam 1/100 em relação ao verdadeiro açúcar.
  • tintas: tintas e diluentes são todos produtos petrolíferos.
  • higiene: sabão em pó, sabão líquido, vários produtos de limpeza, perfumes, desodorizantes…
  • saúde: 99% dos medicamentos são produzidos quimicamente a partir do petróleo, incluindo a insulina para diabéticos, medicamentos que salvam vidas e até antibióticos.
    agricultura: herbicidas, pesticidas, fertilizantes.
  • comida: conservantes, frigoríficos, embalagens, tudo com base no petróleo.
  • produtos não derivados do petróleo: até os objectos de origem natural são produzidos com máquinas que desfrutam o petróleo.
  • aquecimento e refrigeração.
  • e, naturalmente, transportes: automóveis, aviões, navios, comboios…

Tudo isso é petróleo. As nossas vidas estão mergulhadas nos produtos petrolíferos.
E se o petróleo acabasse?

Calma: antes de falar disso vamos conhecer um pouco melhor o “ouro negro”. E fiquem descansados, nada de química ou coisas complicadas. Só para perceber do que estamos a falar.

O óleo da pedra

Petróleo é uma palavra latina que deriva dos termos petrae (da pedra) e oleum (óleo): portanto, óleo de pedra. E este óleo de pedra acompanha a história do homem há séculos: os povos antigos conheciam os depósitos superficiais de petróleo, usados para produzir medicamentos, betume e combustíveis para lâmpadas.

Havia também utilizações bélicas do petróleo (petróleo e guerra, desde os tempos antigos). Já na Ilíada, Homero conta a história dum “fogo eterno” lançado contra os navios gregos e o “fogo grego” dos Bizantinos era uma arma feita com petróleo, enxofre, nitrato de potássio e resina, atirada com setas. 
O petróleo era também conhecido no antigo Oriente Médio, como confirma Marco Polo nas suas Viagens. Mais tarde, o petróleo foi introduzido no Ocidente principalmente como medicamento, seguindo o expansionismo árabe.

Mas até o final do século XIX, a utilização do petróleo foi sem dúvida secundária. As coisas mudam com o nascimento da industria petrolífera nos Estados Unidos (Edwin Drake, Pennsylvania, 1859): a partir do primeiro poço, a história do petróleo será sempre um continuo crescimento e se por volta de 1950 o carvão ainda era o combustível mais utilizado do mundo, já no final do séc. XX 90% da energia provem do petróleo.

O hidrocarboneto 

Sim tudo bem: mas o que é o petróleo?
Muito simplesmente, o petróleo é um hidrocarboneto natural, isso é, um composto químico constituído por carbono, hidrogénio, oxigénio, nitrogénio e enxofre.

Na verdade existem vários tipos de petróleo, a segunda do relacionamento entre que os vários componentes que acabámos de listar. Eis os componentes principais e as quantidades mínimas e máximas que podem ser encontradas nos vários tipo de petróleo:

Carbono (C): min. 83%   max 87%
Hidrogénio (H): min 11.4%   max 11.8%
Enxofre (S): min. 0.05%   max 8%
Nitrogénio (N): min. 0.02%   max 1.3%
Oxigénio (O): min. 0.05%   max 3%

Mas não vamos complicar: o petróleo é sempre um hidrocarboneto natural.
O que leva à primeira grande pergunta: como se forma o petróleo?

As duas teorias

Assim, o petróleo é muito importante na nossa sociedade, demasiado importante: irá acabar?
Antes de procurar a resposta temos que falar de como o petróleo é formado, pois o futuro das explorações depende da origem delas. 

Actualmente existem duas teorias para explicar o nascimento do petróleo: uma, a mais popular, afirma que o ouro negro tem origem na decomposição de material orgânico, outra, a assim chamada teoria abiótica, afirma pelo contrário que o material orgânico não intervém no ciclo.

Informação Incorrecta já tratou no passado do assunto (O Petróleo Inesgotável), mas dados que as implicações são profundas, vale a pena aprofundar o discurso. O que está em jogo é a nossa sociedade, tal como a conhecemos, e o futuro dela. E não se trata dum futuro longínquo: se o Peak Oil (o pico da exploração) tivesse já sido alcançado (ou ultrapassado, como afirmam os apoiantes da teoria), o mundo iria mudar de forma radical no prazo de poucas décadas, talvez até antes.

Comecemos com a teoria mais popular.

A teoria biogênica

A teoria biogênica do petróleo explica que o líquido é derivado da maturação térmica de matéria orgânica, que permaneceu enterrada (e, portanto, na ausência de oxigénio), ficou decomposta num material conhecido como pirobitume ou querogênio, o qual, em condições de alta temperatura e pressão, produz hidrocarbonetos.

Dito de outra forma: os restos de animais e plantas ficam enterrados ao longo de milhões de anos e produzem um material que, em presença de temperaturas e pressões elevadas, se transforma em hidrocarbonetos, entre os quais há o petróleo.

Uma vez produzidos, os hidrocarbonetos migram para cima (pois ainda estão bem enterrados) através de poros da rocha em virtude da baixa densidade. Se nada bloquear a migração, esta acaba na superfície da terra: e, de facto, o petróleo explorado na Antiguidade era tudo de proveniência superficial.

Na superfície, os componentes mais voláteis evaporam e permanece uma acumulação de betume, que é quase sólido à temperatura e a pressão normais. Caso clássico é aquele das areias betuminosas do Canada.

Todavia, ao longo da subida os hidrocarbonetos podem encontrar obstáculos, nomeadamente rocha impermeável: então teremos uma uma zona de acumulação, também chamada de “armadilha petrolífera ou reservatório”.
Mas seria errado pensar em lagos e rios subterrâneos de hidrocarbonetos: como vimos, estes migram através dos poros das rochas, e, perante uma rocha impermeável, aí fica.

Esta, em extrema síntese, a teoria biogênica, que assume o material fóssil como componente originário de todo o petróleo na Natureza. É esta a teoria aceite pela comunidade científica.
As consequências são evidentes: se o petróleo for de origem fóssil, então o homem está a explorar algo que demorou milhões de anos para formar-se e cujas reservas são obrigatoriamente limitadas.

A teoria abiogênica

Muito simplesmente, a teoria abiogênica afirma que o petróleo não é o resultado da decomposição e da “maturação” de compostos orgânicos (os fósseis) mas, pelo contrário, é formado em profundidade, por processos não biológicos entre a camada superficial do planeta e as zonas inferiores (basicamente o manto, entre 30 e 2.900 quilómetros de profundidade).

Nesta óptica, o petróleo (e os hidrocarbonetos no geral) seria algo presente em grandes quantidades. Aliás, dado que a formação poderia nunca ter parado, segundo alguns o petróleo seria quase inexaurível.

Esta teoria não recolhe a simpatia da comunidade científica; mas quais são os indícios a favor?
Wikipedia recolhe uma extensa lista destes supostos indícios (coisa bastante esquisita…):

Campos de petróleo super-gigantes
O geólogo russo Nikolai Alexandrovitch Kudryavtsev, defensor da teoria abiogênica, argumentou que nenhum hidrocarboneto produzido em laboratório a partir de plantas se assemelha em composição química aos hidrocarbonetos naturais como o petróleo.

Além disso, observou  que os reservatórios de petróleo em estratos sedimentares são frequentemente relacionados com expressivas fracturas ou falhas presentes imediatamente abaixo dos reservatórios, sinal que o petróleo pode desfrutar estas “quebras” para surgir de grandes profundezas. Observou também que o petróleo está presente, em grandes ou pequenas quantidades, em todos os níveis geológicos de muitas explorações, independentemente das condições de formação desses níveis (o que não faria sentido no caso de petróleo de origem fóssil, sendo este ligado à presença de material orgânico enterrado numa determinada época).

Kudryavtsev introduziu um número de outras importantes considerações, entre as quais:

  • colunas de chamas têm sido observadas durante as erupções de alguns vulcões, às vezes atingindo 500 metros de altura (Sumatra, 1932);
  • as erupções dos vulcões de lama (mud volcanoes) têm liberado tão enormes quantidades de metano que mesmo o mais prolífico campo de gás teria ficado vazio muito antes.

Metano e hidrocarbonetos extraterrestres
O gás metano e muitos outros hidrocarbonetos têm sido detectados em diversas regiões do sistema solar. Como justificar a presencia deste e dos outros hidrocarbonetos em lugares onde, oficialmente, não há vida (matéria orgânica em quantidade suficiente)?

Metano e outros hidrocarbonetos forma detectados nos seguintes lugares:Jupiter, Marte, Saturno (e satélites Japeto, Titão, Encédalo), Neptuno (e satélite Tritão), Úrano (e satélites Ariel, Miranda, Oberon, Titânia e Umbriel), Plutão, Cometa de Halley, Cometa Hyakutake, pó cósmica.

Abundância cósmica e planetária do carbono
O elemento carbono (que na teoria abiogência desenvolve um papel fundamental na criação dos hidrocarbonetos) é o quarto em ordem de abundância cosmológica, precedido apenas por hidrogénio (H), hélio (He) e oxigénio (O). O carbono disponível na nebulosa que originou o sistema solar foi incorporado na Terra no processo de agregação planetária, ficando retido no manto da Terra.

Existência de depósitos de hidrocarbonetos
As reservas convencionais de petróleo deveriam desaparecer no prazo de um milhão de anos, calculo baseado na taxa de hidrocarbonetos que atingem a superfície. Mesmo bloqueado pelas rochas impermeáveis, o petróleo poderia cedo ou tarde continuar o seu percurso rumo à superfície desfrutando dos movimentos naturais das placas tectónicas.

O facto de ainda ter existido (desde o princípio industrial da exploração) abundantes reservatórios subterrâneos parece surpreendente. Surpresa que deixa de existir no caos de reservatórios que se auto-alimentam com a continua produção de novos hidrocarbonetos.

Metano na Terra
O metano é um hidrocarboneto, supostamente de origem orgânica, mas presente no planeta em quantidades enormes. Talvez “demasiado” enormes.
Exemplo típico são os hidratos de metano que existem em condições de alta pressão nas planícies abissais dos oceanos, e cujo improvisa libertação no passado pode ter implicado grandes vagas de extinções.

Depósitos insólitos
Depósitos de hidrocarbonetos são encontrados em áreas condenadas pela tradicional teoria ortodoxa biogênica. Alguns campos de óleo no Vietnam e na Rússia “produzem” hidrocarbonetos a partir de reservatórios posicionados no granito ou em cristais de rocha. No caso do Vietnam (exploração White Tiger), não há nenhuma rocha que possa ser considerada como “fonte” abaixo do nível produtor, o que implicaria uma migração lateral de várias dezenas de quilómetros para poder criar o actual reservatório.

Este são apenas alguns dos indícios que suportam a teoria abiogênica. A lista completa pode ser encontrada neste link.

Mas fica já claro que a teoria tradicional está longe de ser a resposta definitiva: ninguém viu o petróleo formar-se a partir de fósseis ou de forma abiogênica, por enquanto temos teorias. Claro, não estamos perante um pormenor: no caso do petróleo fóssil, as reservas seriam fortemente limitadas, o que introduz o próximo assunto: o Peak Oil.

Ipse dixit.

Fontes: Petrolio, Wikipedia, Youtube, AspoItalia, EcPlanet,  

6 Replies to “O petróleo – Parte I”

  1. Se deixassem de o usar para combustíveis, e os transportes passassem a ser elétricos, o cenário melhorava, não?…

  2. Max,
    não sei se conhece este artigo…

    27 October 2011
    Stars manufacturing complex organic matter?
    by Kate Melville

    An analysis of the spectral emissions from distant stars suggests that compounds of unexpected complexity – some resembling coal and petroleum – exist throughout the universe and are being made by stars. The proponents of this controversial idea, Professors Sun Kwok and Yong Zhang of the University of Hong Kong, argue their case in the current issue of the journal Nature.
    http://www.scienceagogo.com/news/20110926200551data_trunc_sys.shtml

  3. "O geólogo russo Nikolai Alexandrovitch Kudryavtsev, defensor da teoria abiogênica, argumentou que nenhum hidrocarboneto produzido em laboratório a partir de plantas se assemelha em composição química aos hidrocarbonetos naturais como o petróleo."
    Olá Max: já tentaram e/ou conseguiram fabricar petróleo em laboratório?
    Simples curiosidade. Abraços

  4. P.P.P.!
    Vou logo ler, obrigado!

    Maria!
    Não, eu nunca tentei. Talvez por não ter um laboratório e não perceber nada de química.
    Outros: não sei. Diamantes sim, com sucesso (e custos muito elevados), mas petróleo não sei. Vou ver.

    Abraço!

  5. Grande Max; muito obrigado pela atenção é esclarecedor e permite conjecturar que ou não se sabe bem a origem e acima de tudo a duração do peróleo ou então sabem muito bem mas preferem omitir…é que a teoria do fim do petroleo a par de outras teorias como o aquecimento global podem servir para manter o animal humano em constante sobressalto…e mais facilmente manobravel…porque na maior parte das vezes, a História não é bom como nos contam…
    Grande abraço.

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