A questão das mulheres em tempos de epidemia

Eis um artigo que meu pai (sim, ele mesmo!) acaba de escrever para o jornal das associação italiana dos sociólogos. Trata-se duma introdução ao tema e aqui calha bem para lembrar esta autêntica praga social que, infelizmente, ainda é presente um muitos Países. É um assunto que ganhou força nos órgãos de comunicação social, mas ainda não de forma suficiente, durante a “pandemia” do Coronavirus.

De facto, entre as várias consequências do confinamento obrigatório, houve também uma recrudescência do fenómeno da violência domestica, sobretudo na vertente do sexo masculino contra aquele feminino. Pode parecer absurdo, mas a verdade é que ainda hoje, no ano de 2021, há homens que utilizam a violência em família: uma violência contra as esposas mas que não poupa as crianças.

 

A questão das mulheres em tempos de epidemia

A evolução da doença, contraída na sequência da infecção causada pelo Coronavírus, evidenciou uma peculiaridade tanto do sexo como da idade. As mulheres pareciam (os dados confirmam-no) ser mais resistentes à infecção do que os homens mas, ultimamente, tem-se observado que o sexo feminino está infectado com a mesma percentagem que os homens, embora apresentem sintomas menos graves. Isto reflecte-se no facto de o número de mortes ser mais elevado nos homens do que nas mulheres.

Os especialistas nesta área (virologistas, infectivologistas, epidemiologistas, etc.) ainda não forneceram uma explicação científica para este fenómeno, uma vez que sustentam que a Covid-19 representa para a raça humana um novo vírus que ainda não foi estudado em profundidade nos seus vários efeitos. O conhecimento actual está, de facto, ligado aos múltiplos aspectos que a própria evolução da doença nos permite observar. As hipóteses multiplicam-se, muitas vezes em contradição entre si, também pelos cientistas que intervêm nas várias transmissões televisivas.

Temos a sensação, mas talvez seja algo mais do que uma simples sensação, que para estes cientistas seja mais importante do que a correspondência real entre a hipótese formulada e a objectividade científica, a oportunidade que a epidemia lhes oferece: adquirir um grau de popularidade nunca antes conhecido. Como disse Andreotti, numa das suas inúmeras pérolas de sabedoria: pensar mal é pecado mas muitas vezes está certo!

Alguns já estavam a pensar na fase 2 (uma fase em que as limitações impostas no período anterior são atenuadas, mesmo que o regresso à normalidade só possa ser alcançado progressivamente na fase 3, a fase de reconstrução), e assumiram que poderiam fazer uso, em resistência à infecção, da diferença de género, empregando apenas mulheres na retomada das actividades produtivas. Esta hipótese, obviamente, não teve qualquer êxito e foi atribuída, num curto espaço de tempo, às consideradas impossíveis de concretizar.

Embora o sexo feminino tenha mais defesas orgânicas contra a infecção do que o sexo masculino, outro problema afectou o sexo feminino durante a fase 1 da emergência pandémica. Com efeito, nesta fase, um número crescente de mulheres, obrigadas a permanecer muito tempo nas suas casas, sem possibilidade de sair, excepto por razões específicas declaradas na auto-certificação especial, encontrando-se em estreita coabitação com os seus homens, têm sofrido actos de violência doméstica por parte daqueles em quem tinham depositado toda a sua confiança.

A violência contra as mulheres é um fenómeno que infelizmente já existe, independentemente das situações causadas pela pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) constatou, num inquérito realizado em 2013, que uma em cada três mulheres (33% de todas as mulheres do mundo) sofreu qualquer forma de violência por parte de um homem.

Os operadores dos centros de escuta, responsáveis pela recolha de queixas de mulheres vítimas de violência, declararam que, durante o período de restrição das liberdades individuais, os pedidos de ajuda aumentaram drasticamente (de 1 de Março a 16 de Abril, o referido aumento atingiu mais 73% do que o normal). A obrigação de confinamento para estes sujeitos tornou-se um inferno de violência, a sua casa não tem sido o local seguro para se refugiarem. O convite sanitário para “ficar em casa” foi aceite como uma condenação de ter de sofrer violência dos seus companheiros que são incapazes de dar amor ou de o expressar.

Não é verdade que a síndrome de Estocolmo afecte as mulheres que permanecem à mercê do homem que as massacra no corpo e as aniquila na alma. Não é verdade que a mulher que é espancada e abusada ao longo do tempo esteja convencida de que a violência que sofreu pode ser interpretada como uma manifestação de amor do seu companheiro de vida, incapaz de se exprimir de outra forma.

Em alguns casos, especialmente em certas classes sociais, pode observar-se que a mulher violada declara que a violência recebida foi merecida, e o marido ou parceiro em tais circunstâncias torna-se aos olhos da vítima o carrasco, se não mesmo o educador. Na maioria dos casos, porém, o comportamento da vítima que se cala e tolera é o resultado da vergonha, do medo e da falta de confiança nas instituições. Muitas mulheres não sabem a quem recorrer; estariam dispostas a sair de casa com os seus filhos se soubessem para onde ir. Muitas deles nem sequer denunciam o estado em que se encontram, quer por medo de não serem levadas a sério, quer pela sua fragilidade económica, que não lhes permite autonomia.

Uma situação semelhante verifica-se também por ocasião das férias de Natal: as associações denunciam que, nestas circunstâncias, a violência doméstica aumenta até 30%. Estas são situações em que não há obrigação de permanecer na própria casa; mas o Natal é tradicionalmente vivido como o feriado em que a família se reúne, incluindo os familiares que, por várias razões, não costumam estar presentes durante o ano. E é também a festa das crianças: o presépio, a árvore, os presentes são ocasiões que permanecerão favoravelmente gravadas nos mais pequenos durante toda a vida. As mães, mesmo aquelas que infelizmente são vítimas de violência, quer para manter uma imagem de “casa acolhedora” para os seus familiares, quer sobretudo para garantir aos seus filhos um dia calmo, fazem o papel da noiva feliz e da mãe atenciosa.

As mulheres infelizes que são obrigadas a uma vida doméstica terrível devido à violência sofrida pelos seus companheiros não encontram, infelizmente, uma ajuda adequada que o Estado deva assegurar em tais situações que, entre outras coisas, ocorrem demasiadas vezes também na presença dos seus filhos. Se forem menores, terão este imenso fardo no futuro por terem testemunhado a violência contra a sua mãe sem a possibilidade concreta de intervir. Nessas crianças, haverá verdadeiros sentimentos de culpa com consequências muito graves para o seu desenvolvimento relacional.

Cito, a este respeito, apenas dois casos que considero particularmente significativos em relação aos danos psicológicos que experiências deste tipo podem produzir na psique dos menores, alterando o seu equilíbrio normal de crescimento.

No primeiro caso, uma criança de seis anos teve de assistir à violência perpetrada pelo seu pai contra a sua mãe. Temendo que ele próprio fosse vítima pelo comportamento dos pais, nem sequer se revoltou quando o pai voltou as suas atenções sexuais para ele. A criança, agora um homem, ainda ostenta os sinais de uma experiência que nunca o abandonou. A sua capacidade de relacionamento está gravemente comprometida. Ele não pretende entrar em relações com o sexo oposto porque tem medo de se comportar como o pai. Mas, mesmo com pessoas do mesmo sexo, ele revela um estado de espírito de extrema insegurança determinado pelo medo de que elas, com o reforço do relacionamento, o possam prejudicar.

O segundo caso diz respeito a uma menina adoptada aos nove anos de idade. O pai adoptivo teve de adoptar uma atitude cautelosa em relação a ela, para não a alarmar. A criança ficou, de facto, traumatizada pelo comportamento do seu pai biológico que, viciado em álcool, ao regressar a casa, levantava as mãos contra a mãe, espancando-a até ficar gravemente ferida. Infelizmente, a mãe sempre se recusou a denunciá-lo, na esperança de que as coisas melhorassem com o tempo. Ela estava convencida de que o seu marido era uma pessoa muito boa que, tudo somado, a amava e não merecia encarar os rigores da lei. A criança entregue à adopção para intervenção dos Serviços Sociais, não tinha tido outra experiência familiar na sua vida e estava convencida de que os homens fossem “o monstro”. Ela temia, portanto, a mera presença de um homem na família. A mãe adoptiva podia abraçá-la, beijá-la, fazê-la compreender o amor que havia na sua relação. Não é o pai adoptivo. Ele nem sequer pôde aproximar-se dela porque a menina, com alguma desculpa, refugiava-se na mãe adoptiva. Mesmo a menina, agora uma jovem mulher, teve consequências negativas que a impediram de alcançar uma relação satisfatória e criativa com o sexo oposto, como todo o ser humano teria direito.

Se as crianças que vivem em tal ambiente doméstico não forem menores, podem ocorrer reacções descontroladas dentro do agregado familiar. As crianças, se forem do sexo masculino, erguer-se-ão em defesa da mãe, estabelecendo relações exclusivas e ressentidas com o perseguidor, baseadas na mútua violência verbal. Não é raro que a violência induza a violência ao ponto de querer pôr fim a essa tragédia familiar a qualquer preço.

Num caso recente, um filho de dezasseis anos matou o seu pai com trinta e sete facadas para libertar a sua mãe dessa obsessão. É demasiado fácil imaginar, nessas trinta e sete facadas que o pai sofreu, a tragédia vivida durante anos por aquele jovem. Cada corte representava o desejo infinito de eliminar drasticamente uma relação doentia, cheia de sofrimento mútuo que, com o tempo, se transformou progressivamente em ódio. O ódio contra quem lhe deu a vida mas uma vida que, dia após dia e por causa da sua agressividade, era intolerável. Quantas vezes esse rapaz terá amaldiçoado no dia em que veio ao mundo! Agora esse rapaz vai ter de aceitar a justiça terrena. Certamente que os juízes irão considerar a situação em que a tragédia se desenvolveu, mas não será possível, mesmo com a ajuda de especialistas, retirar o que aconteceu da mente do rapaz.

Outro problema relativo às mulheres, na altura do Coronavírus, foi salientado com o início da segunda fase (afrouxamento das restrições impostas na anterior fase 1 para conter o contágio). A população envolvida nos sectores produtivos, comerciais e de serviços, com excepção dos trabalhadores do sector alimentar, agrícola e da saúde, bem como os cidadãos que não exerciam qualquer actividade, tiveram de permanecer, durante mais de oitenta dias, nas suas casas sem possibilidade de ir trabalhar. A partir de 4 de Maio, o Governo decidiu abrir parcialmente algumas actividades produtivas envolvendo cerca de quatro milhões de trabalhadores que poderiam finalmente retomar a sua vida profissional. Esta medida, porém, criou muitas dificuldades, especialmente em famílias com crianças que ainda não eram auto-suficientes.

O Governo, de facto, autorizando o recomeço da produção, não previu (ou se o fez, não providenciou as contra-medidas adequadas) que, em muitas famílias com crianças necessitadas de cuidados e/ou supervisão, onde ambos os pais foram afectados pelo recomeço da actividade, não saberiam a quem confiar os cuidados dos seus filhos. Não teria sido possível confiá-las aos seus avós, mesmo que eles se tivessem disponibilizado para realizar estas tarefas, uma vez que as recomendações divulgadas pelos especialistas eram para evitar a coabitação dos filhos e dos netos com os avós, a fim de salvaguardar a sua saúde.

De facto, a epidemia causou um total de mais de trinta mil óbitos no nosso País (incluindo os que morreram nas suas casas) e, entre os mortos, as pessoas com mais de setenta anos de idade representaram quase noventa por cento dos casos. O problema, portanto, só poderia ser resolvido de três maneiras: confiando os seus filhos a um vizinho disposto a isso, ou contratando uma babysitter, ou com um dos pais que teria de desistir do seu negócio. A solução do vizinho só poderia ser praticável por períodos relativamente curtos, mas não poderia ser a solução final; a solução da baby-sitter implicaria um encargo económico excessivo que, na realidade, comprometeria o salário de um progenitor.

A solução mais praticável, portanto, pelo menos tradicionalmente, só poderia consistir na renúncia da mãe a retomar o seu trabalho e, portanto, a permanecer na sua própria casa, satisfazendo assim as necessidades dos seus filhos. E, de facto, isto tem acontecido em muitos casos.

Mais uma vez, e precisamente por esta razão escolhi o termo “tradicionalmente”, os papéis que distinguiram algumas décadas passada foram reproduzidos, excepto em alguns contextos, mas numericamente limitados: a mulher é responsável pelo cuidado e pela educação dos filhos, enquanto o marido ou parceiro deve providenciar o necessário para a sua família. Nem mesmo a possibilidade de gozar uma licença remunerada, a chamada “licença parental” (que ambos os pais podem solicitar à sua entidade patronal, obviamente como alternativa) teve a força de mudar o papel desempenhado.

Esta situação deve-se a um legado cultural ou esconde outra motivação que talvez seja mais difícil de compreender? Existe uma relação entre a violência doméstica sofrida pelas mulheres e o papel desempenhado acima descrito? O património cultural existente, porém, não parece ser suficiente para explicar a rigidez das crenças populares dos séculos passados. Recordo uma frase que já ouvi muitas vezes pronunciada por mulheres de uma certa idade: o homem é um caçador, enquanto a mulher tem o dever de defender a sua honra. Pois bem, creio que este ditado contém todos os pré-requisitos para compreender o património cultural.

As diferenças entre os géneros representam a síntese de um caminho formativo: as raparigas brincam com bonecas, enquadram-se no mundo criando à sua volta, exprimem emoções, desejos e fazem projectos de tipo afectivo. Na verdade, elas treinam-se a si próprias na comunicação empática. Enquanto as crianças masculinas brincam, competem e não falam sobre o que sentem. Eles treinam-se para o mutismo emocional.

A questão torna-se quase espontânea: homens e mulheres são realmente dois mundos diferentes? A disparidade entre homens e mulheres não reside nas características biológicas dos sujeitos, mas nas estruturas sociais e culturais construídas, ao longo do tempo, para resolver as relações de poder, de acordo com uma lógica de domínio masculino. É aqui que surgem os diferentes papéis.

O artigo 559º do Código Penal [italiano, ndt] punia apenas o adultério da esposa porque se acreditava que o do marido não era capaz de provocar desaprovação social. Assim, o artigo 544º do mesmo código deixava o violador impune se ele casasse com a mulher abusada para salvar a honra pessoal e familiar dela. Conheço a história de uma mulher que, no início da década de 1950, teve de expatriar com o seu novo parceiro para não ser presa sob a acusação de abandono do telhado conjugal.

A situação ainda hoje sofre com os reflexos do passado. A mudança parcial do papel das mulheres, desde o final dos anos Setenta, foi o resultado de uma longa evolução que atravessou todo o século passado, mas o caminho para uma relação de igualdade efectiva entre os dois sexos está apenas no início. Quantas vezes, face a episódios de violação, os irreflectidos duvidam do comportamento da vítima na sua opinião. Desde a antiguidade que a mulher desempenhava um papel concebido como um benefício de que o vencedor de uma batalha podia gozar. Mas ainda no nosso tempo, talvez com uma discrição exemplar, o corpo da mulher é dado como recompensa pela celebração de um contrato vantajoso ou por qualquer outro motivo. Mas o próprio exercício da prostituição coloca a mulher como um objecto de lazer, como um brinquedo à disposição do homem. Trata-se, portanto, de um legado cultural que, sem dúvida, sucumbirá, mas apenas quando existir uma capacidade crítica que, ainda hoje, é absolutamente insuficiente. Pensemos, por exemplo, nos contratos de trabalho. Pelo mesmo trabalho, as mulheres recebem menos do que os homens, com uma diferença que pode ir até 20% ou 30%.

A cultura em que crescemos e em que estamos imersos revela-se fortemente limitadora para conceber um jogo dos papeis baseado num parâmetro de absoluta equidade. Foram feitas algumas tentativas, por exemplo, para determinar em comissões públicas ou políticas as “quotas cor-de-rosa”, ou seja, para estabelecer a priori que as nomeações sejam em percentagem adequadas para representar ambos os sexos. A tentativa, ainda hoje em vigor, não foi muito bem sucedida mesmo entre as próprias mulheres que, com razão, gostariam de ser reconhecidas, não com base num parâmetro pré-estabelecido, mas com base na sua capacidade real.

O aspecto cultural que abordei, embora em síntese extrema, suscita, na mente humana, o conceito de que os dois géneros têm especificidades diferentes, tanto físicas como biológicas, que determinam a divisão de papéis. E o homem, neste jogo das partes, desempenha o papel de quem exerce o poder, ou seja, o titular do comando. O rendimento necessário para a manutenção da família é uma prerrogativa do homem, o trabalho que envolve mais esforço físico é-lhe reservado, as decisões importantes são da sua responsabilidade, etc. Em alguns países asiáticos, o nascimento de uma mulher é vivido como se fosse uma tragédia: o recém-nascido, de facto, representa outra boca para alimentar com o mesmo rendimento familiar. Até há pouco tempo todo o núcleo familiar era identificado apenas com o apelido do marido: o apelido da mulher era quase esquecido com o tempo.

A soma das situações acima mencionadas, que o macho aprende a absorver desde cedo, produz apenas um resultado: afirmar a superioridade do macho sobre a fêmea. E é precisamente dentro de casa que o jogo dos papeis encontra a sua máxima expressão negativa, chegando até à supressão física da mulher se ela se permitir desrespeitar o homem. Nesta realidade, a violência doméstica e o fenómeno do femicídio encontram, infelizmente, terreno fértil. Recordo que, nos anos ’60, quando comecei a interessar-me pelas questões sociais, alguém me descreveu uma realidade que existia até vinte anos antes, que exprimia a maior degradação cultural e a demonstração do poder reconhecido do homem no seio da família. Em alguns Países onde o poder do homem nunca foi questionado, perpetuou-se a tradição feudal do ius primae noctis, que originalmente permitia ao “patrão” local, por ocasião do casamento do seu próprio servo, substituir o marido na noite de núpcias. Nas realidades acima descritas, o nível de degradação sócio-cultural em alguns Países permitiu a perpetuação desta tradição: o pai exercia o seu direito sobre as suas filhas. Obviamente, a realização de tais práticas incestuosas, no mínimo, definíveis de uma miséria única, deixou de se verificar, mas, para lhe conferir uma dimensão temporal, elas foram praticadas pelo menos até à Segunda Guerra Mundial.

Existe, portanto, uma ligação óbvia nos acontecimentos que caracterizaram o devir cultural com o jogo de papéis ocorrido na época do Coronavírus. A história não é constituída por capítulos separados, desligados uns dos outros, mas representa uma continuidade de acontecimentos em que o conhecimento científico em sentido lato progride e em que se desenvolvem as relações sociais, económicas e interpessoais que melhor respondem às necessidades do momento. O que acontece hoje encontra as suas raízes no passado.

Prevenção? Difícil. Os apelos na comunicação social valem o que valem (zero). Vamos ser honestos: não é uma questão de informação, é algo mais profundo que envolve tanto a herança cultural, quanto a inteligência dos sujeitos e o foro psiquiátrico. E que tem conexões com outras pragas, como aquela do alcoolismo por exemplo.

A herança cultural, pelo menos aqui na Europa, tem um peso específico cada vez mais reduzido, apesar de ainda estar presente em demasiadas regiões; mais complexa a situação em outras zonas do planeta, como a América do Sul, onde a violência domestica é algo ainda mais presentes. E não podemos esquecer aquelas áreas do planeta ainda mais desfavorecidas, onde nem sequer o assunto é abordado, onde não há dados nem pesquisa.

O quê fazer? Os hábitos culturais podem ser ultrapassados apenas com um trabalho de paciência e com a aplicação da lei. E aqui temos que realçar a atitude vergonhosa de alguns juízes: em Portugal, por exemplo, a maioria das condenações por violência doméstica resulta em pena suspensa. Como é possível isso? A violência doméstica é um dos crimes mais hediondos porque obriga mulheres e filhos a viver num constante clima de terror: pelo que, o imediato afastamento da família e da sociedade com prisão efectiva e um tratamento psiquiátrico obrigatório são os únicos passos que podem assegurar dum lado um mínimo de alívio às vítimas e, do outro, a tentativa para recuperar o culpado.

Porque se é verdade que também os indivíduos violentos são seres humanos e que merecem uma segunda oportunidade, doentes que têm que ser ajudados, é também verdade que tanto a segunda oportunidade quanto a cura não podem ser uma experiência feita à custa das vítimas: as crónicas estão repletas de casos sinalizados às autoridades que acabaram em tragédias por falta duma intervenção mais contundente. O nome de “Valentina” diz algo aos Leitores Portugueses? Pois.

 

Ipse dixit pater.

6 Replies to “A questão das mulheres em tempos de epidemia”

  1. Os agradecimentos ao Pai, e que faça disto uma rotina.
    O Lockdown serviu para muito pano de estudos da “psique” humana.
    Muitos começaram a perceber o que é a vida de casados, algo que não tinham, deixado a nu o lado oculto.
    Mostrou também que o ser humano para além de ser animal “social” é um animal selvagem com necessidades de liberdade, que a formatação ao longo do tempo pelo culto do eu ou do ter, retirou-lhe as qualidades humanas.
    A outra face também visível é a do suicídio, a ter em conta.

  2. Recomendo dois documentários sobre a violência doméstica que efectivamente tem de acabar:

    – A Pílula Vermelha (2016) | The Red Pill

    – Apagar o Pai (2014) | Borrando a Papá

    Ambos os documentários encontram-se disponíveis no Youtube e legendados em Português.

    «…e assumiram que poderiam fazer uso, em resistência à infecção, da diferença de género, empregando apenas mulheres na retomada das actividades produtivas…»

    Pegando nas palavras de Clara Zetkin:

    «…Não é por a mão-de-obra feminina ser mais barata que a torna apetecível para o capitalista, mas sim pelo facto da mulher ser mais submissa…»

    —————————————————————————————————————

    «…maioria das condenações por violência doméstica resulta em pena suspensa…»

    A nível jurídico a terrível violência doméstica (que tem de ser erradicada) exige um trabalho exaustivo; recomendo a leitura e análise do trabalho realizado ao longo de décadas por Erin Pizzey defensora dos direitos da mulher que criou a primeira casa de acolhimento para vítimas de violência doméstica no Reino Unido:

    – Erin Pizzey: Lei para expulsar homens de casa sem evidência suficiente

    https://www.youtube.com/watch?v=CMJcIyN2fHM

    P.S.: No Youtube à cerca 10/12 anos estavam disponíveis várias entrevistas, documentários, e excertos de vídeos sobre Erin Pizzey, muitos deles legendados em Português.

    De um momento para o outro esses vídeos que estavam publicados, seja por usuários(as) sem ligações político/partidárias ou ligados de alguma forma a movimentos/partidos de esquerda, democráticos, ou de defesa dos direitos das mulheres, deixaram de estar disponíveis.

    No seu lugar canais pertencentes a usuários(as) que dão a entender serem de direita ou contra o «feminismo», começaram a publicar alguns (poucos) vídeos legendados em Português com os depoimentos e entrevistas de Erin Pizzey.

    Fica o esclarecimento para que os leitores(as) que possam vir a ter interesse no trabalho da sr.ª Pizzey, não deixem condicionar o vossa análise e raciocínio pela desinformação e revisionismo que a corrente «extrema-direita, direita, centro, esquerda, extrema-esquerda» fazem sobre esta temática.

  3. No brasil, a violência contra mulher é assunto banal. Embora haja uma lei que tente penalizar com mais rigor este tipo de delito ( Lei Maria da Penha sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 ), na prática tornou-se pouco eficaz.

    O medo de represálias do cônjuge, a ineficiência da proteção policial, a morosidade da justiça, a falta de recursos para arcar com custas judiciais, joga esta lei ( na teoria, até bem intencionada ) na vala comum com todas as outras: só servem para os ricos.

    Hoje , já não se contabiliza mais por agressões e sim, por mortes . O feminicídio vem crescendo em conformidade com a crise econômica e seria uma grande surpresa caso essa tendência não aumentasse com a onda do Covid.

    Vejam:

    https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/01/numero-de-casos-de-feminicidio-no-brasil-cresce-22-durante-a-pandemia.htm

    Até agora o STF ( para tristeza do Bozo e seus miquinhos amestrados ) tem barrado as flexibilizações da lei que permitiriam o uso de armas de fogo pela população brasileira. Para sorte das mulheres. Mas, até quando ?

  4. Esperar pela legislação pensada e autorizada por homens, brancos e à serviço dos interesses de elites dominantes? É o faz de conta que adoramos! Pode-se voltar ao início das civilizações (e acentuado pelo monoteísmo) e se perceberá o mais do mesmo. Figuras protagonistas bíblicas, Patriarcados, patriciados, pariatos, Ordens religiosas ou seculares e outras tantas instituições sempre denotaram sociedades verticalizadas onde o gênero era um dos determinantes básicos.
    São princípios meramente propagandísticos, divinizados por mitos, lendas e heróis. Na raiz, estão farsas que regem civilizações inteiras. Acredita-se que Deus elegeu um povo acima de todos os outros, que elegeu o homem acima da mulher, e assim por diante…
    Você investiga a origem das “Casas Reais” mundo afora e chega sempre ao mesmo resultado. São legitimadas através de personagens lendários sem qualquer valor histórico, que serviram apenas para justificar hierarquizações sociais ao longo do tempo, e dar início a formações de linhagens e dinastias voltada a dominar, exercer poder, subjugar e escravizar.

  5. Voltamos a doença mental que muitos chamam de religião, de fato sempre foi a principal causadora das diferenças entre seres humanos tanto no sexo quanto nas raças, sempre observei nessa história a falta de responsabilidade de quase todas as religiões, construíram a sociedade visando somente seus próprios interesses, agora está criado o monstro, qual será o remédio para essa doença ?

  6. Olá Max: o artigo do teu pai me fez reconhecer a minha ingenuidade. Repassa meus agradecimentos. Sempre associei a violência doméstica a um ambiente cultural deteriorado, típico do terceiro mundo onde vivo. Não associava à pobreza, longe disto. Aqui neste país, certo presidente da república, que vive hoje em Paris, casado com quem podia ser sua neta, chegou a quebrar o braço da primeira esposa, pessoa muito mais culta e honesta que ele próprio.
    Surpreendentemente vejo que a situação é geral. E me pergunto porque jamais me passou pela cabeça tolerar qualquer violência física e até mesmo moral de alguém com quem tivesse relações afetivas. De fato isso jamais aconteceu, a não ser fora do meu conhecimento. Na verdade, estar ou não estar em meio a um relacionamento afetivo, não muda o meu comportamento.
    Infelizmente vejo o contrário. Mulheres que considero inteligentes, com uma certa cultura,independentes financeiramente me mostram uma atitude feliz, plena, realizadas, se acompanhadas da figura masculina a qual possam chamar de “meu companheiro”. E só cortam uma relação em último caso. Parece uma dependência ancestral, quase genética. Isso também deve dar margem a todo tipo de violência, tanto masculina como feminina.

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