Origens: o Homem – Parte II

Pensa-se que os primeiros primatas apareceram 85 milhões de anos atrás (vamos abreviar em 85 ma), num período conhecido como Cretáceo.

Purgatorius, o rato-macaco

Exemplo destes primeiros Primatas (que Primatas não eram: é correcto falar de espécies com algumas das características dos Primatas) é o Purgatorius,(imagem à direita), algo parecido com um esquilo, vivido na América do Norte 65 ma.

A data é importante, pois estamos pouco após a grande extinção dos Dinossauros. É provável que durante o reinado dos grandes repteis, os proto-primatas ficassem bem caladinhos, tentando não dar muito nas vistas para não serem transformados em suculentos almoço: situação que mudou após a Grande Extinção, quando os antigos Primatas tiveram mais possibilidade de evoluir com uma certa tranquilidade.

O Purgatorius era um animal pequeno, era omnívoro, vivia nas árvores e distinguia-se da restante família dos ratos por ter dentes com uma estrutura parecida com aquela dos Primatas. Este minúsculo animalzinho foi o antepassado ancestral dos modernos macacos e do homem também? Assim parece.

Plesiadapis, o quase-esquilo

Outro passo importante na direcção dos Primatas foi o Plesiadapis, vivido 58-55 ma na Europa e na América do Norte. Também este muito parecido com um esquilo, mesmo nas dimensões, na realidade não tinha nada a ver com o simpático bichinho actual.

Mas o excepcional estado de conservação dos fósseis (num dos quais foram encontrados restos da pele, dos pelos e uma causa completa) permite uma reconstrução do seu aspecto bastante precisa.

O Plesiadapis tinha os olhos posicionados nos lados, como o Purgatorius, o que não permite a visão tridimensional, mas o volume do crânio era maior quando comparado com os animais similares; com um peso de apenas dois quilogramas, provavelmente vivia nas árvores, sendo um hábil trepador, mas a constituição permitia-lhe também a deslocação no terreno, com as quatros patas.

O Plesiadapis, tal como o Purgatorius, não era um Primata, mas reunia algumas características que mais tarde serão encontradas nos macacos e nos homens. 

Esosimia: Made in China

Um problema surge com sucessivo género dos Esosimias: eram Primatas, e disso não há dúvidas, só que foram descobertos na China e isso não bate certo com as teorias mais difundidas.

Os cientistas tendem a considerar a África como o berço evolutivo dos Primatas, mas as Esosimias contradizem esta ideia: de facto, não apenas eram Primatas como também pertenciam à subordem dos Catarrhini, o mesmo dos modernos seres humanos. E sugerir o aparecimento de Primatas em várias partes do planeta ao mesmo tempo não faz sentido: mais provável que a partir da China as Esosimias conseguissem alcançar o continente africano, onde teriam continuado o processo evolutivo.

Assim, estabelecidas (por enquanto) as origens asiáticas dos Primatas, como eram e que faziam as Esosimias?

Na imagem ao lado é possível observar uma reconstrução obtida a partir dos ossos encontrados. Os mesmos ossos e dentes fornecem importantes informações acerca dos hábitos.

Apesar do aspecto de gato histérico, a Esosimia Sinensis era uma macaco de dimensões muito reduzidas: vivido entre 45 e 40 ma, tinha uma peso entre 60 e 120 gramas, a sua comida era composta por vegetais e pequenos insectos, provavelmente procurava a comida durante a noite e era capaz de trepar ou andar de quatro patas no chão. Isso embora a maior parte da vida fosse passada nas árvores, onde era mais simples proteger-se dos predadores.

Este pequeno macaco pode ser visto em definitiva como o nosso mais antigo antepassado directo. O antepassado de todos os homens (e dos macacos também), sem excepções. A Esosimia Siniensis proporciona a primeira evidência do relacionamento entre os proto-primatas (os animais com as primeiras características dos Primatas, como o Purgatorius, os que provavelmente viveram desde 85 ma) e os antropóides, seres com características em comum com o homem moderno.

Uma dúvida

Nesta altura pode surgir uma dúvida: África, Ásia, América…mas como é possível que estes bichos pré-históricos percorressem tais distâncias? Não tinham mais nada para fazer? Como atravessaram o Oceano Atlântico, por exemplo?

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A dúvida surge porque estamos habituados a ver o planeta, com os seus mares e continentes, como algo de imutável, mas assim não é. Ao longo das épocas, os continentes mudaram muitas vezes de posição, naquela que é chamada a Deriva Continental. Até 225 ma, por exemplo, existia um super-continente, chamado Pangeia; mais tarde, Pangeia partiu-se originando Laurasia e Gondwana. 

Laurasia era o conjunto das actuais América do Norte, Europa e Ásia, enquanto Gondwana incluía as actuais América do Sul, África, Índia, Antárctica e Oceania. Até 55 ma, Ásia, Europa e Gronelândia estavam unidas, o que explica as movimentações dos primeiros primatas que não encontravam obstáculos naturais (como mares) nas deslocações. 

Uma curiosidade: Gondwana era nas tradições hindus um continente agora desaparecido no Oceano Indiano, do qual também a Índia fazia parte com outras terras. Constituía a terra natal dos Gond, hoje sediados no Estado indiano de Chattisgarh.

Os cientistas modernos reutilizaram o nome Gondwana para indicar algo de muito diferente, todavia é interessante realçar que na teoria da Deriva Continental a Índia teve de facto um percurso que desde as costas da actual África implicou uma lenta migração para Norte, atravesso daquele que hoje é conhecido como Oceano Indiano.

Curioso, considerado que na altura não havia oficialmente ninguém para tomar nota do acontecimentos… 

Mas voltemos ao discurso da Deriva Continental: existem provas de que realmente aconteceu um tal fenómeno? Sim, mais do que uma:

  • a correspondência na composição mineral das terras nos pontos que antigamente constituíam o contacto entre os vários continentes;
  • a correspondência geográfica das mesmas terras, como os perfis da América do Sul e da África ocidental;
  • a correspondência climatéricas, com climas e habitat um tempo idênticos em terras hoje separadas por milhares de quilómetros;
  • a correspondência da fauna e da flora nas mesmas terras hoje separadas, com fósseis das mesmas espécies em continentes hoje separados.

Resumindo, a teoria da Deriva Continental não pode ser hoje seriamente refutada. A não ser que alguém consiga demonstrar que uma planta da América do Sul foi capaz de construir um barco para deslocar-se até a África…

Uma certa confusão

Muito bem: temos os proto-primatas, temos o primeiro Primata, e agora? Agora a história se torna confusa.
Uma vez livres da ameaça dos grandes dinossauros, os Primatas (mas não apenas eles) puderam evoluir e dividiram-se em muitos grupos.

É importante entender que este é um percurso comprido, que desde os primeiros quase-Primatas leva até o aparecimento dos primeiros macacos e, sucessivamente, da raça humana. Cada divisão (e as divisões não faltam nas linhas seguintes) é um aperfeiçoamento neste sentido: cada vez Primatas mais “especializados”, cada divisão aproxima aos macacos hoje conhecidos e aos homens modernos.

Até que os primeiros macacos começaram a aparecer um pouco por todos os lados.

40 ma os Primatas dividem-se em duas subordens: Strepsirrhini e Haplorrhini: da primeira fazem parte os actuais lémures (as prossímias), da segunda os macacos (e os homens).

30 ma uma nova divisão: os Haplorrhini dividem-se em Platyrrhini e Catarrhini. Os primeiros colonizarão o Novo Mundo, enquanto os segundos ficarão na região africana. 

A separação entre América do Sul e África tinha começado 55 ma, pelo que os macacos do Novo Mundo tomaram uma direcção distinta, desenvolvendo em animais de pequeno e médio porte, com hábitos ligados as árvores: bom exemplo disso é a Branisella, o mais antigo Primata do Sul América (30-25 ma).

Os restos da Branisella são muitos, mas a maior parte incluem apenas dentes, pelo que reconstruir o aspecto geral é complicado: provavelmente as dimensões eram reduzidas, na ordem da quilograma, a dieta era de tipo vegetariano (fruta) e tinha hábitos diurnos.

Interessante o facto da dentição da Branisella ter muitas analogias com a homologa do Proteopithecus, vivido na zona do moderno Egipto na mesma época. Isso cria uns problemas, pois como vimos os dois continentes estavam já separados; por isso, ou alguns exemplares conseguiram atravessar o Oceano Atlântico (que na altura tinha dimensões bem mais reduzidas, acerca de 700 km: mesmo assim, não é simples atravessar 700 quilómetros de água sem uma imbarcação …), ou existiu um Primata anterior na América do Sul, ainda não descoberto (o que parece fazer mais sentido).

Gibraltar Barbary Macaque

E no resto do mundo? No resto do mundo outra divisão: 25 ma os Catarrhini dividem-se em dois grupos, Cercopithecoidea (os antigos macacos) e Hominoidae (os macacos mais modernos, entre os quais aparecerá o homem).

Dos primeiros ainda existem os descendentes: são os macacos que vivem em Gibraltar, os Barbary Macaque, únicos macacos da Europa.

Dos segundos será importante seguir as sucessivas fases evolutivas, pois é entre eles que poderão ser encontrados os primeiros homens. Mas ainda é uma viagem muito longa…

Ipse dixit. 

Relacionados:
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3 Replies to “Origens: o Homem – Parte II”

  1. Olá Max: vê só! grandes, grandíssimas catástrofes naturais (as detalham os mapas, supostamente), e o planeta continuou "evoluindo", ou seja, multiplicando sistemas complexos.
    Legal quando tu chegares ao homo sapiens e…para onde? Muito, mas muito rápido mesmo, não de volta, mas simplesmente "involuindo", penso eu.
    Acho que a nossa geração e as muitas próximas que hão de vir testemunharão o declive da linha da evolução. Nós, homens cibernéticos (mesmo aqueles que nunca sentaram a frente de um computador, quer dizer, a maioria) creio que pertencemos a esta variante que:
    1.possui esqueleto frágil,
    2.desenvolve resistência a certos males, enquanto torna-se meio de cultura para outros novos e incontáveis, natural e/ou artificialmente,
    3. não tem força/resistência físicas, comparados a seus antecessores,
    4. tem sérios desvios no equilíbrio mental e emocional,caracterizando-se por medos, surtos de pânico,delírios,psicopatias, etc.
    5. manifesta regressão acentuada dos sentidos: enxerga pouco,ouve pessimamente,come qualquer porcaria (paladar confundido), não distingue quase nada pelo tato, fala pouco.
    6. substituiu propriedades essenciais, como intuição, compaixão e sociabilidade por outras artificiais e adquiridas, tais como cientificidade,crueldade planejada e individualismo egoísta.
    7. perdeu recursos de mobilidade e rapidez, se utilizando dos membros.
    8. desenvolveu formas artificiais de interlocução instantânea e intensiva, anulando boa parte das capacidades de: apreensão, entendimento, interpretação e memorização.
    9. responde mentalmente por reflexo condicionado,e corporalmente por adição de pedaços alheios mais saudáveis ou artificiais,
    10. interage com máquinas para pensar, não mais com outros animais humanos ou não ou com a natureza de maneira geral.
    Certo ou errado, bom ou mau, muito antes pelo contrário, eis nós, a humanidade cibernética.Abraços

  2. Pois é Max, só tenho a agradecer o teu esforço em pesquisar sobre a evolução das espécies e por ter feito uma matéria tão acadêmico-científica que em verdade é a história oficial da Ciência. Quero crer, levando em conta a evolução das espécies cientificista, que há um hiato entre o macaco e o "homo sapiens", existe um elo perdido entre a nossa criação e as demais evoluções. Se levarmos em conta os escritos "sagrados" nos é dito que fomos criados a imagem e semelhança de quem nos criou, até acho mais palusível, ainda que esta história seja tida como uma suposta alegoria. Por outro lado penso que não sejamos apenas um coquetel químico que evolui por si só. É sabido que até hoje em nehnum laboratório do mundo foi possível criar um ser humano da forma como o temos hoje, até é possível clonar, mas o clone nada mais é do que uma cópia meramente biológica e que acaba não persistindo. Portanto, entendo que a evolução das espécies como temos hoje é uma profunda bobagem. Se me perguntares qual a origem do Homem vou tedizer que sinceramente não sei, mas com certeza deve ser muito mais "nobre" somente por algumas coisas, pelo amor, pela crueldade, pela compaixão, pela intuição e pela capacidade de discernir entre o bem o mal o que o torna diferente das outras espécies. Logo, alguma coisa há de errada com a evolução das espécies que por si só não se sustenta
    ou com a nossa capacidade de entendimento deve estar muito embotada.

  3. muito obrigada!!!! fiquei realmente sensibilizada por ver que respondeu ao meu pedido de falar sobre a origem do homem e ainda mais pelo trabalho de pesquisa que deve ter tido. Muito bom o post, Bj

Obrigado por participar na discussão!

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