As dúvidas da Federal Reserve

Eis um artigo do blog brasileiro Ambientalismo, sinalizado por Burgos (que agradeço): Ambientalismo relança um artigo de MSIa Informa (se bem percebi), onde que hospeda um artigo de Mario Lettieri e Paolo Raimondi.

Vamos ler.

Se o discurso do presidente do Sistema da Reserva Federal, Ben Bernanke, na reunião anual de banqueiros em Jackson Hole, fosse a introdução de uma dissertação académica, ele teria sido reprovado. Raramente, se ouviu um pronunciamento tão genérico e contraditório sobre a situação económica dos EUA e do resto do mundo.

Indecisões do Fed

Bernanke se disse otimista, mas, ao mesmo tempo, pessimista.

Ele espera uma recuperação mais sólida, mas houve uma queda pronunciada. Ele acreditava em uma recuperação a curto prazo, mas admite que a terapia pode durar um longo tempo.

De concreto, disse apenas uma coisa: o “Fed” comunicará, na reunião de 20-21 de Setembro do seu Comitê de Mercado Aberto Federal [FOMC, na sigla em inglês; semelhante ao Copom brasileiro – n.e.], «os meios necessários para estimular a recuperação económica».

Por suas palavras, ele pode já estar preparando uma outra, o terceiro “afrouxamento quantitativo” [quantitative easing, em inglês], ou seja, a impressão de novos dólares para comprar títulos do Tesouro, que o governo vai emitir para sustentar um deficit crescente e, talvez, alguns investimentos em obras públicas.

Não espanta. A Federal Reserve gostaria de lançar outro Quantitative Easing, isso é, inundar o mercado de dinheiro criado do nada. Os problemas são dois:

  1. Os anteriores QI não deram grandes resultados.
  2. Os Americanos começam a estar fartos destes QI que, lembramos, reduzem o valor dos salários, dos imóveis, dos patrimónios no geral.

Porque, como lembrámos muitas vezes, mais dinheiro em circulação significa mais inflação. E se ainda a inflação nos Estados Unidos não subiu, isso não significa que um próximo QI não possa ser o golpe de graça.

Mas algo é preciso fazer: o acordo alcançado em Agosto sobre o deficit federal foi bom para acalmar os mercados, não para resolver os problemas. Que permanecem intactos.

Recursos perdidos

Vale recordar que, no ano passado, sempre em Jackson Hole, Bernanke anunciou uma nova injeção de liquidez de 600 bilhões de Dólares, que foi totalmente utilizada entre Janeiro e Junho, sem ser capaz de mudar a tendência negativa da crise, da produção e dos empregos.

Tanto que, exaurida essa dose de liquidez, o governo dos EUA encontrou-se no limiar da bancarrota!

Além disso, em três anos, o balanço do “Fed” triplicou, atingindo um montante pouco inferior a 3 trilhões de dólares.

Quem paga é a sociedade

São duas as verdadeiras razões para o adiamento de um mês das medidas anunciadas por Bernanke.

A primeira é que o orçamento fiscal dos EUA fecha no final de Setembro, quando o Governo e o Congresso são obrigados a apresentar o orçamento para 2012 (obviamente, o “Fed” insiste em fazer os cortes mais drásticos nos setores de saúde e de serviços sociais).

A segunda é uma pressão ostensiva sobre o Banco Central Europeu (BCE), para que este aplique a sua própria política equivalente e, eventualmente, anuncie um “afrouxamento quantitativo” europeu, fingindo ignorar que isto poderia fazer implodir a arquitetura da União Europeia. Se há uma coisa que o Bundesbank e Berlim não toleram é o risco de um surto inflacionário.

Os Estados Unidos esperam que o próximo BCE seja aquele do Banco Central Europeu.
Quem seguiu as notícias ao longo dos últimos dia terá de certeza reparado nas delirantes afirmações de Washington, segundo as quais a Europa teria feito pouco para evitar a crise. A ler as palavras do simpático Obama, quase parece que tudo começou no Velho Continente e que a América foi vitima das repercussões.

Normal: estamos perante a tentativa de pressionar as autoridade financeira europeias para que façam algo: e, nesta altura, o melhor “algo” seria um Quantitative Easing em molho europeu, por várias razões.
As mais importantes: a Federal Reserve está farta de ser a única a bombear dinheiro fictício nos mercados (alguém poderia perguntar: mas porquê sempre nós enquanto os outros conseguem sobreviver sem?) e sabe também que estas operações desvalorizam a moeda aos olhos dos investidores internacionais.

E a última coisa que Washington deseja é um Euro forte perante um Dólar débil. Por isso, na cabezinha de Bernanke, melhor arriscar uma explosão inflacionária geral de que ver o Dólar perder terreno.

Recessão?

Em alguns aspectos, o discurso de Bernanke revela a sua impotência como banqueiro central. Em Jackson Hole, ele repetiu oito vezes a palavra “recessão”, que não foi mencionada em seu discurso de 2010.

Por recessão, como se sabe, entende-se a contração do ciclo econômico e uma desaceleração das atividades econômicas. Como resultado, caem o PIB, os empregos, investimentos, utilização da capacidade produtiva, lucros e renda familiar, enquanto aumentam as falências e o desemprego. A inflação tende a cair no começo, mas pode assumir um comportamento oscilante.

De forma típica os governos costumam responder a essa emergência com a geração de maior liquidez, aumento dos gastos públicos e cortes de impostos. Desde 2008, estas medidas não têm funcionado mais.

O mundo ocidental tem experimentado uma recessão do tipo “L”, na qual o braço horizontal tende a ceder, posteriormente. Depois de três anos, todas as escolas de economia não a chamam mais recessão, mas depressão econômica.

Que tipo de crise é esta? W ou L?

Neste tipo de crise, há um queda económica acentuada no início (o que se passou em 2008), uma pequena retoma seguida por uma outra queda e, no final, a recuperação definitiva. Ao reportar num gráfico este andamento, o que temos é algo de parecido com uma letra “W”.

Numa crise a L, pelo contrário, temos uma queda abrupta (o começo da crise) e não há retoma a curto/médio prazo.

Eu acho ser uma crise a W, embora com uma retoma mesmo pequena (mas mesmo muito pequena). No máximo, poderia ser possível falar de crise a “U”, sem uma retoma na parte central. Mas que haverá uma retoma parece-me óbvio: não chegamos ainda no fim da economia capitalista.

A única dúvida é: mas se for uma crise a “U”, já alcançamos o ponto mais baixo?
O problema é que a resposta poder ser “não”.

A tarefa dum banco central, seja estatal, seja privado e corrupto como a Federal Reserve, é sempre a mesma: tomar e sugerir as medidas que possam facilitar a retoma: gerar mais liquidez, aumento dos gastos públicos e cortes de impostos (exactamente o contrário das receitas sugeridas pelo FMI na Europa: curioso, não é? Pois…). Mas estas medidas deixaram de funcionar.

Porquê?
Porque estas são medidas “clássicas” que funcionam numa crise “clássica”.
E não é o nosso caso.

Recuperação?

E é aqui que os gnomos do “Fed” têm andado às cegas. Bernanke fala novamente de uma crise cíclicas, em vez de sistêmica. De fato, no discurso, ele disse que, após a fase de crise cíclica, esperava um «processo natural de recuperação».

No passado, nos EUA, o setor imobiliário e de construção de imóveis sempre funcionou como motor de recuperação. Mas não desta vez. Desde 2006, os imóveis sofreram uma depreciação média de 35%. Acreditar que casas de madeira pré-fabricadas, que chegaram a custar tanto como meio milhão de dólares, possam retornar a este nível, beira as raias da insanidade.

Além disso, o setor imobiliário flutua sobre um mar de 10 trilhões de dólares de títulos, muitos deles “tóxicos”. A metade está relacionada apenas aos dois gigantes hipotecários e fundos mútuos habitacionais, Fannie Mae e Freddie Mac, mantidos artificialmente vivos por “transfusões de sangue” do governo federal.

Os ricos entrarão nessa?

O fracasso da política do “Fed” pode servir como uma lição. Para a Itália, que enfrenta o segundo pacote fiscal, é essencial se concentrar no crescimento e em grandes projetos de infraestrutura. O apoio às atividades produtivas, com mecanismos de crédito públicos-privados para o desenvolvimento não pode mais ser adiado.

Certamente, as contas devem ser equilibradas, mas não se pode refrear o consumo, nem tampouco taxar sempre os mesmos contribuintes. É preciso impor impostos patrimoniais e contribuições das faixas de renda mais altas. Quem tem mais, deve dar mais.

A Federal Reserve não pode falar em “crise sistémica”, pois isso significaria pôr em discussão toda (ou boa parte) da arquitetura que gere os mercados internos e internacionais. A crise sistémica é algo profundo, muito profundo, que requer uma revisão geral.

A “crise cíclica”, pelo contrário, é uma crise que paradoxalmente confirma a bondade do sistema: é prevista pelos dogmas e, portanto, se acontecer é sinal que o sistema funciona da forma prevista.

Pena que os indicadores económicos apontem para uma crise mais grave duma “cíclica”: por isso as medidas clássicas não funcionam nem podem funcionar. O que está corrupto, o que atingiu o limite, é o mesmo sistema.
O sistema está tão corrupto que desta vez nem consegue livrar-se (ou melhor: reciclar) do oceano dos títulos tóxicos que ainda invadem o mercado. Que, desta vez, assustam.

Porque desta vez ficou mais claro que boa parte da riqueza produzia, na realidade, é falsa. Atrás destes títulos não há nada. Atrás do dinheiro criado dum dia para o outro não há nada. Não há uma produção que suporte o nível de riqueza em circulação.

É precisa uma mudança e, como afirmado, deve ser profunda.
E mudança teremos (por isso acredito numa retoma).

Mas, infelizmente, será gerida pelas mesmas pessoas que provocaram a actual crise.

Mais pormenores:

Crise a W?
Quantitative quê?
Melhor uma moeda forte ou débil?

Ipse dixit.

Fontes: Ambientalismo

6 Replies to “As dúvidas da Federal Reserve”

  1. As nossas queridas Famílias já sabem de quanto precisam para continuar a Viver igual, ou melhor… e já puseram alguns meninos a divulgar, assim como que em off-line o valor…

    Mínimo dos mínimos: 100 TRILIÕES de dólares para "recapitalizar a Banca (Deles) Mundial… Coisa pouca…

    E já se começam a ver os 1os movimentos dos seus paus mandados para executar o Plano. Europa já arrancou, EUA vão atrás… em breve e como já escrevi algures os meus caros amigos têm que ir para uma qualquer Avenida ou Rua dar o corpinho ao manifesto e entregar a Receita…

  2. Max:

    Ou o capitalismo sofre uma radical transformação, o que talvez acarrete mudança do próprio nome do regime, ou não haverá futuro. Simples: o planeta não suporta o regime como "concebido". Há projeções de que daqui a pouco necessitaremos de mais outra Terra para manter-mos o nível de consumismo que a humanidade "necessita". Como sobreviverão indústrias sem a conhecida obsolescência programada? Produtos com prazo de utilização já pré-definidos, para que continuemos movimentando os estoques dos parques industriais. Tudo isto tem limite. Nosso planeta tem limite. Não podemos refrear o consumo? Mas chegará o momento que teremos que fazê-lo. Pra mim já passou da hora. Pra cada crise a saída é o incentivo ao consumo, e como num circulo, o planeta paga seu preço pela cobiça do sistema. Não vejo como o capitalismo possa se adaptar à uma nova forma de produção. Não se trata NWO! Pelo amor dos meus filhos! Mas será que não conseguimos enxergar que algo anda tremendamente errado devido a estrutura depredadora em que nossa sociedade atua? Tá tudo errado! Rios poluídos, rios secando, desertificação dos solos, extinção da fauna e da flora, extração mineral desenfreada que provoca cicatrizes no solo, erosão dos solos, escravização de todo ser humano que esteja na base da pirâmide… Maravilha de herança a dos nossos descendentes. Encaminhamos muito bem as coisas pra eles.

    Uma mão invisível, segundo Adam Smith, regularia de forma natural o mercado, mas e sobre nosso planeta? Nada. Já superamos, em muito, a capacidade da Terra de se regenerar. Quanto a mão invisível, hoje, suspeitamos de quem seja. Como Max, também acho que ainda não é o fim do capitalismo, até porque nada do que foi tentado funcionou na hora do vamos ver (pra infelicidade do planeta e de todos nós).

    Pra quem tiver curiosidade e quiser se inteirar, há um documentário que se chama: Obsolescência Programada.

    Até.
    Walner.

  3. Olá Walner!

    Um breve esclarecimento.

    Eu não acho que o Capitalismo irá continuar, pois na verdade ele morreu há muito, muito tempo. Foi assassinado, para ser precisos, ainda antes da Revolução de Outubro.

    O que acho é que o actual sistema continuará, de certeza. Mas isso não tem nada a ver com o verdadeiro Capitalismo.

    Para perceber é suficiente pensar nisso: uma das chaves do Capitalismo é a livre concorrência, sem a qual não pode haver Capitalismo, de forma nenhuma.

    Agora, pensem na "livre concorrência" no âmbito do petróleo, só para fazer um exemplo.
    As companhias são poucas, pois o que temos é uma oligarquia, que é a antítese do Capitalismo.

    Quanto à Nova Ordem Mundial. De facto seria melhor utilizar um outro termo, pois este está "queimado". Ao falar de NWO hoje o pensamento abrange estranhas cerimonias, ritos seculares, livros secretos, origens ancestrais, Templários e tudo o resto.

    A verdade é muito mas prosaica e terrena: esqueçam os sacerdotes, esqueçam Maria Madalena, esqueçam os alquimistas, aqui os protagonistas são as poucas famílias que regem o sistema dos bancos, da economia e da finanças.

    Isso com a cumplicidade dos políticos corruptos (e neste caso é só escolher).

    Podem pôr de lado o aspecto folclorista, pois aqui falamos de pessoas verdadeiras, normais (se é assim for possível defini-las)
    que gerem uma riqueza imensa e, sobretudo, um poder quase sem limites.

    Isso é a NWO, nada mais do que isso.

    Abraço!!!

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