As culturas do norte da Gronelândia, a ilha quentinha

Arqueologia… e ambiente, tudo junto!

Nestes anos infelizes somos bombardeados com previsões catastróficas acerca do Aquecimento Global. Um dos maiores perigos apresentados é o desaparecimento dos glaciares e, no geral, das zonas cobertas de gelo ao redor do planeta. Um desastre, nas palavras dos “aquecedores”. O ponto de partida? Muito curioso: o planeta não pode mudar mas tem que ficar tal como é para que os humanos não fiquem incomodados. No máximo, pode mudar mas devagarinho, para não assustar ninguém. Um pouco egocêntrico, não é?

Na verdade, o Homem sempre teve que adaptar-se aos “caprichos” do planeta, como é justo que seja. E estes “caprichos” nem sempre acontecem com a velocidade por nós desejada.

Por exemplo, pegamos na Gronelândia. Hoje em dia a ilha está quase inteiramente coberta por uma espessa camada de gelo, que em alguns pontos chega a alturas de quilómetros. Nem sempre foi assim. Sabemos, por exemplo, que durante a Idade Média um grupo de Vikings colonizou a parte meridional da ilha, onde ficaram alguns séculos. Mas ao recuar ainda mais podemos ter surpresas: e descobrir que na Pré-História até as costas mais a Norte estavam habitadas. Falamos aqui de menos de mil quilómetros de distância do Polo Norte.

Deltaterrasserne é um antigo local pré-histórico descoberto e escavado em Setembro de 1948 pelo explorador e arqueólogo dinamarquês Eigil Knuth, localizado ao longo do fiorde Jørgen Brønlund na península de Peary Land: é um dos fiordes mais setentrionais de toda a Gronelândia. Mas Deltaterrasserne não é o único: a arqueologia identificou até agora pelo menos outras quatro diferentes fases de ocupação humana ao longo das zonas costeiras, denominadas respectivamente:

  • Cultura Saqqaq (Gronelândia do Sul, 2500 a.C. a 900 a.C. )
  • Cultura da Independência 1 (Gronelândia do Norte, de 2400 a.C. a 1400 a.C.)
  • Cultura da Independência 2 (Gronelândia do Norte, 800 a.C. a 100 a.C.)
  • Início de Dorset (Sul da Gronelândia, 700 a.C. a 200 a.C.)

As divisões apresentadas não são tão rígidas como podem parecer: é provável que tenha havido sobreposições entre as várias fases. Em qualquer caso, como é possível observar, duas destas culturas desenvolveram-se no norte da ilha, onde as actuais condições climatéricas tornam impossível a vida.

A aldeia de Deltaterrasserne, que faz parte da Cultura Independência 1, foi construída com grandes terraços de pedra, entre 5 a 23 metros acima do nível do mar. Esta grande área foi habitada desde pelo menos desde 2050 até 1750 a.C., tornando este povoado o local Neolítico mais setentrional do mundo, acerca de 82° latitude Norte: uma distância de aproximadamente 870 km do Polo Norte geográfico.

É no norte da Gronelândia que foram encontrados alguns dos assentamentos humanos mais antigos: não só Deltaterrasserne mas também os lugares conhecidos como Adam C. Knuth em Frigg Fjord (ainda mais a norte, mas talvez não habitado de forma continuada), Solbakken e Pearylandville. Estes sítios levantam questões sobre um clima ameno e favorável em latitudes hiperboreais, que hoje em dia temos dificuldade até em imaginar.

Na nossa era actual, as temperaturas máximas em Deltaterrasserne variam entre -50°C no Inverno e 13/14 graus no Verão, com uma média de -30°C em Março e 3.5°C em Julho. Um clima fresquinho, sem dúvida. Mas de acordo com os mais recentes estudos, as duas culturas mais antigas (Saqqaq e Independência 1) faziam parte de uma civilização única e mais complexa, e ambas partilhavam características com outras culturas Neolíticas como a de Nunavut (no Canada) e da Eurásia do Norte.

Mapa dos sítios arqueológicos mais importantes no Norte da Gronelândia

A civilização Saqqaq (do nome do lugar onde foram encontrados muitos achados arqueológicos) foi a primeira civilização a estabelecer-se no sudoeste da Gronelândia e existiu entre de cerca de 2500 a 900 (talvez 800) a.C. Esta civilização coexistiu com a civilização Independência I da Gronelândia do Norte (que se desenvolveu por volta de 2400 a.C. e durou até cerca de 1400 a.C.). Portanto: mil anos durante as quais o clima era tão diferente do actual ao ponto de permitir a vida de comunidades aí onde hoje podemos encontrar só focas e ursos polares.

Após o desaparecimento de Saqqaq (por razões desconhecidas), surgiu outra civilização: a Cultura Independência II no norte da Gronelândia. A Cultura Independência II tem sido considerada um meio termo entre as primeiras civilizações e a Cultura Dorset, que chegou à Gronelândia por volta de 700 a.C.; alguns estudos sugerem que a Cultura Independência II e a Cultura Dorset I poderiam ter sido a mesma civilização em diferentes fases evolutivas.

A Cultura Dorset viveu na Gronelândia até cerca de 300 d.C. e foram encontrados artefactos a norte de Inglefield Land, na costa ocidental, e na área de Dove Bugt na costa oriental. A maioria dos estudiosos acredita que após o colapso da originária cultura Dorset, a ilha permaneceu desabitada durante vários séculos até à chegada da cultura Dorset Tardia, que apareceu por volta de 800 d.C.: esta estabeleceu-se na parte noroeste da ilha, e desapareceu perto de 1300 d.C.. No entanto, esta cultura Dorset Tardia era mais atrasada tecnologicamente, mais atrasadas do que os Inuítes e dos seus predecessores: por exemplo, não tinham cães, necessários para os trenós, e isto limitava os movimentos; não usavam arcos e flechas, e nem tinham os barcos necessários para a caça à baleia (o que, por sua vez, limitava a capacidade de alimentar povoações com muitos indivíduos).

Bem mais interessantes as Culturas anteriores. Deltaterrasserne, por exemplo, foi construída com pedras de grandes dimensões e as construções estão espalhadas por 800 metros. O mais alto dos terraços foi baptizado (com pouca fantasia) Terrace e revelou ruínas com restos de tendas, lareira central, carvão, barro de cascalho e esconderijo para a carne. Há outros Terrace que apresentam características parecidas: e foi notada uma semelhança impressionante entre as habitações de Deltaterrasserne e as da Eurásia do Norte. Isso no deve surpreender: a posição geográfica da Deltaterrasserne, combinada com as temperaturas significativamente mais elevadas das actuais, facilitava a circum-navegação da Gronelândia e de todo o polo árctico, permitindo uma ligação conveniente entre a Eurásia e o continente americano, bem como uma saída igualmente fácil através do Estreito de Bering entre os oceanos Árctico e Pacífico.

A Venus de Nordostrundingens em marfim, encontrada no nordeste da Gronelândia em 1939.

Centenas de artefactos orgânicos ou líticos foram recuperados. Os artefactos orgânicos incluíam artigos como machados, madeira queimada, paus pontiagudos, pinos e rolos de casca de bétula; depois restos de aves, peixes, e mamíferos; bicos de fogão, micro-lâminas, agulhas de ossos trabalhados, fragmento de flechas…

Moral: a Gronelândia não foi sempre uma ilha coberta de gelo mas sofreu os efeitos de vários aquecimentos e resfriamentos ao longo do tempo. E as datas mostram que tais fenómenos não decorriam ao longo de milénios mas durante espaços de tempo bastante reduzidos, na ordem de poucas centenas de anos.

A prova pode ser encontrada nos isótopos de oxigénio do gelo que sugerem como o período quente medieval causou um clima mais ameno na Gronelândia, entre 800 e 1200 a.C.. Contudo, no século XIV, o clima começou gradualmente a arrefecer e a chamada “Pequena Idade do Gelo” atingiu o seu pico na Gronelândia por volta de 1420 (referência em William W. Fitzhugh e Elisabeth I. Ward: Vikings: the North Atlantic Saga, Smithsonian Institution Press e National Museum of Natural History, ano de 2000). Falamos aqui dum fenómeno que se concretizou no espaço de 100 anos ou pouco mais.

Vamos concluir com um par de curiosidades.

Se as datas estiverem correctas, a ilha da Gronelândia ficou desabitada numa das alturas mais quentes do planeta, a mesma durante a qual floresceu o Império Romano (+ 2 graus do que hoje),.

A seguir: a Cultura Saqqaq desapareceu na Gronelândia do Sul por volta de 900 a.C. e 100 anos mais tarde eis que aparece a Cultura da Independência 2, na parte norte da ilha (800 a.C.). Para boa sorte temos Wikipédia que, na versão italiana, esclarece o mistério:

A civilização, que tinha vindo do Canadá para a Gronelândia, desapareceu misteriosamente quando o clima se tornou mais frio.

Com certeza. E dado que não passavam de pobres idiotas, migraram todos para Norte, à procura de ar quentinho uns 1.200 quilómetros mais perto do Polo…

Para concluir, o site Climate Feedback já em 2019 evidenciava um artigo do professor universitário Gregory Rummo, segundo o qual:

Os dados mostram que a Terra é actualmente mais quente a nível global do que em qualquer outro momento nos últimos 2.000 anos.

Isso foi escrito em 23 de Julho de 2019. Nos dias seguintes, Rummo deve ter tentado adquirir uma plantação de bananas no Norte da Gronelândia e já no dia 27 explicava:

Uma versão anterior deste artigo citou incorrectamente um gráfico da temperatura média da Terra nos últimos 2.000 anos, mostrando dois períodos anteriores nos quais as temperaturas eram mais quentes do que são agora; de 1-200 d.C., uma época chamada Período Quente Romano e, mais recentemente, o Período Quente Medieval de 900-1100 d.C..

Já três anos antes, o The Guardian assim rezava:

Os verões modernos europeus são os mais quentes desde a época romana

apagando duma só enfornada o Período Quente Medieval. E atenção, porque no estudo estiveram envolvidos nada menos que “40 proeminentes académicos”:

“Este grau de aquecimento é sem precedentes nos últimos dois mil anos”, disse o Professor Jürg Luterbacher, coordenador do relatório, ao Guardian. “É excepcionalmente elevado e não pode ser explicado pela variabilidade natural, vulcões tropicais ou mudanças solares. É devido à mudança climática antropogénica”.

É, sem dúvida. É por isso que em Deltaterrasserne não utilizavam automóveis.

 

Ipse dixit.

Fontes: várias páginas do SILA, The Greenland Research Center at The National Museum of Denmark. O ponto de partida pode ser encontrado neste link: à esquerda as ligações para as descrições das várias Culturas.

Imagens: da publicação do SILA The Northernmost Ruins
of the Globe

8 Replies to “As culturas do norte da Gronelândia, a ilha quentinha”

  1. A Islândia é outra pedra no sapato dos alarmistas. Há cerca de 1000 anos atrás cultivavam-se cereais nesta ilha e hoje não é possível devido ao frio. Alterações climáticas sempre houve, a diferença é que agora alguém ganha dinheiro a falar sobre isso: governos, influenciadores, jornalixo, e outros que tais. Com isto não digo que devemos ignorar a acção do ser humano na natureza, não isso não. A poluição é um problema gravíssimo e que as elites já estão a tentar resolver através do empobrecimento geral da população consumista. O problema aqui é que as mesmas elites continuarão com o seu modo de vida, não fossem elas os maiores “ajuntadores” de dinheiro e com os seus respectivos gastos, muito maiores que os do ser humano comum.

  2. Os dois cultos da modernidade do século XXI:

    O culto do aquecimento global/salvamento do planeta;
    O culto da ciençologia, a ciência inquestionável.

    A igreja católica que se cuide…

  3. O nome Gronelândia, que significa terra verde, é paradoxal. Já foi e agora já não é, …. mas já foi!
    Nos dias de hoje só acredita no conversa do aquecimento global quem quer, descartei naturalmente aqueles que acreditam em tudo.
    Apesar de fake, de uma ponta à outra, o tema continua no ordem do dia, diz quem vê TV.
    As agendas catastrofistas do aquecimento, pandemia, etc, são necessárias, e fazem parte do plano de trabalhos da agenda globalista. Têm um propósito, e estão até ver a servir muito bem esse propósito, que é o de remodelar totalmente a nossa sociedade.
    Vamos ver se conseguem. Hoje vi esta frase: ‘Injectar os borregos foi fácil, agora vem a parte mais difícil’

  4. Parece que apesar de ser Dezembro, o “clima” lá prós lados do leste europeu está “quentinho”.
    Também, o início do fascismo lá na Áustria, sofreu um “soluço”. Terão os militares “esquentado” posições?

  5. Sou eu que leio pouco ou não se fala mais na elevação do nível do mar, eu acho que a tendência natural é o equilíbrio em camadas por densidade, assim como a atmosfera existe em camadas de diferente densidade, pela lógica num futuro distante o mundo será como em Waterworld, no passado distante algum evento astronômico provocou a inclinação do planeta em relação ao Sol e por conta disso o movimento da linha do equador e alterou junto todo o clima, onde era confortável hoje é puro gelo e o planeta ainda está se acomodando às mudanças.

  6. Olá Max e todos:
    A arqueologia é um conhecimento incrível não é mesmo!?
    Ela tem o dom de mostrar aos humanos de hoje que pode ter havido culturas/civilizações bem mais desenvolvidas que a nossa, especialmente em algumas áreas, como engenharia civil, mais visível porque permanente por longos períodos, com o uso de pedras, minerais e adobe.
    Para quem pensa só um pouquinho, nossa ciência e nosso conhecimento pode ficar a desejar, comparado com anteriores.
    Só neste ótimo artigo do Max, é indicado uma civilização/cultura posterior com menos recursos para desenvolver-se que uma anterior.
    Se juntarmos todo o ainda muito pouco sobre o passado (geologicamente recente), é possível sugerir uma população global de espécies, inclusive a humana, bem maior do que o conhecimento escolar pretende nos fazer crer. Diria que tal “conhecimento” provavelmente confuso é conveniente para que os apavorados com com o crescimento populacional não tenham certas dúvidas.
    Eu, por exemplo, saí da escola com a nítida impressão que o único conjunto de pirâmides outrora construídas fora Gizé . Depois, com os meus grupos de auto formação (alunos da universidade), verificamos que já tinham descoberto centenas, quem sabe, milhares para possibilitar a viagem póstuma dos mortos em todos os atuais continentes.
    Com relação à variação climática, então, quanta ignorância a arqueologia desmonta!? Este artigo está a mostrar.
    Pode ser muito conveniente demarcar a história humana com o surgimento da escrita em diversas civilizações, tal como a formação acadêmica indica Mas, não, não e não.
    Primeiro o fato de não se ter percebido sistemas de comunicação/informação escritas ainda em algumas culturas/civilizações, não significa que elas não tenham existido. Há muitos sistemas de escrita ainda não decifrados, inclusive.
    Segundo que os sistemas de comunicação/informação oral sempre foram extremamente pertinentes, ontem, hoje…não sei se haverá amanhã, coisa também muito conveniente para quem manda e domina.
    Vai ver que é aquela mania que nos “injetaram” que o atual conhecimento é o melhor, e que amanhã será melhor ainda.
    Na minha perspectiva, melhor para que, e para quem…as vítimas das pesquisas em armamentos nucleares e biológicos que o digam.

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