UE: chega o Green Pass das habitações?

A Europa está a tornar-se cada vez mais um curioso laboratório na direcção dum novo mundo “verde”. Após a proposta legislativa, apresentada em Julho passado, de poder vender apenas veículos com “emissões zero” a partir de 2035, bloqueando assim os motores movidos por gasolina, gasóleo e gás, a Comissão Europeia está prestes a lançar uma nova Directiva, uma espécie de green pass para as habitações.

O diário italiano Il Messaggero teve acesso ao esboço da nova Directiva, confirmada pela agência noticiosa Reuters.

Nenhuma venda ou aluguer poderá ser concluída se a casa desperdiça energia: a Directiva define a classe de eficiência energética C como a mais baixa a partir de 2033, ano em que todas as outras construções poderão ser colocadas no mercado apenas com o compromisso de atingir os requisitos no prazo máximo de 36 meses.

E não é tudo. Até 2035 todas as propriedades na União Europeia terão de cumprir as novas normas, com a proibição de venda ou arrendamento de propriedades já em 2027 para a classe energética E e, a partir de 2030, para aqueles de classe D. Finalmente, até 2050 todos os edifícios terão de ter uma emissão zero. A Directiva encontra-se de momento na fase de projecto, mas deverá ser oficialmente apresentada no prazo de poucos dias (a 14 de Dezembro).

Mas quais são as casas de classe G? Simples: qualquer casa que tenha 30 anos ou mais, e que nunca tenha tido trabalhos mirados, é quase certamente uma casa de classe G. Todas as casas antigas nos centros históricos, a menos que tenham sofrido recentes renovações, são normalmente de classe G, mas mesmo a maioria das casas que à primeira vista parecem mais modernas, como as construídas nos anos ’70, inserem-se nesta categoria. Algo melhor em termos de eficiência energética pode talvez ser encontrado nos edifícios dos anos ’80 e ’90.

De facto falamos de prédios que apresentam:

  • isolamento da cobertura inexistente ou insuficiente e inadequado;
  • instalações desactualizadas, tanto em termos de produção de calor como em termos da sua regulação e distribuição;
  • nenhuma fonte energética renovável.

Quanto pode custar elevar a classe energética da nossa casa? Obviamente tudo depende de muitas variáveis: o sito PrezzoLuce, especializado no fornecimento de energia eléctrica para habitações e empresas, apresenta uma estimativa os 200 e 700 Euros por metro quadrado, baseada no mercado italiano dependente do tipo de intervenção.

No caso de Portugal, a estimativa pode baixar mas não em demasia (a página da Cetelem calcula as despesas “na ordem dos 250 Euros, para uma habitação T1 a T3, e de 300 Euros, para uma moradia com cerca de 200 metros”, mas os valores são do ano de 2016). Além disso é preciso ter em conta eventuais comparticipações estaduais, mas isso varia a segunda dos Países.

No geral, as intervenções que uma casa com necessidades de baixa classe energética costumam ser as seguintes:

  • instalação de novas janelas e portas para evitar correntes de ar indesejadas;
  • criação de um revestimento externo para assegurar o isolamento térmico da casa;
  • substituição dos vários sistemas ligados à gestão energética (aquecimento, iluminação, etc.);
  • sempre que possível, a instalação de painéis fotovoltaicos para adoptar fontes renováveis.

Portanto, tomando como exemplo uma casa de 80 metros quadrados, é possível calcular de forma aproximada o custo da intervenção:

  • Intervenção essencial: 6.000 – 16.000 Euros
  • Intervenção média: 16.000 – 36.000 Euros
  • Intervenção profunda: 36.000 – 56.000 Euros

Repetimos: no caso de Portugal as estimativas podem ser um pouco mais baixas, mas os custos continuam elevados e para intervenções profundas (e mesmo evitando os caros paneis fotovoltaicos) nunca ficam abaixo de algumas dezenas de milhares de Euros.

Que fique claro para que não haja dúvidas: melhorar a eficiência energética dos prédios não apenas não é mau como é altamente positivo. É fortemente desejável que todas as casas possam melhorar a respectiva classe de eficiência energética. Os custos de renovação são na verdade um investimento que no longo prazo será amortizado graças a uma melhor gestão da energia da casa que levará a um menor consumo e a uma poupança nas despesas. Além da vertente energética há também questões de saúde: uma melhor climatização favorece (e de que maneira) o bem estar, uma iluminação mais eficiente tem influencias positivas do ponto de vista sanitário. Num mundo ideal, todas as casa deveriam ser de Classe A+, não pode haver dúvida quanto a isso.

O problema é outro: na actual conjuntura económica, a ideia de desembolsar dezenas de milhares de Euros em muitos casos é irrealista. Estamos no meio duma crise “pandémica”, com medidas de contenção que já atingiram duramente os rendimentos de milhões de famílias; e as perspectivas são incertas, ninguém pode afirmar com certeza quando haverá uma retoma definitiva (se é que haverá…) e em que medida esta irá abranger a grande maioria da população. Neste panorama, como definir uma medida que terá custos na ordem dos milhares de Euros por cada família e no prazo de poucos anos?

Qual será a solução? Simples: pedir um empréstimo (os bancos agradecem) ou, na pior das hipóteses, aceitar de vender o imóvel a um preço reduzido pelo facto de não ter mercado (as imobiliárias e os investidores agradecem) ou de ser fortemente penalizado (lógico descontar os custos das intervenções do preço de adquisição). Depois há a questão das multas que, obviamente, ainda não é possível quantificar.

O comentário da Confedilizia, a confederação dos donos de casas, é duro:

A natureza obrigatória da requalificação energética, para além de inaceitável e dispendiosa, é acompanhada por outras disposições regulamentares absurdas. Os edifícios sem os requisitos mínimos exigidos pela Directiva serão expulsos do mercado de aluguer e venda. No primeiro caso haverá também repercussões sociais evidentes. O número de imóveis colocados no mercado de arrendamento será significativamente reduzido e as rendas crescerão exponencialmente como consequência dos custos enfrentados pelos proprietários para adequar os imóveis.

Tudo isso “afectará também o mercado das vendas, uma vez que todos os imóveis sem os requisitos serão sujeitos a uma desvalorização significativa”.

Em suma, por agora não é claro se a Comissão Europeia, ao promulgar esta directiva, poderá “descarbonizar” os edifícios da Europa, mas certamente que desta forma, afirma a associação, “reduzirá o mercado imobiliário e os proprietários a cinzas”.

Pano de fundo: o dióxido de carbono, sempre ele. Como explica a Reuters, os edifícios produzem mais de um terço das emissões de CO2 da UE e são responsáveis por 40% do consumo de energia. Problema: a UE deu-se o objectivo de reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 em relação aos níveis de 1990.

Sim, leram bem: trata-se de reduzir em mais de metade as emissões tendo como base os dados de 30 anos atrás. Isso enquanto só nos últimos 10 anos a população da União Europeia passou de 429 para 447 milhões de habitantes. E talvez seja mesmo este o problema.

Jane Goodall, etóloga, Mensageira da Paz da ONU, Dama do Império Britânico, Ordem Nacional da Legião de Honra, Prêmio Kyoto, no Fórum Económico Mundial de Schwab:

Não podemos esconder o crescimento da população humana. Todas estas coisas de que estamos a falar não seriam um problema se tivéssemos o mesmo tamanho populacional de há 500 anos atrás.

O que era a população em 1500? 461 milhões. É possível sermos mais? Claro que sim. Mas alguém tem que sofrer.

 

Ipse dixit.

Imagem: a minha casa, Classe Energética A++

5 Replies to “UE: chega o Green Pass das habitações?”

  1. Olá Max!
    Em Portugal, qualquer habitação feita após 2009 (Pelo menos nas Região autónoma dos Açores) já tem que cumprir vários requesitos de modo a obter uma classificação minima de B. Isto leva-me a fazer uma questão. A proíbição de venda ou arrendamento para imóveis de baixa eficiência será para todos os imóveis? Mesmo de construção anterior a 2009 (onde não havia requesitos de eficiência na construção)? Se assim for Max, duvido que esta diretiva seja transposta para Portugal…mas sabendo do gabarito dos nossos políticos, nada me impressiona. Em relação á classificação energética em Portugal a mínima existente agora é F. E deixe-me corrigir uma coisa….esqueçe a idade dos imóveis. Qualquer edifício construído antes de 2009 (quando não havia estes requesitos) pode ter uma classificação mínima. Principalmente construções de anos 90 e 80! Muitas vezes edifícios antigos (com paredes antigas mais eficientes que as de blocos de 20 muito usadas) são mais eficientes que casas da época de 90 ou 80. E mais max… mesmo casas que hoje são A, daqui a uns anos serão B ou C…tal como a sua TV á um anos era A+++ e agora passou para C ou D. Com as atualizações legislativas que existem na C.Energética em média 6 em 6 anos os requesitos são cada vez mais exigentes. Se hoje tens uma casa B e estas descansado com este artigo, quando precisares fazer um novo CE ( têm validade de 10 anos), já terás um C ou D. Isto tem muito que se lhe diga Max, mas resumindo….isto é uma loucura! Estou neste ramo desde 2013 e sei que quem legisla não sabe o que está a fazer…..uma coisa é no papel…outra coisa é na realidade. Abraço!

  2. Tudo conforme… o fim da propriedade privada para os servos.

    Terás a vida cada vez mais lixada (Despesas vs Rendimentos), terás que te endividar cada vez mais, terás de vender tudo o que tens (pouco a pouco), acabarás arrendatário de fio a pavio, subsidio-dependente e por intermédio dos teus pares mais corruptos (nossos capatazes), á mercê dos ditames de teus senhores feudais, como outrora o foi e assim sempre o deveria ter sido.
    … e sejam felizes.
    Ass. O teu senhor Klaus

    Tudo previsto… copy-paste populacional do implementado estatal.

    É devido um agradecimento a todos os que têm votado (comprado) na dupla esquerda-direita (a comprovada banha da cobra) ao longo dos anos. Sem a sua assídua e acrítica participação, não teria sido possível o cumprimento do objetivo ao nível estatal.
    Pede-se só mais um pequeno esforço (alguns anitos), para a finalização do plano ao nível populacional.
    Sugere-se que sigam o exemplo do povo português, que obedientemente e diligentemente seguem (quase todos) o ordenado pelos seus corruptos cleptocratas á décadas.
    Um povo onde quase todos pouco têm e têm menos a cada ano que vivem.
    … e não vos parece serem felizes?
    Eu cá nunca os vi mudar de rumo, ou sequer tentar, daí a resposta só poder ser…
    … uma questão de lógica.

    Um pouco de sarcasmo, fica sempre bem não acham?

  3. Já pensei muito em morar em Portugal, mas hoje dou graças por morar no Réu de Janeiro, nasci em Salvador/BA, o estado mais violento do mundo, mas sempre vivi aqui. A pergunta que não quer calar, e quem não tem dinheiro para bancar toda essa reforma, faz o quê ? muda para o Brasil ?

  4. Olá Max e todos: do que vocês estão falando: de cidades novinhas em folha, tipo Dubai, ou de cidadezinhas maravilhosas de Portugal, justamente porque suas casas, todavia habitadas e com energia elétrica, datam de até 2000 anos???
    Pensem bem…isso só pode ser piada, aplicada à velha Europa. E justo por causa da antiguidade, considerada um lindo museu a céu aberto, peças incríveis de uma antiguidade que não pode ser desconstruída.
    De um golpe só querem acabar com a história visível, com a memória viva dos portugueses, com o turismo inteligente e com a propriedade domiciliar das famílias. !!!???
    O Manuel Pinheiro está coberto de razão, isto é absurdo, inviável. O sonho de qualquer pessoa é ter sua casa, onde viverá sua família ou ele/ela próprios. Possuir seu território por simples e minúsculo que seja é uma característica humana !
    E estas medidas, entre outras coisas, proíbem, pouco a pouco as pessoas de terem bens móveis e imóveis, de possuírem qualquer coisa pois a manutenção terá sempre de renovar, modificar, comprar novamente, e com isto destruir a história domiciliar, em função do custo de atualização.
    Conseguirão , deste jeito, aquela maldita expressão: não terás nada. Quanto a : e serás feliz, só se conseguirem extirpar completamente a capacidade de pensar das vítimas.
    Isso não se implanta no Brazil… de jeito nenhum. A estreita ligação que temos com um espaço nosso, a tristeza que nós brasileiros sentimos de viver de aluguel ou sem teto é maior que qualquer espírito de conformação, neste caso.
    Só estimo que os portugueses reajam á letargia e digam não, se tais absurdos virarem lei, ou não forem só uma brincadeira de mau gosto.

Obrigado por participar na discussão!

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