A guerra do gás

Encontrei um artigo interessante no site de Dimitri Orlov (o “Club Orlov”). O assunto é a energia, em particular o gás.

Numa altura em que o preço do petróleo continua a subir e as fontes alternativas ainda não são (alguma vez o serão?) economicamente competitivas ou igualmente eficientes, o gás representa uma boia de salvação: em princípio não deveria custar muito e, do ponto de vista ecológico, as emissões produzidas são de muito inferiores às dos combustíveis fósseis ligados ao “ouro negro”.

Reservas de gás pelo mundo fora não faltam, no entanto por aqui temos problemas energéticos e as contas pagas por famílias e empresas continuam a subir. Esquisito? Nem tanto…

A guerra mundial do gás: o melhor ainda está para vir!

O preço do gás natural na Europa acaba de ultrapassar o nível psicologicamente importante de 1000 Dólares por mil metros cúbicos, ou um Dólar por metro cúbico. Isto já teve alguns resultados significativos em toda a Europa. No Reino Unido, as fábricas de fertilizantes não podem funcionar a estes preços e fecharam. Isto irá, a seu tempo, causar inflação nos custos alimentares, mas o efeito imediato será privar os consumidores de carne embalada e cerveja devido à escassez de gelo seco, um subproduto da produção de fertilizantes. Entretanto, do outro lado do que resta da União Europeia, os preços da electricidade nos Estados Bálticos são agora 10 vezes mais altos do que na Rússia, mesmo atrás da fronteira. Claro que [os Países bálticos] seriam bem-vindos para comprar electricidade barata e abundante à Rússia, mas esta teria de passar pela Bielorrússia e pela Lituânia, e os lituanos destruíram estrategicamente as relações com a Bielorrússia ao abrigar a fugitiva Tikhanovskaya, a “dona de casa”, uma espécie de Juan Guaidó bielorrusso.

Do outro lado da Bielorrússia está a Ucrânia, onde as coisas são ainda mais divertidas. Na Primavera de 2019, a Ucrânia rejeitou a generosa oferta da Rússia de comprar gás a 240-260 Dólares por mil metros cúbicos (um quarto do preço actual) mas optou por comprá-lo no mercado. O resultado é que a Ucrânia precisa de 13 mil milhões de metros cúbicos de gás armazenado para passar a época do aquecimento, mas actualmente tem menos de 5. Pode sempre comprar o que precisa no mercado, certo? Errado! A Ucrânia está falida e com um orçamento zero para esta operação. Felizmente, ainda pode comprar electricidade barata à Rússia, pelo menos até os nacionalistas ucranianos decidirem fazer explodir as linhas de transmissão para a Rússia, como fizeram com as da Crimeia russa há algum tempo atrás, causando escassez de energia na península e forçando os russos a construir uma ponte de energia a partir do continente, um processo que levou quase um ano.

Mas ao contrário da Ucrânia, que está falida, os Países da UE não têm ficar congelados porque podem simplesmente comprar o gás que precisam no mercado, sob forma de gás natural liquefeito, certo? Errado! O mercado do GNL é global e os concorrentes do Leste Asiático da Europa (China, Coreia do Sul e Japão) podem sempre licitar mais para os fornecimentos disponíveis. Estes três Países têm um défice estrutural com os EUA há décadas e acumularam uma imensa quantidade de dívida federal americana. Com os EUA agora perto da bancarrota nacional e/ou a desencadear hiperinflação do Dólar, permitindo que a sua dívida nacional exceda a marca dos 30 triliões de Dólares, estão ansiosos por descarregar o máximo possível deste montante trocando-o por mercadorias necessárias como o gás natural. Não se importam realmente com o preço do gás, porque o preço final da dívida americana será zero e algo é sempre melhor do que nada. Assim, há uma boa hipótese de a UE, neste Inverno, bater os dentes no escuro em solidariedade com a Ucrânia.

Mas as coisas estão muito melhores nos EUA que, afinal, são um orgulhoso exportador de gás natural graças ao que resta da sua indústria de fracking. Errado outra vez! A Industrial Energy Consumers of America (IECA), um grupo de lobbying da indústria química e alimentar, acaba de pedir ao Departamento de Energia dos EUA que imponha limites às exportações de GNL. Caso contrário, dizem, os preços muito elevados do gás natural [no mercado interno] tornariam muitas empresas americanas não competitivas e forçá-las-iam a abandonar o negócio. Os preços já subiram 41% no último ano. Mas isto não tem sido suficiente para estimular a produção: a extracção de gás natural nos EUA está a diminuir juntamente com o número de plataformas de perfuração e a quantidade de gás em armazenamento está actualmente 7.4% abaixo da média dos últimos cinco anos. A tentativa de colocar limites às exportações de GNL provocará grandes gemidos por parte dos lobistas da indústria energética, que têm muita influência no Capitólio, e resultará em longas batalhas políticas num já muito dividido e controverso Congresso dos EUA.

Entretanto, na UE, há algo que pode ser feito imediatamente para evitar esta crise: activar o North Stream 2 acabado de concluir, pôr de lado os protocolos burocráticos europeus que iriam prolongar o processo de certificação e deitar fora a restrição verdadeiramente demente de ser utilizado apenas a 50% da capacidade. A Gazprom da Rússia estaria perfeitamente disposta a assinar um acordo de fornecimento a longo prazo a um preço razoável, tal como fez com a Hungria há apenas alguns dias. Mas, por enquanto, tal mudança parece improvável. Por um lado, os fundamentalistas do mercado livre ainda estão cheios de fé cega de que o mercado impedirá de alguma forma que o povo de congele; por outro lado, os ambientalistas parecem acreditar que o congelamento seria um acto virtuoso que ajudaria a salvar o planeta do sobreaquecimento. Na próxima Primavera, a neve derretida pode revelar uma paisagem política repleta de cadáveres congelados de ambientalistas e fanáticos do mercado livre. É claro que todos devemos desejar-lhes sorte, quer a mereçam ou não.

Obviamente, ninguém irá morrer congelado na Europa. O que acontecerá será mais simples: introdução de medidas ajustadas às novas exigências energéticas. O que significa: necessidade de recolher mais dinheiro através de taxas e impostos, directos e indirectos.

Em Portugal, por exemplo, o preço da electricidade vai voltar a aumentar a partir de amanhã, dia 1 de Outubro: uma subida média de 3% (isso depois de ter subido 3% em Julho). Do preço de gasolina e gasóleo para autotracção nem vale a pena falar. E a situação nos outros Países do Velho Continente não é melhor.

RTP, a emissora televisiva nacional portuguesa, tenta explicar:

Quais as razões para estes aumentos que em alguns casos chegam aos 40 por cento?

Em primeiro lugar por algo que provavelmente já está a adivinhar. O preço da energia está a aumentar por causa da retoma da economia. Depois do período de confinamento, provocado pela pandemia, a abertura da sociedade e o retomar dos negócios levaram a um aumento da procura. Aqui funciona o mercado. Mais procura, menos oferta, preço mais alto.

As alterações no preço da energia têm ainda, nesta altura, um efeito mais notável porque, na Europa, no final do verão, os stocks de gás natural são reabastecidos e verificados a pensar no próximo inverno. E este ano, devido a um inverno passado muito frio [deve ser o Aquecimento Climático, ndt], esses stocks estão mais baixos do que o normal.

E isso acontece porque o fornecimento de gás da Noruega está abaixo dos níveis normais, devido a trabalhos de manutenção nas estações de processamento, e porque o fornecimento a partir da Rússia continua limitado.

O efeito direto no preço da eletricidade verifica-se porque 23 por cento dessa produção na União Europeia é gerada por gás.

A mudança do paradigma da energia, acentuado pelas alterações climáticas [exacto: é o Aquecimento… ndt], tem igualmente uma ligação direta ao preço da eletricidade. Fecharam fábricas de carvão e a cada vez maior dependência de fontes renováveis está a expor o problema nesta fase crítica.

A energia renovável, até certo ponto, é mais incerta do que a geração fóssil ou nuclear. A sua produção está dependente do próprio clima, podendo gerar em determinadas alturas mais eletricidade e noutras menos.

Bom bom seria explicar que a Rússia está mergulhada no gás que por aqui chega com o conta-gotas por causa das políticas dos Estados Unidos apoiadas pelos servos de Bruxelas… mas provavelmente é pedir demais, justo? Melhor ficar com a ideia que estes sejam os efeitos da “retoma económica”, da Noruega que faz manutenção e das inevitabilidades das alterações climáticas…

 

Ipse dixit.

5 Replies to “A guerra do gás”

  1. Bom dia Max e todos:
    Nós aqui na América de baixo estamos acostumados a sofrer com uma velha inimiga, a inflação. Nossos hermanos vivem de “curralito” em “curralito” e aqui no Brazil, no reinado de Fernando Henrique Cardoso, recebíamos o salário no dia 1 de cada mês, e neste mesmo dia comprávamos absolutamente todo o necessário para o mês. O esquecimento era proibido, caso contrário furava ainda mais o salário, sem aumento durante 12 anos.
    Pois ela está de volta, anunciando que sua permanência será longa: energia e derivados do petróleo em alta constante. O povo já está se reacostumando a filas enormes um dia antes de mais um aumento nos postos de gasolina, com direito a chutes e pontapés.
    Como somos um país tropical, não precisamos de aquecimento. Menos eu, que não sou louca de aguentar o frio do sul sem lareira. Mas como somos um país abençoado por deus, tenho a minha disposição, no meu terreno, milhares de árvores de floresta atlântica, já que “civilizei” só um quarto do meu chão, e a lareira jamais será responsável por desmatamento.
    Mas atualmente a inflação virá acompanhada de um par fatídico, a desvalorização da moeda. Dizem os alternativos que, com o dinheiro digital, as nossa notinhas físicas terão uma desvalorização de 31%. Quer dizer, ganharemos nominalmente a mesma importância, apenas com um poder de compra 31% menor.
    Deve ser o advento daquele tempo em que nada teremos e seremos felizes. Mas como somos criativos, aqui nas terras de baixo, reinventaremos nossa sobrevivência.
    Verdade seja dita que quem tem terra, não morre de fome ou sede. E como devo ser uma “idosa índigo” sempre acreditei nisso. E hoje alguns dos que tentei convencer de construir comigo uma pequena comunidade auto regulada se arrependem de desistir. Mas na época eles queriam a “garantia” do emprego e não trabalhar nos domingos.
    Hoje eles se dão por felizes quando arranjam algum serviço e trabalham até de madrugada se o patrão assim desejar. C est la vie.
    O governo que não é bobo já está a avisar que quem tiver telhado pagará muito, mas muito imposto. Trata-se de por em prática o plano de não ter nada…aquele…
    Mas idosa ou não, já trabalhei muito este e neste lugar e dele não me desfaço mesmo que tiver de voltar a usar a enxada.
    E aqui sempre terá telhado para abrigar os amigos que desejarem.

    1. Gostaria que fosse explicado como estão aquelas teorias, muitos populares aqui no II, de que a exploração de energias não poluentes e caras , seriam parte de um plano “verde” para controle do planeta por um grupo de pessoas.

      1. Ainda mais Sérgio ? É um plano num estado muito avançado para nos convencer a entrar num beco sem saída … ou com saída , num precipício. Posso não concordar com a teoria do blog de que a China é mais alguma coisa para além de um mau exemplo mas considero absolutamente correta a teoria do blog de que a energia verde é uma armadilha . As palavras podem enganar mas os números não . Não é viável garantir 8 biliões de passageiros apenas com energia verde e manter o mesmo rumo e velocidade… e nalguns casos duvido sequer que se consiga manter a flutuar.

  2. Basta entrar no site da famigerada União Europeia e ler os objectivos traçados para o Pacto Ecológico Europeu.
    P. Lopes sintetizou muito bem o assunto.
    Só faltou dizer que o navio precisa de se livrar de um sem número de ratos, para poder navegar tranquilamente num planeta ‘verde’.

    1. Exacto meu caro Krowler , querem se livrar de uma enorme quantidade e de uma forma rápida e isso não pode ser alcançado com planeamento …Só resta um genocídio . Apesar dos muitos indicios é de tal forma grotesco que o cérebro da maioria aciona um mecanismo de proteção recusando se a admitir o óbvio a troco de algum conforto intelectual .
      A nossa civilização está de tal forma dependente de colossais quantidades de energia barata que qualquer redução abruta no preço/ quantidade pode fazer colapsar toda a sociedade como um castelo de cartas .

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