Um mundo que muda

De Pepe Escobar publicámos o artigo do passado dia 14 de Junho, dedicado aos Mundiais de Futebol.

O jornalista de São Paulo é agora entrevistado por Salvador López Arnal de Rebelión acerca dum outro assunto: a geopolítica.

Washington e os novos blocos contra-hegemónicos

Num recente artigo publicado pelo Asia Times Online, falou da “dominatrix”. Parabéns pela terminologia encontrada. Porque acha que o Secretário de Estado americano (Hillary Clinton) se encaixa bem nesse termo? Não melhoraram as formas de política externa da administração Obama?

Hillary é uma dominatrix no sentido de que é capaz de dominar todo o Conselho de Segurança das Nações Unidas, em vez de admitir o fracasso da própria diplomacia. Talvez tenha aprendido com Bill … Ou talvez todos eles são masoquistas.

Não, não. A principal razão é que a China e a Rússia se deixam dominar. China e Rússia decidiram que era melhor deixar a estridente Hillary dominar o palco por alguns dias, e trabalhar em silêncio para atingir o próprio objectivo: colocar sanções “light” sobre Teheran. Quanto ao Irão, os Estados Unidos são cegos, vêem tudo vermelho. O mesmo é verdadeiro em relação ao estado de Israel, vêem tudo celestial.

O núcleo do seu artigo recente “O Irão, Sun Tzu e la dominatrix” é o acordo entre a diplomacia do Brasil, da Turquia e do Irão sobre o desenvolvimento nuclear deste último País. O que é esse acordo?

É essencialmente o mesmo acordo proposto pelos Estados Unidos em Outubro de 2009. A diferença é que, tal como proposto em 2009, o enriquecimento de urânio era para ser realizado em França e na Rússia e agora, através do acordo, terá lugar na Turquia.

A principal diferença está no método. Brasil e Turquia comportaram-se com diplomacia, sem polémicas e respeitando as razões iranianas. Outro detalhe importante: tudo o que fizeram já tinha sido discutido em detalhe em Washington. Quando foi apresentado um resultado concreto, quando se chegou a um acordo com o Irão, em Washington, permita-me a metáfora da guerra, atirou-lhes um tiro nas costelas.

Não é uma novidade nas relações internacionais que o Brasil e a Turquia, dois Países que não se opõem aos EUA, entrem em jogo neste processo? Porque acha que apostaram nesta estratégia de forma independente? O que ganhariam? O Irão não é muito, muito distante do Brasil?

Cada País tem as próprias razões para expandir o seu mapa geopolítico. A Turquia quer projectar-se como um grande actor, realmente importante no Médio Oriente. Por isso tem uma política por assim dizer pós-Otomana, organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, professor Ahmet Davutoglu.

Mesmo o Brasil, com uma política muito inteligente de Lula e do seu ministro, Celso Amorim, quer posicionar-se como um mediador honesto no Médio Oriente. O Brasil é parte do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que eu acho ser actualmente é o real poder contra a hegemonia unilateral dos Estados Unidos. Se há duas semanas tem discutido formalmente a sua adesão em Brasília, a Turquia seria parte do grupo, que passaria então a ser chamado BRICT. Esta é a nova realidade geopolítica global. E, sem dúvida, as velhas elites de Washington tornaram-se lívidas.

Não parece, como observou, o acordo ter gerado entusiasmo na Secretaria de Estado e nos governos europeus. Porquê? Preferem que o caminho diplomático não continue para poder ir em frente com as sanções até um cenário de guerra? Se assim for, o que ganham com isso? Não haveria muitas frentes abertas ao mesmo tempo?

Do ponto de vista da política interna dos Estados Unidos, o que interessa em Washington é mudar o regime. Pelo menos há três tendências em disputa. Os “realistas” e a esquerda do Partido Democrata que estão a favor do diálogo; a ala do Pentágono e dos serviços secretos querem pelo menos algumas sanções, e os republicanos, os neocolonialistas, a lobby de Israel e a secção Full Spectrum Dominance do Pentágono querem uma mudança de regime também com a via militar, se for necessário.

Os governos europeus são os cachorros de Bush ou de Obama. São inúteis. Há vozes influentes em algumas capitais europeias e em Bruxelas. Eles sabem que a Europa precisa do petróleo e do gás iranianos para não ser reféns da Gazprom. Mas são uma minoria.

Acredita que o governo iraniano aspira, assim como as suas declarações, a possuir uma arma nuclear? Para obter o respeito? Para dobrar Israel? Para atacar? Paquistão Nuclear, Índia nuclear, Israel nuclear, Irão nuclear. Toda esta área não se tornaria um verdadeiro barril de pólvora?

Eu fui muitas vezes no o Irão e estou convencido: o regime iraniano pode causar raiva mas não é um sistema suicida. O líder supremo em várias ocasiões, anunciou uma fatwa declarando que as armas nucleares são “anti-islâmica”. A Guarda Revolucionária supervisionam o programa nuclear do Irão, sem dúvida, mas estão conscientes de que as inspecções e a vigilância da AIEA, Agência Internacional de Energia Atómica, são muito sérios. Se apontassem para o desenvolver duma bomba atómica rudimentar seriam descoberto de imediato.

De facto, o Irão não precisa de nenhuma bomba atómica. Um arsenal militar high-tech é suficiente, uma tecnologia cada vez mais avançada. A única solução correcta seria uma total denuclearização do Médio Oriente que Israel, é claro, com as suas duas centenas ou mais de mísseis nucleares, não aceita e nunca irá reconhecer.

Qual o papel que a Rússia desempenha nesta situação? Lembrou que a usina nuclear de Bushehr foi construída pela Rússia, que ali estão em curso os últimos testes e que, provavelmente, será aberto neste Verão.

Bushehr deverá ser inaugurada em Agosto, depois de muitos atrasos. Para a Rússia, o Irão é um cliente preferencial em termos de armas nucleares. Os russos estão interessados a que o Irão continue desta forma, que a situação não mude. Não querem o Irão como potência nuclear militar. É um relacionamento com muitos nós, mas sobretudo comercial.

No seu artigo cita o velho general e estrategista Sun Tzu. Recorda um aforismo do filósofo chinês: “Deixa o inimigo cometer os seus erros e não corrigi-los”. Afirma que China e Rússia, que são mestres estrategistas, estão a aplicar esta máxima com os EUA. Quais erros estão a cometer os EUA? As suas estrategistas são tão desajeitadas? Não leram Sun Tzu?

Todos os americanos bem-educados leram Sun Tzu nas universidades. Outra coisa é saber como aplica-lo. China e Rússia, numa estratégia comum com o BRIC, concordaram em deixar os Estados Unidos com a ilusão de conduzir as sanções, ao mesmo tempo  trabalham para mina-las ao máximo e, finalmente, aprovar um pacote de sanções muito “light”. Rússia e China querem estabilidade no Irão com o benefício dos importantes relacionamentos de negócios. No caso da China, é necessário ter em mente que o Irão é um importante fornecedor de gás e isto diz respeito a mais alta segurança nacional.

Estamos, resume, numa situação onde em cima da mesa da Agência Internacional de Energia há um acordo de troca de aprovado pelo Irão enquanto nas Nações Unidas está em marcha uma ofensiva de sanções contra o Irão. O senhor pergunta em quem comunidade internacional deveria confiar. Eu pergunto: em quem da comunidade internacional devemos confiar?

A verdadeira “comunidade internacional”, os Países do BRIC, do G-20, os 118 Países em desenvolvimento do movimento não alinhado, de facto, todo o mundo em desenvolvimento, estão com Brasil, Turquia e a sua diplomacia de não-oposição. Somente os Estados Unidos querem sanções e os seus patéticos ideológicos cachorros na Europa.

Afirma também que a arquitectura da segurança global, guardada por um punhado de terríveis e auto-nomeados guardiões ocidentais, está em coma. Que o Ocidente atlantista mergulha como o Titanic. Não exagera? Não confunde os seus desejos com a realidade? Existe um perigo real de que o naufrágio destrua quase tudo antes de finalmente afundar-se?

O futuro económico está na Ásia e o futuro político é da Ásia e dos grandes Países em desenvolvimento. Claramente as elites atlantista desistem de seus poderes só depois de ver os seus corpos mortos no chão. O Pentágono continua com a sua doutrina da guerra infinita. Mas mais cedo ou mais tarde terá como paga-la. Eu não nego que é uma possibilidade os EUA, num futuro próximo, sob a administração de um lunático republicano de direita, entrarem num período de guerra terrível. Se assim for, será, sem dúvida, a queda deles, a queda do novo Império Romano.

Qual poderosa lobby nos EUA é a favor da guerra sem fim? Quem sustenta e financia essa lobby?

A guerra sem fim é a lógica da Full Spectrum Dominance, a doutrina oficial do Pentágono, que inclui o “cerco” da China e da Rússia, a ideia de que esses países não podem emergir como concorrentes dos EUA, e também fazer todos os esforços para controlar ou, pelo menos, vigiar a Eurásia. É a doutrina do Dr. Strangelove, mas também a mentalidade dos líderes militares americanos e da maioria das elites. O complexo industrial-militar não precisa da economia civil para se sustentar. Tem na própria lista uma enorme quantidade de políticos e de todas as grandes corporações.

Fala da doutrina do Dr. Zbigniew “conquistar a Eurásia” Brzezinski. O ex-comissário para a segurança nacional, afirma, observou que “pela primeira vez em toda a história humana, a humanidade despertou, politicamente, esta é uma nova e total realidade, uma coisa que nunca tinha acontecido antes.” De acordo com esta afirmação? Que parte da humanidade adormecida acordou?

Para as elites dos Estados Unidos o facto essencial é que a Ásia, América Latina e África estão a intervir politicamente duma maneira impensável durante o colonialismo e a descolonização é para eles um pesadelo sem fim. Como dominar aqueles que agora sabem como comportar-se para evitar de ser dominados novamente? É uma questão básica.

Fonte: Rebelión
Tradução: Informação Incorrecta

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