E assim houve um golpe militar no Maiumaiu. Desculpem: diz-se Myanmar, cujo nome completo é Pyidaunzu Thanmăda Myăma Nainngandaw. Ok: Miaumiau.
O prémio Nobel Aung San Suu Kyi foi destituída pelos militares. Um País azarado. Ou talvez não: talvez um País em constante fibrilação por causa de etnias, religiões, ingerências estrangeiras, droga e petróle. E incapacidade da liderança.
Miaumiau é um País do sul-este asiático, com 53 milhões de habitantes assim compostos:
- 68% Bamar
- 9% Shan
- 7% Karen
- 4% Rakhine
- 3% Chineses
- 2% Indianos
- 2% Mon
- 5% outros
87% da população é budista mas há também uma minoria cristã (6.2%), uma islâmica (4.3%) e, finalmente, 1.6% de outras religiões. A crise da minoria Rongaronga (desculpem: Rohingya) enquadra-se neste contexto. Pelo que: uma situação complicada, que requer muito tacto, diplomacia e recíproco respeito.
E Miaumiau é um dos principais produtores mundiais de ópio. E, apesar dos órgãos de informação ocidentais ignorarem este ponto demasiadas vezes, sabemos quanto isso possa ser importante: perguntem ao Afeganistão. Miaumiau é uma parte fulcral da iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda: através do País, a China que chegar ao Oceano Índico sem atravessar o Estreito de Malaca e Singapura. Finalmente, o País é um importante produtor de petróleo e gás. Pelo que: Miaumiau tem tudo para ter “azar”.
Agora a junta militar afastou do poder Aung San Suu Kyi, a antiga ícone dos direitos humanos, Prémio Nobel de 1991, que governava desde 2010. A acusação? Fraude eleitoral. Uma acusação verdadeira ou falsa? Impossível nesta altura responder.
Nas eleições de Novembro, a Liga Nacional para a Democracia (NLD) de Aung San Suu Kyi conquistou 396 dos 476 lugares no Parlamento, uma margem de vitória ainda maior em comparação com as eleições de 2015. O partido de representação dos militares, o Partido Solidariedade e Desenvolvimento da União, ganhou apenas 33 lugares. O exército contestou os resultados, alegando fraude. O governo respondeu com “imprecisões”. A tentativa de golpe tinha sido objecto de rumores durante vários dias, suscitando declarações de preocupação de Países ocidentais como França, Estados Unidos e Austrália que defendem Aung San Suu Kyi.
Novo Presidente (interino) foi nomeado o Geral Min Aung Hlaing que Wikipedia, obviamente, descreve como uma espécie de novo Satanás: repetidas violações de direitos humanos, corrupção em todas as formas, negócios com os Chineses. E Facebook e Twitter apagaram as contas dele já em 2019.
A realidade é mais complexa: Miaumiau é e sempre foi uma colagem de povos, cada um intencionado a manter a sua independência discriminando os outros: o recente caso dos muçulmanos Rongaronga, vítimas da limpeza étnica desde pelo menos 2017, é talvez o mais exemplar. E se o novo Presidente Min Aung Hlaing foi culpado de genocídios, não podemos esquecer que durante muitos anos os apoiantes ocidentais do Prémio Nobel têm justificado a atitude de consentimento em relação aos militares que levam a cabo as acções de “limpeza”. E os Rongaronga não são um caso único: não podemos esquecer o conflito Kachin na fronteira oriental de Miaumiau ou a situação dos Wa, de facto um “Estado tampão” na fronteira chinesa com um exército de 30 mil homens (que o exército regular não ousa perturbar).
Aung San Suu Kyi recusou-se repetidamente a reconhecer até a existência dos Rongaronga como cidadãos de Miaumiau e há cerca de um ano atrás teve que voar para Haia, na Holanda, para defender as acções do seu País perante o Tribunal Internacional de Justiça. Aí, descreveu a limpeza étnica como um “conflito armado interno” desencadeado por ataques de militantes dos Rongaronga. Obviamente, nem Facebook e nem Twitter fecharam as contas duma figura tão querida ao Ocidente “progressista”. Porque, apesar a perda de consentimento entre os apoiantes ocidentais, Aung San Suu Kyi continuava a ser vista como um bastião contra a ingerência chinesa.
Pelo que, óbvias as reacções no estrangeiro perante a notícia do golpe. Washington, através da boca do Secretário de Estado Anthony Blinken, fez saber que os Estados Unidos se opõem a qualquer tentativa de alterar o resultado das últimas eleições ou de impedir a transição para a democracia; além disso, o Secretário de Estado americano pediu a libertação de todos os funcionários governamentais e líderes da sociedade civil. Uma condenação igualmente forte foi expressa pelo Presidente do Conselho da União Europeia que, depois de condenar o golpe, apelou aos militares para que respeitassem o processo democrático.
No que diz respeito à China e à Rússia, embora afirmando que irão observar cuidadosamente a evolução da situação, salientaram ao mesmo tempo que não tencionam interferir no processo político interno, apesar da Índia ter acusado repetidamente a China de financiar grupos terroristas.
Miaumiau está actualmente a co-presidir as consultas sobre a Cooperação Lancang-Mekong e o Código de Conduta no volátil Mar do Sul da China. Isto significa que Miaumiau é encarregada de mediar com Pequim sobre estas questões, que são historicamente sensíveis ao equilíbrio de poder na região. Não está fora de questão que os Estados Unidos do recém-eleito Presidente ZomBiden utilizem os acontecimentos como uma oportunidade para relançar as suas actividades políticas e económicas no Sudeste Asiático, consolidando a penetração na área.
O exército declarou que o objectivo é criar uma “verdadeira democracia multipartidária” mas na base do golpe parece haver sobretudo o receio de que Aung San Suu Kyi possa tentar o caminho da reforma constitucional, reduzindo o poder dos militares. Além disso, o exército sabe que Miaumiau é uma espécie de barril de pólvora em risco de explodir, e não desde hoje: a “união” é particularmente frágil e as divisões são constantemente exploradas pelos actores nacionais e internacionais. Os Rongaronga, por exemplo, são apoiados pela Arábia Saudita, que em princípio é aliada dos Ocidentais mas que em paralelo segue uma sua agenda também; ao mesmo tempo, Pequim apoia os independentistas Kachin, de etnia chinesa, com fornecimento de armas e munições.
A hipótese de “balcanização” não é remota e o futuro de Miaumiau não promete nada de bom.
Ipse dixit.
Mais um exemplo, que se repete constantemente no passado por todo o planeta. Sempre onde foram descobertas riquezas naturais houveram pilhagens de parte de elites, sejam internas (ditas nacionalistas) ou externas (ditas globalistas), movidas pelo acesso a esses butins. Mas o que é mostrado é apenas os desdobramentos políticos, militares e até sociais, ocultando o verdadeiro mote desses movimentos, o fator econômico. É por estas (e por outras) da precariedade de compreensão sobre a realidade dos acontecimentos do passado e do presente.
O actual problema de Myanmar, está no facto de ser um ponto chave para a iniciativa «Um Cinturão, Uma Rota» levado a cabo pela República Popular da China (RPC), e que faz soar os alarmes do regime da Inglaterra e os seus aliados que têm vindo a saquear este país e a cometer ingerência nos seus assuntos internos.
E a China tem feito o quê?
A República Popular da China (RPC) mantém com a República da União de Myanmar (RUM) uma parceria de investimento em vários sectores desse país do Sul da Ásia, promovendo o seu desenvolvimento a nível económico, social, e de infra-estruturas, assim como cordiais relações diplomáticas que remontam ao tempo da presidência de Mao Tsé-Tung.
– China Is The Largest Foreign Investor in Myanmar
https://myanmarguardian.com/china-is-the-largest-foreign-investor-in-myanmar/
– Infographic: 30 Years of Chinese Investment in Myanmar
https://www.irrawaddy.com/specials/infographic-30-years-chinese-investment-myanmar.html
São uns beneméritos. Da parte da China , podemos contar que não haverá “ingerências” nos assuntos internos, nem “negociatas” ou “privilégios” para aquisição de empresas e recursos naturais do país.
As gentes de Myanmar também podem contar com a China para respeitar as suas escolhas políticas e a sua liberdade de expressão. É tudo meio por meio, na observação da equidade e igualdades sociais.
Cantas bem, mas não me “embalas o berço”.
Novos protestos em Mianmar deixam mais de 90 mortos
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/03/27/novos-protestos-em-mianmar-deixam-mais-de-90-mortos.ghtml