Manipulação: os outros e nós

Lembramos: a credibilidade é uma moeda que viaja sobre a emoção, não sobre a racionalidade. Importa? Sim, e muito, porque para entender o que se está a passar nestes meses, e também para tentar mudar o panorama, é necessário entender como funciona a “máquina Homem”. Isso é: nós.

Ponto um: ninguém muda de ideias por razões racionais, nunca, nem mesmo o Leitor ou eu. Estruturamos as razões racionais a posteriori, depois, quando já decidimos mudar de ideias, de modo a não nos sentirmos demasiado parvos. Mas a mudança é algo repentino, não pensado: é uma faisca que a seguir pretendemos fundamentar com a racionalidade. E se não encontrarmos suficiente racionalidade, somos nós próprios que a criamos.

Para começar uma mudança, tudo o que precisamos é um desconforto, algo que podemos chamar de “dor”. Nada de grave: uma dor leve, como uma dor de barriga. As pessoas fazem o resto sozinhas: como sabem muito bem aqueles que trabalham em processos de mudança perceptiva das massas, lutar para fornecer a informação perfeita para um ou outro grupo alvo é inútil. Aqueles que experimentam esta dor passam então à racionalidade e procuram eles próprios a informação que melhor os satisfaz, os dados que proporcionam o apoio adequado para a ideia que querem tornar deles.

É o mecanismo de “criação de motivações racionais”, o mesmo que utilizamos quando por exemplo escolhemos encerrar uma relação com uma pessoa: bastará exagerar qualquer mal-entendido para concluir que “somos demasiado diferentes” ou que “tentámos de todas as maneiras mas…”. Para outros serão necessárias razões mais marcantes ou mais profundas, tais como uma traição mais ou menos real ou problemas complicados e obscuros de compreensão e partilha das prioridades da vida.

Da mesma forma, para mudar de opinião sobre questões políticas, culturais, sociais ou de actualidade, algumas pessoas precisarão apenas de artigos cheios de pontos de exclamação e ícones coloridos. Outros vão precisar da palavra de alguém que amam até sem o conhecerem, mesmo que seja só porque ele chuta uma bola ou cozinha na televisão. Outros ainda terão de ler artigos de diários ou editoriais bem escritos e pensados. E há quem encontre estudos científicos, necessários, elogiados por Organismos Supremos, ou talvez censurados em todos os lados e escondidos pela BigPharma.

É assim que funciona boa parte da informação alternativa e dos media: trata-se duma escolha, passa-se a realidade pela peneira e retira-se apenas aquilo de que mais precisamos. É uma questão de gosto: o processo não muda, é sempre o mesmo. Todos precisamos apenas de justificar aquilo em que precisamos de acreditar, encontrando razões convincentes para acreditar.

Mas se não é fornecendo estudos, receitas, explicações e motivações lógicas que se é levado a acreditar em alguma coisa, então como se faz? Já todos viram como se faz: um Ministro da Saúde vai para a televisão e grita: “Morreram 270 crianças de Covid-19 em Londres no mês passado!”. Isso não é verdade, é uma mentira, mas o que é que isso importa? A mensagem visa estimular o medo atávico da doença, o instinto de proteger a prole, a necessidade de sentir-se seguro, o desejo perene de sentir que as “Grandes Forças” libertam do mal. Intercedem por nós, salvam-nos do apocalipse. Trata-se de uma mensagem absolutamente perfeita para a influência social. Credibilidade? Não é necessária.

Mas não é preciso ser Ministro da Saúde para desencadear o tal desconforto e catalisar uma mudança de perspectiva. Nas redes sociais, qualquer mensagem que se torne viral, por mais “verdadeira” ou “credível” que possa parecer, pode ter o mesmo efeito. Pode explorar os mesmos mecanismos, idênticos, de medo, rejeição, ternura, raiva, curiosidade, etc., para iniciar mudanças perceptivas, reelaborações da realidade e da identidade. Foi por isso que está a ser utilizada a censura: alguém sente que estamos a roubar-lhe o seu terreno de jogo.

Agora, porém, concentrem-se: não estou a falar apenas daquilo em que os outros acreditam, aqueles que lá estão, o público ingénuo, os analfabetos funcionais. Estou a falar de nós, o Leitor e eu, claro. Estou a falar de como é possível sentir-se seguro, fora da multidão porque “compreendemos” e “não nos deixamos influenciar”. Sim: sentimo-nos como superiores, mas com modéstia, reconhecemos que são eles, os que estão lá, que não entendem, não somos nós que somos mais inteligentes.

Sejamos realistas, é assim que funciona para o Leitor e para mim também. Funciona para todos porque somos animais com mecanismos que actuam segundo padrões bem conhecidos. A única verdadeira diferença é entre quem repara nisso e quem não repara. Enquanto não conseguirmos olhar para nós e admitir que somos iguais aos outros, continuaremos simplesmente a obedecer. Repito: obedecer. É este o perigo porque negar que o tal mecanismo actue também sobre nós significa considerar-se “superior” e não manipulável: é exactamente nesta altura que ficamos mais manipuláveis e vítimas do “esquema”.

Então: um banho de humildade? Mais do que isso, a chave é definir a nossa existência, a nossa identidade. Somos o que somos, nem melhores nem piores do que os outros. E, tal como os outros, estamos sempre expostos aos perigos da manipulação, nunca estamos imunes.

Dúvida: mas se todos podemos ser manipulados em qualquer altura, como é possível definir a nossa identidade? Onde fica a verdade não manipulada?

Surpresa: não existe a verdade. “Verdade” é o que nós decidimos ser verdade. Somos nós que construimos a verdade. Então o que temos que fazer é só fixar as nossas prioridades e assumir as consequências das nossas escolhas. Temos que decidir quem somos, porque, caso contrário, alguém estará certamente a decidi-lo por nós.

 

Ipse dixit.

13 Replies to “Manipulação: os outros e nós”

  1. A verdade é inexistente exclusivamente no campo poético filosófico. A base de nossas crenças são fixadas em nossas mentes muito antes de termos opções de escolha, ou mesmo de discernimento. Eis o ponto de partida. Nossas pretensas “mudanças” já estavam prontas para serem ativadas desde muito cedo, apesar de não termos consciência disto. Os gatilhos, estes sim, são de fundo emocional. Nossas emoções, e portanto, nossas sensibilidades, tem relação direta com nosso modelo mental altamente condicionado.

  2. Independente do que está por trás disso tudo, o fato OBJETIVO E VERDADEIRO é:
    O vírus leva muita gente para a UTI sobrecarregando o sistema. Nenhum sistema de saúde de nenhum país do mundo consegue atender a demanda dos casos que ocorrem normalmente somados aos da COVID19. Os pacientes da COVID ficam 15 dias ocupando um leito da UTi. Meu primo é excelente e reconhecido médico e professor, tem 65 anos! Ele disse que jamais viu algo sequer parecido!
    Ele mente? Ele é um alienado que se deixou levar pelo sistema? Seus colegas e enfermeiros e ajudantes se contaminaram psicologicamente?
    Ele está afastado da família a 40 dias por ser burro?
    O FATO OBJETIVO E COMPROVADO é que o distanciamento social, máscaras e medidas de prevenção impedem o colapso hospitalar.
    Ter que falar isso para luminares da geopolítica aqui e igualmente para o gado bolsonarista é bizarro.
    Todos nós somos manipulados, enganados e usados. Se sentir fora da matriz faz bem para o ego mas é só tira forma de alienação!
    O momento é de objetividade! Empatia!
    Bolsonaro pensa como vocês! Diz que 70% vai se contaminar e está deixando isso acontecer!
    70% é 150 milhões de brasileiros. 16% dos contaminados são HOSPITALIZADOS com gravidade, o que dá 24 milhões de brasileiros!
    Mesmo que houvesse 24 milhões de leitos na UTI com todo aparato, mesmo assim morrem 7%, o que dá 1 milhão e setecentas mil pessoas mortas pq um grupo fora da Matrix acha bobagem medidas de segurança!
    Parabéns!!!

    1. Oi Ale, sua meia verdade é tao valida quanto a meia verdade que você ataca. Por exemplo, a Fio cruz descobriu que o vírus está presente no brasil pelo menos desde janeiro, você sabe como um vírus se propaga? qual o poder de propagação? Aqui na Europa não é diferente, provavelmente todo mundo já pegou o vírus, não ha o que temer neste sentido. O problema das UTIs é o mesmo problema de todos os governos, pois se a saúde fosse verdadeiramente universal, haveria o mesmo numero de UTIs que de habitantes em cada cidade. E sabemos que muitas cidades nem hospital tem…
      O problema é cronico, esta é a meia verdade que tentamos alcançar aqui. Tao válida quanto a sua.

    2. Olá Ale!

      “O FATO OBJETIVO E COMPROVADO é que o distanciamento social, máscaras e medidas de prevenção impedem o colapso hospitalar. Ter que falar isso para luminares da geopolítica aqui e igualmente para o gado bolsonarista é bizarro.”

      Obrigado pela falta de educação. Agora tente explicar isso ao gado bolsonarista da Suécia: sem medidas de contenção, sem máscaras, sem distanciamento social conseguiram obter os mesmos números que é possível encontrar numa vaga de gripe aqui em Portugal. Serão todos “luminares da geopolítica” também aí?

      Quanto ao seu primo: não conheço, portanto não me exprimo. Mas aconselho fazer um pequeno esforço e tentar ler o artigo sucessivo, fruto de alienádos médicos bolsonaristas da Alemanha. Mais: aqui, no blog, publiquei dezenas de declarações de especialistas, é só procurar os artigos que têm como tag “Coronavirus”:

      Para concluir, aqui gosta-se de factos, não de propaganda, pelo que lembro que tenha pedido os dados que fundamentam a sua afirmação segundo a qual este virus “é altamente contagioso”. Obviamente ainda estou à espera.

      Peço um pouco de educação para manter a discussão no limite do bom gosto. Peço isso, naturalmente, tanto ao Ale quanto a todos os que respondem aos comentários dele.

      Obrigado!

    3. O que leva muito mais gente aos atendimentos hospitalares não é o vírus meu amigo, mas o clima de terror imposto pela propaganda maestro, e assim, dentro dos hospitais, boa parte do que não era problema acaba se tornando…

      1. Ah, sim… O sujeito está em casa , sente um arranhão na garganta e pensa. ” Acho que vou lá para o hospital pegar um COVID , afinal , virou modinha”.

        Todos concordam que estamos numa guerra e numa guerra o que é mais vantajoso, matar ou ferir o inimigo ? Pense que para um soldado ferido, mobiliza-se outros dois para carregá-lo e há toda uma logística por trás do hospitalizado. Se vc mata o inimigo, seus opositores só terão o trabalho de enterrá-lo.

  3. “Somos nós que construimos a verdade”

    Quando somos formatados de uma maneira a vida inteira, torna-se uma rotina à qual a nossa realidade está moldada incapaz de aceitar opnião contrária (fora da “caixa”).
    No momento em que começamos a questionar e a despertar a curiosidade/busca do poquê, começa uma enorme luta interna para desprogramar toda a aprendizagem e ter o pensamento critico.
    É isso que falta, pensar e questionar. A “verdade” é melhor aceite quando dita (TV/Jornal/Especialista/mms/ donos da razão), deste modo assimila facilmente sem necessidade de duvidar/pensar.
    Esqueçam o virus, tentem ver o resto, algo não está bem. O quê? Que se passa? Porquê disto? Porque agora? Questione a si próprio.
    Um exemplo excelente está presente na obra They live, na mais longa cena de luta no cinema, que acaba por ser aquilo que é a nossa luta interna para desformatar… longa.

  4. Olá Max e todos: há um problema de fundo, que coloca a nossa verdade em um determinado lugar: o consentimento frente ao ou aos que reconhecemos como autoridade. Podemos colocar a autoridade no médico, no professor, no cientista, no âncora da TV, nos livros que nos são dados conhecer… Percebem como, na maioria das vezes, a palavra final, aquela da autoridade está quase sempre fora de nós ?
    Vivemos tanto tempo no planeta e dificilmente colocamos a autoridade em nós mesmos, naquilo que partilhamos e vamos construindo coletivamente, na experiência pessoal, nos nossos instintos e dúvidas. Balancear a verdade, entre tantas verdades, só quando requeremos a autoridade para nós mesmos, o julgamento e a decisão ou são nossos atributos, ou nunca seremos capazes de sermos livres, pelo menos no pensamento.

  5. Caríssimo, mais uma vez na ‘mouche’. E só acrescento meu lamento por constatar que muitos comentaristas apenas vem aqui debitar suas achegas sem vincular, expandir ou complementar, (enriquecendo ou não) o que você deixa exposto, nos seus textos excelentemente originais, como é este um dos casos. E disse…

  6. Estamos a notar que alguns dos novos comentaristas tentam incutir suas visões oficialistas, mas irão se estrepar pois o II preza justamente por não sucumbir ao padrão editorial do que estão habituados a conviver. Está ficando engraçado…

  7. A humanindade comporta-se em linhas gerais como os macacos, e todas as civilizações que construímos nos últimos milénios escondem e favorece messe comportamento. Estamos como sociedade tão perto da verdade como o bando de símios no jardim zoológico.

Obrigado por participar na discussão!

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