Gough Whitlam: os planos dos Cinco Olhos

A Exoneração de Gough Whitlam e a Intenção Real Por Trás dos Cinco Olhos

de Matthew Ehret

 

Importante ajuste de contas atinente a grande injustiça histórica está em curso na Austrália, o qual proporciona ao mundo rara oportunidade de olhar para os esconsos mais caliginosos dos corredores do poder ignorados, com demasiada frequência, até por aqueles de nós mais ardorosos buscadores da verdade.

Referido ajuste de contas tomou a forma de batalha jurídica/legal duramente pelejada, de quatro anos de duração, que solitária historiadora australiana crowd funded(*), chamada Jenny Hocking, deflagrou nos mais altos tribunais de sua nação a fim de obter o direito, em 30 de maio de 2020, de tornar públicas 211 cartas secretas mantidas nos Australia’s National Archives [Arquivos Nacionais da Austrália] pela primeira vez desde que elas ali depositadas em 1978.

(*) crowdfunded – Financiada por meio de crowdfunding. Crowdfunding é o processo de obter grande grupo de pessoas para financiamento de projeto específico, especialmente por meio de uso de website onde tais pessoas possam fazer contribuições. ‘Recentemente encetei campanha de crowdfunding para criar um álbum.’ Macmillan

Tais palace letters(*) foram trocadas entre a Rainha da Inglaterra (por meio de seu secretário pessoal) e o Governador-Geral dela na Austrália Sir John Kerr durante o mandato desse último como Chefe de Estado oficial no período 1974-1978 e, até a decisão de tribunal da semana passada, era pretendido que fossem mantidas secretas até 8 de dezembro de 2037.

(*) As Palace letters, por vezes chamadas de Palace papers, são 211 cartas entre a Rainha Elizabeth e o então Governador-Geral da Austrália Sir John Kerr a respeito da exoneração do democraticamente eleito Primeiro-Ministro da Austrália Gough Whitlam. Ver Wikipedia, ‘Palace letters’

O que torna tais cartas ponto tão alto de controvérsia nacional é o fato de elas conterem informações que sem dúvida lançarão luz sobre o papel ativo da Rainha ela própria na realização de ato que essencialmente equivaleu a golpe de estado moderno em 11 de novembro de 1975. Durante aquele triste período Kerr fez história ao não apenas exonerar o Primeiro-Ministro eleito Gough Whitlam como, também, revelar a abrangência e a natureza dos poderes muito reais da Monarquia Britânica em nossa época moderna.

Trata-se de grotescos poderes de prerrogativa tipo divina, os quais aquelas forças no controle do império de extensão global dos dias de hoje muito enfaticamente gostariam de manter ocultos do conhecimento do público.

Gough Whitlam: Ameaça Intolerável ao Império

Há que reconhecer que, para alguns habitantes do Ocidente, será difícil admitir que primeiro-ministro branco da Commonwealth(*) possa sofrer golpe em nossos tempos modernos; pois não são os golpes algo utilizado para lidar com líderes revolucionários asiáticos, latino-americanos ou africanos?

(*) Commonswealth – O Reino Unido – UK juntamente com países e territórios que no passado formavam parte do Império Britânico. Ver Lexico powered by Oxford

Quando se olha para lista de golpes durante o período da Guerra Fria, tal certamente tendia a ser a regra geral… como com toda regra, porém, sempre haverá exceções.

Ao examinarmos a natureza da luta política de Whitlam, suas reformas políticas e sua visão maior no tocante à Austrália, torna-se claro que tipo de inimigo ele criou e por que os poderes mais altos dos Cinco Olhos(*) e do Império Global o depuseram.

(*) Five Eyes – Alliança entre as agências/os órgãos de inteligência de Austrália, Canadá, Nova Zelândia, o Reino Unido – UK e os Estados Unidos – US, com o propósito de compartilharem informações de valor político ou militar. Lexico

Antes de sua vitória em 2 de dezembro de 1972 Gough Whitlam proferiu brilhante discurso que o distanciou dos costumeiros títeres servis pró-imperiais que tendem a eivar a elite política da Austrália quando disse, em novembro de 1972:

“A decisão que tomaremos no atinente a nosso país em 2 de dezembro representará escolha entre o passado e o futuro, entre os hábitos e temores do passado e as demandas e oportunidades do futuro. Há momentos, na história, em que destino e futuro inteiro de nações pode ser decidido por decisão única. No caso da Austrália, este é um desses momentos. É hora de nova equipe, novo programa, novo impulso rumo à igualdade de oportunidade: é hora de criar novas oportunidades para os australianos, hora de nova visão do que podemos conseguir nesta geração para nossa nação e para a região em que vivemos. É hora de novo governo – Labor Government [Governo Trabalhista].”

Whitlam lançou-se em seu papel como Primeiro-Minsistro como bólido progressista que revolucionou literalmente todos os aspectos da sociedade australiana, despertando profundo anseio por verdadeira independência e confrontando algumas das maiores estruturas de poder do império anglo-americano. Apenas para podermos avaliar a escala das reformas, mencionemos algumas delas aqui.

1- Dias após sua eleição, Whitlam deu início a negociações para estabelecimento de relações diplomáticas plenas com a China Continental, rompendo relações com Taiwan.

2- Recrutamento que havia obrigado milhares de jovens australianos a ir para o Vietnã acabou, a Austrália encerrou sua participação na guerra, desertores presos foram libertados e a pena de morte foi abolida.

3- Foi criada, com pleno apoio do governo federal, comissão para imposição de remuneração igual para homens e mulheres, e foram instituídos universidades e seguro/atendimento de saúde grátis.

4- Whitlam começou a imposição de sanções à África do Sul do Apartheid e proibição de todas as equipes esportivas/times esportivos que praticassem discriminação racial.

5- Foram deflagrados programas de larga escala de renovação urbana estendendo sistemas modernos de esgoto a todos os centros urbanos, e lançados programas de novas estradas, ferrovias, eletrificação e prevenção de inundação. Pela primeira vez rodovias ligaram capitais na Austrália, e pela primeira vez trilhos de bitola padrão(*) foram adotados a bem de aceleração de estratégias de desenvolvimento continental (tanto na África quanto na Austrália o Império Britânico nunca permitiu bitolas comuns, a fim de impedir desenvolvimento interno e para manter suas “possessões” dependentes do comércio marítimo).

(*) standard gauge rail – Ver, por exemplo, https://trams.fandom.com/wiki/Rail_gauge

6- No tocante aos direitos dos aborígenes, Whitlam sanou injustiças do colonialismo ao conceder aos nativos o direito de posse de suas terras tradicionais, e ao conceder independência a Papua Nova Guiné.

7- Culturalmente ele acrisolou sentimento de independência das tradições imperiais britânicas ao substituir o God Save the Queen [Deus Salve a Rainha] por novo hino nacional, e ao patrocinar uma National Art Gallery [Galeria de Arte Nacional].

Enfrentamento dos Cinco Olhos e dos Cartéis Multinacionais

Nas primeiras semanas de 1973 a equipe de Whitlam cedo descobriu a natureza insidiosa da organização internacional de inteligência Cinco Olhos e, ao descobrir a abrangência das operações de MI6/CIA na Austrália determinou incursão/intervenção na Australian Security and Intelligence Organization (ASIO) [Organização Australiana de Inteligência de Segurança] em 13 de março de 1973, sob a égide do Procurador-Geral Lionel Murphy. Em seu 1o. relato no Consortium News, em junho, o repórter investigativo John Pilger disse: “Gough Whitlam sabia o risco que estava correndo. No dia posterior ao de sua eleição determinou que sua equipe não mais deveria ser “investigada ou assediada” pela organização australiana de segurança, a ASIO, que à época estava, como agora, vinculada à inteligência anglo-americana.”

Em artigo de 2014 Pilger fez notar que Whitlam havia recebido mensagem secreta de telex de William Shackly (chefe da divisão do Leste Asiático da CIA) chamando-o de “ameaça à segurança” em 10 de novembro de 1975, e antes de poder dar conhecimento do fato ao parlamento no dia seguinte Whitlam foi de pronto chamado ao gabinete do Governador-Geral onde foi imediatamente demitido com base em decreto real.

O mais imperdoável dos pecados de Whitlam foi a política de “comprar a fazenda de volta” para retomada do controle dos recursos da Austrália – 62% dos quais de propriedade de cartéis multinacionais tais como a Rio Tinto de Londres. Whitlam procurou empréstimos para compra dos recursos da Austrália não em fontes bancárias ocidentais em Londres ou Wall Street, e sim em nações endinheiradas do Oriente Médio durante os aumentos do preço do petróleo de 1973-75. De acordo com o Ministro de Minas e Energia Rex Connor os empréstimos estavam projetados para 20 anos e vinculados a grandes superprojetos de desenvolvimento em escala nacional que teriam saldado a dívida contraída de $4,5 biliões. O processo teria funcionado de maneira similar ao processo de pagamento da dívida dos projetos do New Deal [Novo Pacto] de Franklin Delano Roosevelt – FDR dos anos 1930, do programa Apollo dos anos 1960 de John Fitzgerald Kennedy – JFK ou da Iniciativa Cinturão e Rota, da China, de nossa época moderna.

Por que talvez não ocorra divulgação

A despeito do fato de o Supremo Tribunal ter decidido por acesso às palace letters, a prerrogativa de obedecer à ordem do tribunal ainda é deixada à discrição do dirigente dos National Archives, David Fricker – estranho personagem com uma década de resistência à professora Hocking e até ao Supremo Tribunal, o qual disse à ABC News: “Não somos como biblioteca ou museu… É obrigação minha examinar diligentemente essas coisas e assegurar que a liberação/divulgação desses registros seja responsável, ética e dentro da lei.” Talvez o antigo cargo de Fricker de Diretor Adjunto da ASIO possa ter algo a ver com essa resistência.

Embora Fricker e outros opositores da divulgação das cartas afirmem tratar-se meramente de correspondência pessoal de natureza privada, Sir Edward Young (secretário pessoal da Rainha) deixou claro isso ser empulhação ao protestar dizendo que a revelação “poderá causar danos não apenas às relações internacionais como, também, ao relacionamento de confiança entre Sua Majestade e os representantes dela no exterior”. Como poderia inofensiva “correspondência pessoal” ter esse tipo de efeito?

Em blog de 1o. de junho a Professora Hocking declarou: “Seguramente é posição insólita a dos National Archives, que se descrevem como ‘organização favorável a prestação de informações’, contestarem esta ação com significativa despesa – inicialmente de quase um milhão de dólares – numa época de severos cortes de orçamento e pessoal”. Ela também fez notar que “antes de serem alojadas/hospedadas nos Archives, as cartas haviam sido mantidas por Smith em ‘casa-forte de segurança absoluta’ da Government House(*), também em caráter oficial, o que escassamente sugeriria serem as cartas ‘pessoais’.”

(*) Government House – Residência oficial de governador, especialmente em colônia ou estado da Commonwealth que considere o monarca britânico como chefe de estado. Lexico

O que o Império tem a temer?

O Império Britânico tem trabalhado muito arduamente ao longo dos anos para projetar a imagem de que a Coroa é símbolo benigno de valores conservadores sem qualquer poder real, e de que o Império Britânico é mera relíquia do passado. Se qualquer crítica recebe permissão para esgueirar-se pelas fissuras de verniz ilibado de austeros valores tradicionais, logo em seguida os encarregados de propaganda da Grã-Bretanha na grande mídia e na academia sem falta lançam-se a dourar informações de maneira a transmitir a ideia de que a Grã-Bretanha é meramente sósia secundário(*) do real vilão global: os Estados Unidos.

(*) second-ringer – Ringer é pessoa que se parece muito com outra. Merriam-Webster

A verdadeira história da exoneração de Whitlam, e da mão ativa da Coroa com força invisível porém real a delinear a política imperial do mundo (inclusive os Cinco Olhos) é fato desconfortável que os estrategistas imperiais prefeririram remanecesse para sempre nas sombras.

No próximo segmento desta história trataremos em maior profundidade da real natureza do Império Britânico como força muito ativa, muito poderosa, embora (usualmente) muito invisível a delinear os atuais assuntos mundiais.

 

O Autor pode ser contactado via matt.ehret@tutamail.com

Nota: Os pontos de vista de cada contribuinte não necessariamente representam os de Strategic Culture ou de Informação Incorrecta.

Artigo original: Strategic Culture Foundation

Tradução by zqxjkv0

3 Replies to “Gough Whitlam: os planos dos Cinco Olhos”

  1. Recomendação de leitura: K V Ramani
    https://www.opednews.com/articles/Fool-Me-Forever-The-Shape-by-K-V-Ramani-Avatar_Distrust_Emotions_Fear-200601-261.html
    “…o medo é a chave, como Alistair MacLean apropriadamente intitulou o seu “históricamente épico virar de página”.
    O medo e o amor são as emoções humanas mais poderosas. Honestamente, as pessoas tementes a Deus perguntam frequentemente porque é que o mundo não está cheio de amor, porque é que os governantes preferem governar pelo medo do que pelo amor. O amor leva tempo a criar raízes. O amor à primeira vista é o mito dos românticos e poetas, a luxúria à primeira vista é a norma. O medo, por outro lado, é instantâneo. Pode congelar mesmo a pessoa mais forte no local numa fracção de segundo e deixá-la abalada durante muito tempo. É a escolha natural para semear a mentira ofuscante.
    Cada uma das guerras globais contra as sombras invoca o medo para deslumbrar as pessoas e paralisar a sua capacidade de pensar. O planeta inteiro a explodir, bombas nucleares de maleta a explodir nas nossas cidades, bancos com as poupanças das nossas vidas a irem à falência, um vírus a perseguir-nos nas ruas e a bater às nossas portas como o ceifeiro da morte…”

    “…Não temos de nos tornar os novos Luditas (grupo anti tecnologia). Isso seria auto-destrutivo. A revolução digital trouxe-nos uma série de benefícios, o mais crucial dos quais é a crescente comunidade global de culturas, recursos, competências, intelectos e conhecimentos díspares. É a nossa revolução, não a deles.
    Precisamos de ejectar os globalistas do nosso cockpit para o grande vazio e recuperar o controlo da nossa nave estelar. Tem (ela) anos-luz pela frente, onde a descoberta de uma miríade de verdades nos aguardam…
    Se conseguirmos libertar primeiro a verdade neste nosso planeta natal.”

  2. «…O Império Britânico tem trabalhado muito arduamente ao longo dos anos para projetar a imagem de que a Coroa é símbolo benigno de valores conservadores sem qualquer poder real, e de que o Império Britânico é mera relíquia do passado…»

    E com sucesso pois muitos parolos(as) e iletrados(as) engolem esta patranha.

  3. Olá Max e todos: não é preciso saber muito de história para dar-se conta que existem impérios que destroem as suas colônias e colonizados, e impérios que se integram às suas colônias, promovendo algum tipo de desenvolvimento. Pelos meus cálculos, o império britânico foi e é o pior deles. Vamos pensar no século de humilhação da China, da miserabilidade da Índia, do apagamento do império espanhol. Vamos verificar que durante a rapina e o genocídio, nunca houve mistura significativa entre o colonizador e o colonizado, ao contrário, na Oceania, as nações primitivas foram dizimadas. Seguindo o exemplo os EUA dizimaram todo povo primitivo do Canadá e quase todo do território onde inventaram~se nação indispensável. Os franceses, belgas e alemães não fizeram por menos no esmagamento do povo argelino e demais povos africanos, onde quer que estendessem sua cobiça.
    No continente sul americano, tem-se um exemplo incrível das diferenças: Haiti e República Dominicana, o primeiro reduzido à miséria absoluta pelos franceses, depois pelos estado unidenses e brasileiros. E passada uma linha vertical numa ilha caribenha, e do lado oeste, os espanhóis permitiram o desenvolvimento econômico e cultural mantido até hoje, depois da independência.
    A auto estima é coisa fundamental em uma nação, e ela se dá mesmo nos sujeitos colonizados, quando existe uma noção de igualdade entre os povos primitivos e os colonizadores, ambos são vassalos do rei. O vice-reinado da América espanhola, mantinha o mesmo padrão de desenvolvimento da metrópole, universidades foram as primeiras a surgir, e os indígenas eram tão vassalos do rei espanhol, quanto os espanhóis aqui estabelecidos, logo após a conquista. Basta viajar pela América andina e mexicana para saber que a maioria é originária, dez por cento grosso modo são criolos, e outros 30% são mestiços, ou seja, a população que ali vivia, se sofreu genocídio, e sim, houve durante a conquista, não foi dizimada Os mexicanos, bolivianos, peruanos, dominicanos são nativos na sua maioria, eles existem, sabem quem são, e se orgulham disto. Brancos mesmo, são os ricos que os exploram.
    O que aconteceu com povos dominados, que sofreram uma guerra cultural de inferioridade, além da conquista e domínio econômico?Jazem na miséria econômica e cultural. No momento , a China é a que se salva, e infelizmente, depois da “independência” da coroa espanhola, o continente sul americano mergulhou na miséria e subserviência ao “rei da nação indispensável”. O Brazil é um caso a parte, com a segunda maior população negra, depois da Nigéria, onde a maioria sofre da perda de auto estima e subserviência eternas a aguem de fora ou de dentro que os explore. e se apresente como superior.

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