Sinto-me maratonista

Somo quem somos ou somos quem afirmamos ser? A tendência progressista e politicamente correcta é a segunda: somos quem afirmamos ser. Sou mulher mas afirmo ser homem (ou vice-versa)? Então sou homem (ou vice-versa), qual o problema? Em princípio nenhum, porque não deveria haver um problema: cada um faz da sua vida o que quiser. Sempre no respeito dos outros.

Pois, eis o problema.

O que acontece quando esta minha pretensão prejudica os outros? O Verbo progressista neste ponto é claro: é a sociedade, ou seja a maioria, que tem que adaptar-se às pretensões do indivíduo. O não adaptar-se é imediatamente rotulado como homofobia, racismo, etc. Pelo que, se alguém afirmar ser mulher, nós todos temos que trata-lo como mulher. Aconteça o que acontecer.

A história de Laurel

Laurel Hubbard será a primeira atleta transexual a competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Biologicamente é homem, mas concorrerá contra as mulheres, nascidas biologicamente femininas. Com todas as vantagens que isso implica.

Segundo um estudo publicado no British Journal of Sports Medicine:

as mulheres trans ainda tinham uma velocidade média de corrida 9% superior após o período de 1 ano de supressão de testosterona recomendado pela World Athletics para inclusão em eventos femininos.

A bióloga de desenvolvimento, Dra. Emma Hilton, acrescenta:

Os machos podem correr mais depressa, saltar mais, atirar mais longe e levantar mais peso do que as fêmeas. Têm um desempenho superior ao das fêmeas em 10% na corrida e 30% no arremesso de peso.

Parece ridículo lembrar as diferenças existentes entre os dois sexos, mas não é: o COI (Comité Olímpico Internacional) decidiu ignora-las.

Como relata Strategic Culture, a Dr.a Hilton relata também algumas trivialidades desportivas para apoiar a sua afirmação: a actual campeã olímpica feminina dos 100 metros, Elaine Thompson, é mais lenta do que o detentor do recorde escolar, um rapaz de 14 anos; uma equipa de rapazes com menos de 15 anos venceu a equipa nacional de futebol feminino dos EUA num jogo de treino, etc.

Apesar disso, Laurel Hubbard, 43 anos, está entre as cinco halterofilistas escolhidas para representar a Nova Zelândia nos Jogos Olímpicos de Tóquio para competir na categoria feminina de 87kg. E, obviamente, teve a aprovação total da Primeira Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arderns.

Diferenças físicas entre os sexos? Concorrência desleal? Pouco importa: Laurel Hubbard é quem afirma ser. E o resto do mundo tem que adaptar-se.

A história de Max

Decidi inscrever-me na próxima Meia Maratona de Lisboa. E a razão é simples: sinto-me maratonista, desde pequenino. Ainda era apenas uma criança mas quando via passar os maratonistas o meu coração já saltava aos pulos: imaginava-me a correr com eles, pelas ruas da cidade, entre asas de público que aplaudia.

Há quem diga que não tenho o físico para enfrentar uma prova desta natureza, que me falta preparação. Mas estou disposto a lutar contra tais visões mesquinhas e retrogradas, a ultrapassar estes obstáculos físicos para afirmar o meu ser maratonista, custe o que custar. Afinal somos quem afiramos ser e eu afirmo ser maratonista: tenho todo o direito de seguir o meu sonho.

Que fique claro: o facto de eu participar na competição de carro não pode representar uma vantagem. Sim, usarei o automóvel porque sou automobilista também, a vida da cidade obriga-me a isso, mas acima de tudo sinto-me maratonista, afirmo ser maratonista e é este o aspecto que os organizadores terão que ter em conta. O são espírito desportivo tem que ser salvaguardado: portanto, nada de ar condicionado ou ventoinha, tudo desligado; nada de GPS, é seguir o percurso tal como fazem os outros. Janelas para baixo para enfrentar sol ou chuva. Calções e camisola numerada, como todos. E zero bebidas ou comidas, é óbvio.

O facto de não ter tido um treino preparatório suficiente não deve servir de desculpa: quero competir contra os melhores, nada de “categoria especial”. Quero poder ficar na fila dos vários Kipsnag, Rionoripo, Ndungu, Jepkesho, lado a lado com os melhores, ombro a ombro. Melhor: pneu a ombro.

Mesmo assim, e apesar de todos os meus esforços, haverá quem não resista em realçar a evidente diferença entre mim e os outros atletas. Indivíduos que só querem rotular, erguer barreiras. Indivíduos racistas. Sim, é verdade, haverá uma diferença: eu terei que ficar sentado atrás dum volante enquanto os outros terão a liberdade de correr. Eu terei que tomar atenção a volante, embraiagem, piscas, ou outros só terão que concentrar-se só nas pernas deles. Uma desvantagem a minha, mas não me importo: sentado ou de pé, continuo a ser quem digo ser. E eu sou maratonista.

 

Ipse dixit.

4 Replies to “Sinto-me maratonista”

  1. Olá Max
    No início da tua história pensei: pronto, é agora que perdemos o Max. Mas depois me tranquilizei. E serás campeão.
    Mas é isso. Somos o que dizemos ser. Já vistes foto do povo chorando no facebook? Neste espaço todos são felizes, parecem ser.
    A pedagogia midiática tenta nos construir assim.
    Até nos comentários de II as pessoas pouco falam de si. É um espaço confiável. Então a maioria evita confissões.

  2. E eu de repente sinto-me presidente do conselho de administração do Novo Banco.
    Quando a minha reforma estiver assegurada demito-me para me sentir maratonista e também participar na Meia Maratona de Lisboa. Se o Max vai, deve valer a pena.

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