Big Pharma & Coronavirus: o caso Emergent Biosolutions

Hoje artigo muito comprido. Mas comprido mesmo. Um artigo que, partindo da crise do Coronavirus, analisa os meandros da Big Pharma. Através das “aventuras” de uma empresa e dos respectivos gestores, será possível observar como funciona o obscuro mundo das farmacêuticas. Tranquilos: nada de Bill Gates por aqui, não de forma directa aos menos. Os nomes apresentados não são tão conhecidos aos olhos do grande público. E talvez seja esta a melhor maneira para observar a forma como actua o cartel de Big Pharma. De facto, o artigo é bem comprido, tal como antecipado, mas fornece um raro e particularmente detalhado relato sobre as tácticas, as ligações, as conexões das empresas farmacêuticas e de como estas consigam, não apenas atravês duma lobby, manipuilar e condicionar o serviço público em prol dos lucros privados.

Ante do começo, um agradecimento aos autores: a jornalista Whitney Webb (que já encontrámos na série dedicada à pedofilia e Geoffrey Epstein) e o pesquisador Raul Diego.

Uma nota acerca das fontes primárias, aquelas utilizadas pelos autores para redigir o artigo. São presentes, são muitas (Whitney Webb costuma ser quase “exagerada” neste sentido) e podem ser consultadas na versão original do artigo (ver link MintPress) onde estão inseridas directamente no texto. Só no acrescento agora porque já traduzi a tralha toda e agora vou sair 🙂

Boa leitura.

Uma empresa assassina: como uma das empresas mais corruptas da Big Pharma planeia ficar com o mercado da Covid-19

Em Agosto de 2001, a empresa farmacêutica BioPort enfrentava um desastre. Uma série de escândalos corporativos, controversos resgates federais e graves efeitos secundários dos seus produtos entre as tropas americanas levaram o Congresso e o Pentágono a reconsiderar o contrato multimilionário para o fornecimento aos militares duma vacina contra o antrax.

Fundada exclusivamente com o objectivo de adquirir uma empresa pública no Michigan que detinha a licença para produzir as únicas vacinas contra o antrax aprovadas pela FDA nos EUA, a BioPort procurou imediatamente expandir a sua dimensão e o âmbito dos seus contratos com as forças armadas americanas. Esta estratégia tinha sido facilitada pelo antigo Chefe do Estado Maior Adjunto, o Almirante William Crowe, que mais tarde se revelaria de importância fundamental para a realização do monopólio das vacinas da BioPort e para a subsequente utilização agressiva de antigos funcionários governamentais como lobistas.

Em qualquer caso, imediatamente após ter obtido estes contratos multimilionários e assegurado o monopólio das vacinas contra o carbúnculo, a BioPort tinha afirmado estar financeiramente de rastos e tinha sido salva por um financiamento de 24 milhões de Dólares obtido a pedido do Pentágono, que tinha alegado, como justificação, “preocupações com a segurança nacional”.

Mais tarde, os auditores do Pentágono verificaram que grande parte dos fundos atribuído à BioPort não tinha sido contabilizado e que o dinheiro “evaporado” não tinha sido utilizado para a modernização da instalação de produção, pelo que não teria renovado a licença de produção até que uma série de problemas (sanitários e não sanitários) tivesse sido resolvida. Entretanto, dezenas de soldados que tinham sofrido os efeitos secundários causados pela vacina contra o antrax da BioPort (alguns tinham sido mutilados para toda a vida) tinham começado a falar, dando origem a um interesse indesejável sobre o produto mais importante e a principal fonte de rendimento da BioPort.

Em Agosto de 2001, a BioPort parecia enfrentar a iminente ruína devido a este e outros escândalos. Os ataques com antrax em Setembro tinham chegado na altura certa para a empresa, porque a procura da sua vacina contra o antrax tinha disparado, levando a novos e lucrativos contratos governamentais. A licença de produção tinha também sido rapidamente renovada, graças à intervenção do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), embora subsistissem muitos problemas com a estrutura de produção.

Embora convenientemente resgatada dos infelizes acontecimentos de 2001, a BioPort tinha imediatamente exercido pressão para obter contratos ainda maiores, exigindo novas aquisições da sua controversa vacina contra o carbúnculo junto do governo. Aproveitando o medo causado pelos ataques com antrax de 2001, o governo foi levado a armazenar vacinas contra o antrax, não só para os militares, mas também para os civis, trabalhadores dos correios, polícia e muitas outras categorias que poderiam ter sido potencialmente ameaçadas se os ataques com antrax se tivessem repetido.

Jerome Hauer

Na altura, um dos principais apoiantes da expansão dos contratos do BioPort trabalhava para o Departamento de Saúde e Serviços Humanos: era Jerome Hauer, um homem que não só conhecia antecipadamente os ataques com antrax, mas que também tinha participado na simulação do Dark Winter, na qual, alguns meses antes, esses mesmos ataques tinham sido previstos.Hauer, alguns meses mais tarde, seria colocada no topo de uma nova estrutura da HHS, com a tarefa de supervisionar as reservas de produtos de defesa biológica, dos quais a BioPort era um dos principais beneficiários.

Em 2004 a BioPort foi reestruturada e rebaptizada como Emergent Biosolutions. Por conseguinte, tinha contratado lobistas ainda mais bem relacionados e tinha muitos nomes importantes no governo e no sector privado com assento no seu conselho de administração. Um destes “grandes nomes” foi nada mais nada menos que Jerome Hauer, que foi acrescentado ao quadro da Emergent imediatamente após ter deixado a HHS. Hauer continua a ser director da empresa e é membro de três elementos da administração.

A Emergent Biosolutionss beneficiou não só do medo do antrax, mas também de outras crises pandémicas e recebeu mais tarde um apoio considerável por parte da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI, Coligação para as Inovações na Preparação para as Epidemias) apoiada por Bill Gates. Em seguida, voltou a sua atenção para o fenómeno da dependência opiácea e da overdose, adquirindo os direitos para o tratamento rápido da overdose opiácea, processando também todos os fabricantes de genéricos deste medicamento vital para salvar vidas.

Dada o seu histórico, não é surpreendente que a Emergent Biosolutions possa beneficiar da crise do Coronavírus (Covid-19). A empresa está particularmente bem posicionada para obter lucros recorde com o Covid-19, pois apoia não um, mas dois candidatos a vacinas e até um tratamento experimental do plasma sanguíneo já aprovado para ensaios clínicos no Estado de New York, graças em parte ao antigo chefe de Jerome Hauer, o Governador de New York, Andrew Cuomo. As outras grandes empresas americanas que estão a desenvolver vacinas para o Covid-19 são parceiros estratégicos da controversa agência de investigação do Pentágono DARPA, que nos últimos anos alinhou-se cada vez mais com a HHS graças a outro participante no Dark Winter, Robert Kadlec.

Neste artigo será explorada a importância crescente do Biosolutions, possibilitada por actos de flagrante corrupção e pelo intercâmbio entre o público e o privado. A ligação clara entre a Big Pharma, o governo e os “centros de biossegurança” associados às universidades lança a luz sobre o complexo biotec-industrial que há muito domina a política de biodefensa dos EUA e impulsiona agora grande parte da resposta do governo dos EUA à crise do Coronavírus.

Nasceu uma bioameaça

Durante meio século, Vladimir Pasechnik foi um cidadão soviético exemplar e o seu valor científico no domínio das armas biológicas valeu-lhe o grau honorário de General. Contudo, o seu feito não parecia ter inspirado muita lealdade quando, em 1989, telefonou para a Embaixada Britânica a partir de uma cabine telefónica em França. O famoso microbiologista desertou para Inglaterra, uma decisão que precedeu de poucos meses a queda do Muro de Berlim. No entanto, poucas pessoas para além de Pasechnik poderiam ter dado a Whitehall [sede do governo britânicond] uma visão mais convincente do que se passava por detrás da Cortina de Ferro, com histórias chocantes de agentes patogénicos monstruosos concebidos pela Biopreparat, o programa de armas biológicas ultra-secreto da Rússia comunista.

Christopher Davis, o director do MI6 de Pasechnik, tinha partilhado com os seus homólogos americanos toda a informação recolhida, incluindo alegações de que os investigadores da Biopreparat tinham desenvolvido estirpes resistentes aos antibióticos de carbúnculo, tularemia e toxina botulínica. Segundo Davis, doenças antigas, como a peste, também tinham sido modificadas. Quando as histórias acabaram, Pasechnik tinha recebido um cargo nas instalações de biodefesa da Grã-Bretanha em Porton Down, onde ficaria mais uma década antes de constituir a sua própria empresa de biotecnologia.

No entanto, o establishment geopolítico ocidental não tinha perdido tempo em criar, após o colapso da União Soviética, uma nova narrativa sobre as iminentes ameaças globais das armas biológicas. A demissão de Gorbachev em 1991 tinha subitamente provocado o colapso do mercado da retórica sobre a Guerra Fria no Ocidente e o enorme complexo militar-industrial que tinha beneficiado com essas tensões ainda se encontrava carregado, mas sem um bicho-papão a quem culpar.

Pasechnik foi apenas um dos muitos ex-alunos da Biopreparat que desertaram para Países ocidentais; outro exemplo bem conhecido foi Ken Alibek (nascido Kanatjan Alibekov), que desertou para os Estados Unidos em vez de para o Reino Unido. Muitas das afirmações sensacionais e das terríveis advertências de Alibek sobre o programa soviético de armas biológicas da década de 1990 revelar-se-iam, mais tarde, falsidades completamente fabricadas. Contudo, Alibek manteve intacta a sua influência no sector da biotecnologia e nos círculos de Washington, onde a capacidade de vender o medo é frequentemente uma qualidade procurada.

Pasechnik, porém, não tinha tido tanta sorte, uma vez que tinha morrido por causa dum suspeito ataque cardíaco em Novembro de 2001. Ele foi um dos onze melhores microbiologistas do mundo a morrer em circunstâncias misteriosas, de Novembro de 2001 a Março de 2002.

À luz das afirmações feitas por Pasechnik, Alibek e outros nos anos ’90, um grupo relativamente pequeno de pessoas bem relacionadas, muitas das quais participariam mais tarde na simulação do Dark Winter em Junho de 2001, afirmou que a Biopreparat continuava a representar uma ameaça, partindo do princípio de que os desertores do programa poderiam não ter voltado para o Ocidente mas, pelo contrário, para regimes rivais como o de Saddam Hussein no Iraque.

O carbúnculo foi imediatamente considerado uma das principais ameaças destes profetas das armas biológicas, de tal forma que, alguns meses após o colapso da União Soviética, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos lançou um concurso para a produção de 6.3 milhões de doses de vacina contra o carbúnculo. Em comparação, apenas tinham sido solicitadas 700.000 doses no contrato do ano anterior.

Problemas de abastecimento

O Michigan Biologic Products Institute (MBPI) foi fundado em 1926 pelo Estado para satisfazer as necessidades de vacinação da população predominantemente rural. Muitas destas pessoas trabalhavam em explorações agrícolas e precisavam de vacinas contra doenças naturais como o carbúnculo bacteriano e a raiva. Nos anos ’80, esta empresa era o único fabricante de vacinas contra o carbúnculo nos Estados Unidos, depois da regulamentação sanitária dos anos ’70 ter posto fora do mercado a maioria dos fabricantes privados de vacinas. A vacina contra o carbúnculo MBPI era conhecida como Anthrax Vaccine Adsorbed (AVA) ou BioThrax.

De acordo com as recomendações políticas emitidas pelo Mackinac Center for Public Policy, uma organização de fachada dos controversos irmãos Koch, o governador de Michigan, John Engler, tinha-se agarrado às perdas financeiras endémicas do MBPI para justificar a venda, em 1996, do único fabricante nacional de vacinas certificadas contra o carbúnculo. No entanto, após uma análise mais aprofundada, a verdadeira razão da decisão foi um súbito aumento da procura por parte do único cliente do laboratório, o Governo dos Estados Unidos, e a incapacidade da MBPI para a satisfazer.

A empresa sediada no Michigan teria exigido renovações maciças para poder responder às necessidades de um aparelho de segurança nacional que se tinha reconstituído perante a ameaça das armas de destruição maciça e da guerra biológica, uma ameaça em grande parte criada artificialmente pelas histórias dos desertores soviéticos. O Pentágono tinha oferecido 1.8 milhões de Dólares para as renovações necessárias, mas nenhum candidato tinha aparecido, pelo menos ninguém com passaporte americano.

Nesse mesmo ano, a DynCorp, a eterna empresa norte-americana de defesa, entrou em actividade com um obscuro grupo de empresários biotecnológicos do outro lado do Atlântico, formando a DynPort Vaccine Company, LLC, uma combinação do nome da DynCorp com o do seu parceiro britânico, Porton International, Inc. O presidente desta última empresa, Zsolt Harsanyi, lideraria também a DynPort, uma vez que a empresa britânica começou a lançar as bases para a sua segunda tentativa de se apoderar de um monopólio crucial na indústria biotecnológica americana.

O monopólio dos germes

A Porton International nasceu como resultado da Revolução Thatcheriana, que balcanizou as actividades do sector público britânico, distribuindo-as por grupos privados que muitas vezes tinham estreitos laços com funcionários e políticos do governo britânico. Entre estes grupos encontrava-se o Center for Applied Microbiology and Research (CAMR), um ramo biotecnológico do famoso Laboratório de Ciência e Tecnologia de Defesa do Reino Unido, vulgarmente conhecido como Porton Down, que foi também responsável pelo programa de vacinação contra o antrax do Reino Unido.

A Porton International iniciou a sua actividade em 1982, quando o financeiro londrino Wensley Haydon-Baillie, fundou a empresa para desenvolver um medicamento anti-herpes inventado pelo Dr. Gordon Skinner, um medicamento que não tinha passado a fase de ensaios clínicos e que nunca tinha entrado no mercado. Em 1985, a Haydon-Baillie tinha garantido direitos exclusivos de comercialização dos medicamentos desenvolvidos pela CAMR, um acordo de interesse do Governo de Thatcher que trouxe enormes investimentos da British Telecom e do Lloyds Bank, entre outros, num total de 76 milhões de Libras. A Haydon-Ballie tinha beneficiado muito com o acordo, recolhendo dividendos anuais de meio milhão de Libras e vendendo parte das suas acções por 24 milhões de Libras em 1986.

Em 1989, a Porton International adquiriu a Sera-lab e a Hazleton Biologics, Inc., dotando-as de uma rede de distribuição consolidada. No ano seguinte, a oferta da empresa para comprar os laboratórios CAMR, com 650 trabalhadores, foi aceite pelo Secretário de Saúde britânico Kenneth Clark, apesar da oposição dos trabalhadores que tinham votado contra a aquisição.

Casa Fuad

Na altura da venda, Haydon-Ballie, outrora o quinquagésimo homem mais rico de Inglaterra, estava prestes a deixar a Porton International sob a acusação de ganhos ilegais. Por volta da mesma altura, a vacina contra o antrax estava prestes a entrar num mercado em expansão e a Porton International estava agora numa posição privilegiada para colher todos os benefícios.

Um ano antes, em 1989, Ibrahim El-Hibri, um cidadão venezuelano que tinha feito fortuna a trabalhar para algumas empresas de telecomunicações americanas, tinha-se tornado um sócio silencioso da Porton International. O seu filho, Fuad El-Hibri, tinha sido nomeado director da Porton Products, Ltd, uma filial internacional da Porton, o canal através do qual a família El-Hibri obteria enormes lucros vendendo vacinas contra o antrax à Arábia Saudita e a outros Estados do Golfo por 300-500 Dólares por dose. Fuad El-Hibri já tinha sido anteriormente colaborador dos serviços de inteligência da Booz Allen Hamilton e um executivo do gigante de Wall Street, a CitiGroup.

Almirante William Crowe

O velho El-Hibri tinha um talento para os negócios que remontava aos anos 70, quando viveu no Qatar e fez amizade com o então chefe do Comando Central dos Estados Unidos, Almirante William Crowe. Este soldado de carreira manteve-se em contacto com El-Hibri ao longo dos anos e provavelmente também lhe deu alguma vantagem comercial na altura em que Crowe ainda fazia parte do conselho de administração da gigante farmacêutica Pfizer. Então Crowe, no final de 1997 (pelo menos oficialmente, mas provavelmente muito antes), pegou o telefone e fez uma proposta de negócios ao seu velho amigo.

Em 1997, o então Secretário da Defesa dos EUA William S. Cohen anunciou um plano de vacinação de todos os membros do exército americano contra o antrax, um projecto que acabaria por levar à vacinação de cerca de 2.4 milhões de soldados até 2003. O Almirante Crowe, que na altura era Embaixador dos EUA no Reino Unido, tinha rapidamente contactado El-Hibri para discutir as perspectivas do mercado americano de vacinas contra o antrax à luz da nova política do Pentágono.

O único problema era conseguir um passaporte americano para o seu filho, Fuad El-Hibri, para que ele pudesse gerir o negócio directamente nos Estados Unidos. Para contornar o problema rápida e facilmente, o Almirante, com os seus fortes laços políticos e ligações intactas e profundas ao Pentágono, tinha sido nomeado director da BioPort e tinha recebido 10% das acções da empresa, apesar de não ter investido um único cêntimo na empresa.

Tudo estava agora pronto para a inclusão da Porton International no negócio exclusivo de contratos públicos do governo dos EUA sob o nome de BioPort, Inc. Como golpe de sorte, o presidente da Porton International, Zsolt Harsanyi, tinha acabado de receber um contrato de 10 anos do Departamento de Defesa no valor de cerca de 322 milhões de Dólares através da DynPort Vaccine Company, LLC e, graças ao governador de Michigan, a única fábrica autorizada de vacinas contra o antrax do País estava de volta para a venda.

Um roubo e uma fraude

Em Setembro de 1998, a BioPort tinha adquirido o Michigan Biologic Products Institute através de um pacote de 25 milhões de Dólares de empréstimos, dinheiro e promessas ao Estado do Michigan de novos pagamentos futuros, promessas essas que nunca seriam cumpridas. Mais tarde, soube-se que El-Hibri e outros parceiros da BioPort tinham investido apenas 4.5 milhões de Dólares próprios neste pacote.

Como referido anteriormente, tinham sido encontrados problemas em Lansing (Michigan), fábrica e as instalações da MBPI tinham sido encerradas para renovação seis meses antes da BioPort as adquirir. No entanto, o MBPI tinha recebido vários milhões de Dólares do Pentágono para resolver os problemas encontrados pela Food and Drug Administration (FDA) que afectavam a “estabilidade, eficácia e pureza” da vacina.

A par destas questões, a BioPort tinha também herdado contratos militares no valor de quase 8 milhões de Dólares para vacinas contra o carbúnculo. Obteve rapidamente outro contrato no valor de mais de 45 milhões de Dólares, com mais 16 milhões de dólares em dinheiro pronto para renovações imediatas, um negócio considerável provavelmente devido ao facto da BioPort assumir funcionários federais e ex-militares como lobistas, para além dos laços profundos de Crowe com o Pentágono.

Apesar do enorme afluxo de dinheiro, a BioPort não tinha gasto esse dinheiro na reestruturação da fábrica e na resolução dos problemas da produção, provavelmente porque o acordo obrigava o Pentágono a comprar vacinas contra o antrax da BioPort, apesar da fábrica e das vacinas produzidas não serem certificadas pela FDA.

Com o Pentágono obrigado a comprar a vacina, independentemente de esta ser utilizável, a BioPort gastou milhões para renovar os escritórios de gestão, não a fábrica, e mais milhões em bónus para a “gestão sénior”. Os auditores do Pentágono descobririam mais tarde que milhões tinham sido “perdidos” e que o pessoal da BioPort desconhecia o custo da produção de uma única dose de vacina.

Apesar da flagrante corrupção e da má gestão, a BioPort tinha pedido ao Pentágono para ser salvo da falência, exigindo ainda mais dinheiro para cobrir o capital que tinha perdido e desperdiçado. Embora os auditores do Pentágono tivessem argumentado que a empresa deveria ser abandonada, os altos funcionários militares puseram em causa a “segurança nacional” e atribuíram à BioPort um montante adicional de 24.1 milhões de Dólares. Também tinham aumentado o preço de compra da vacina contra o antrax de 4.36 Dólares para 10.64 Dólares por dose.

O Congresso tinha pedido audições sobre o plano de salvamento, audições que não tinham conduzido a quaisquer resultados. Durante uma destas audições, o então membro da Câmara dos Representantes para o Estado da Carolina do Norte, Walter Jones, tinha declarado o seguinte:

A mensagem parece clara: se uma empresa quer ganhar milhões sem fornecer um produto ou serviço, deve celebrar um contrato exclusivo com o Departamento da Defesa para fabricar vacinas. A BioPort parece ter encurralado o governo.

Não admira que este tenha sido apenas o primeiro dos resgates federais da BioPort.

A sorte ajuda os corruptos

A BioPort, bem ciente desde o início da sua posição de força, atrasou o mais possível a reestruturação da fábrica e a sua conformidade com as normas federais. Entretanto, o Pentágono tinha continuado a adquirir grandes quantidades de vacinas inutilizáveis e provavelmente inseguras devido ao contrato, ao mesmo tempo que continuava a pagar a BioPort pelo armazenamento do produto desnecessário.

Durante este período, as doses de vacina contra o carbúnculo fabricadas antes da reestruturação tinham sido utilizadas nas tropas americanas, o que fez com que muitos dos soldados que tinham recebido a vacina produzida na empresa se tivessem queixado de dores de cabeça permanentes, dores nas articulações, perda de memória e outros sintomas mais graves. Alguns ficavam mesmo deficientes para toda a vida. O Congresso voltou a realizar audições e muitos funcionários da BioPort que se qualificaram como “especialistas” e outros que apoiaram o contrato do Pentágono com a empresa foram chamados a depor.

Em 2000, o Pentágono finalmente perdeu a paciência e pediu à BioPort para travar a produção do BioThrax. A BioPort obecedeu mas continuou a receber dinheiro do governo para se manter à tona. Em Agosto de 2001, a empresa de Lansing ainda não estava certificada e a BioPort continuava a pedir fundos governamentais para mante-la a funcionar. Nesse mesmo mês, o Congresso e o Pentágono começaram a discutir publicamente o abandono da BioPort. O Pentágono tinha começado a preparar um relatório, cuja publicação está prevista para Setembro de 2001, que detalhava um plano de abandono da BioPort.

Felizmente para o BioPort, mas infelizmente para a nação, os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 e os subsequentes ataques com antrax desencadearam o pânico, com o receio de que os ataques com antrax pudessem tornar-se um pesadelo recorrente para o público americano e de que grupos terroristas radicais e nações rivais tentassem atingir com antrax não só os soldados americanos mas também os civis no interior do país.

O pânico que se seguiu levou o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) a intervir, devolvendo a licença à BioPort em Janeiro de 2002, apesar dos persistentes problemas de segurança na sua instalação de produção de vacinas. A BioPort, porém, não se contentou em ver simplesmente restaurar os antigos contratos com o Pentágono, porque tinha começado imediatamente a pressionar no sentido de novos contratos de vacinas contra o antrax para civis americanos, trabalhadores dos correios e outras categorias. Ia obtê-los, em grande parte graças ao então conselheiro antiterrorismo da HHS e que em breve se tornaria o novo Secretário Adjunto da HHS, Jerome Hauer.

O curioso passado de Jerome Hauer

Jerome Hauer (esq.) e Rudolph Giuliani (dir.)

Em 1998, enquanto a BioPort assegurava o controlo do único fabricante autorizado de vacinas contra o antrax do país, em New York, o gestor de emergência e especialista em bioterrorismo Jerome Hauer estava ocupado a trabalhar e a fazer planos de contingência a partir do seu “bunker” no 23º andar do edifício 7 do World Trade Center.

Antes de receber a tarefa em 1996 do então Presidente da Câmara de New York, Rudy Giuliani, Hauer tinha gerido os planos de emergência globais do gigante da tecnologia IBM. Tinha também servido como conselheiro do Departamento de Justiça, aconselhou o Presidente Clinton sobre ameaças bioterroristas e era conhecido por consultar regularmente Scotland Yard e o exército israelita. De acordo com os relatórios, foi ideia de Hauer localizar o gabinete de gestão de emergência da cidade no Edifício 7, embora tal escolha na altura parecesse muito estranha devido aos bombardeamentos do World Trade Center em 1993, que mais tarde revelaram ligações perturbadoras com o FBI.

Em 1999, o The New York Times descreveu o trabalho de Hauer como “estar sentado todo o dia a pensar em situações horríveis em que as coisas são destruídas e as pessoas morrem”. Deve também notar-se que Hauer tinha descrito a sua experiência com situações de emergência específicas da seguinte forma: “acidentes com helicópteros, incêndios no metro, perturbações no abastecimento de água, tempestades de neve, vagas de calor, apagões, colapsos de edifícios”. A sua obsessão pelos desmoronamentos de edifícios levou-o mesmo a guardar na sua casa “troféus” dos desmoronamentos que tinha supervisionado e sobre os quais tinha intervindo. É estranho que o próprio “bunker” multimilionário de Hauer fosse então vítima de um colapso, desintegrando-se no seu perímetro exacto em 7 segundos, em 11 de Setembro de 2001.

Nesse dia fatídico, Hauer já não trabalhava no escritório de New York para a gestão de emergências, tendo partido em Fevereiro de 2000. No entanto, em 2001, Hauer ainda trabalhava no complexo do World Trade Center, gerindo a segurança dos edifícios como CEO da Kroll Inc.. Comummente conhecida como a “CIA de Wall Street”, segundo o Washington Post, a Kroll teria sido uma verdadeira fachada para a CIA, criada pelas agências de informação francesas. Embora tenha afirmado estar principalmente preocupada com a segurança e as investigações das empresas, [a Kroll] também investigou frequentemente pessoas envolvidas na política externa de Washington, incluindo Saddam Hussein. Em 2002, a Kroll foi também alegadamente responsável pela “reorganização” da Enron.

Hauer, na manhã de 11 de Setembro de 2001, deveria ter estado presente no seu escritório do World Trade Center, mas naquele dia não tinha aparecido para trabalhar; algumas horas após o colapso das torres, apareceu nos meios de comunicação televisivos, onde, numa entrevista com Dan Rather, tinha declarado que Osama bin Laden era o responsável pelos ataques.

No entanto, nem todos os funcionários da Kroll tinham tido a mesma sorte que Hauer. John O’Neill tinha acabado de começar a trabalhar para a Kroll e, nesse dia, estava no World Trade Center e tinha morrido nos ataques. O’Neill tinha trabalhado anteriormente com o FBI e era o maior especialista do país em Osama bin Laden e nas suas actividades. Demitiu-se em meados de 2001, depois das suas investigações sobre Bin Laden terem sido repetidamente bloqueadas pelos seus superiores (algo que tinha acontecido a numerosos investigadores federais antes do 11 de Setembro) e, subsequentemente, foi-lhe oferecida um cargo na Kroll, nada mais nada menos que pelo próprio Jerome Hauer.

Também em 11 de Setembro, Hauer tinha dito aos altos funcionários da Administração Bush que começassem a tomar o antibiótico Ciprofloxacin para prevenir infecções com antrax e, mais tarde, tinha declarado em público, através dos meios de comunicação, que terroristas estrangeiros estavam a trabalhar com Saddam Hussein para desencadear um ataque com antrax contra a população americana. Isto foi muito antes da primeira vítima do ataque com antrax, o fotojornalista Robert Stevens, ter mostrado os sintomas.

Hauer tinha-se preparado para um cenário específico, os ataques com antrax, como parte da simulação da guerra biológica Dark Winter alguns meses antes, quando era membro do Grupo de Trabalho Johns Hopkins sobre a BioDefesa Civil, uma secção que é agora o Johns Hopkins Center for Health Security, então liderado pela co-autora de Dark Winter, Tara O’Toole.

Também é digno de nota o facto de, embora funcionário da Kroll Inc., Hauer também trabalhava para a Scientific Applications International Corporation (SAIC), uma empresa de defesa e inteligência. Aí tinha tido como colega Stephen Hatfill, que Hauer já tinha conhecido anos antes. No SAIC, Hatfill trabalhava no desenvolvimento de protocolos para lidar com as “cartas ao antrax”, um fenómeno encontrado no Dark Winter e, mais tarde, também nos verdadeiros ataques com antrax de 2001. Hatfill foi posteriormente acusado de ter cometido ele próprio aqueles ataques, mas foi absolvido das suspeitas e obteve uma indemnização multimilionária por parte do Governo.

Para além do seu trabalho na SAIC e na Kroll durante os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, Hauer serviu também como conselheiro de segurança nacional do então chefe do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), Tommy Thompson. Hauer tinha colaborado activamente com Thompson durante os ataques com carbúnculo de 2001 e também posteriormente, ajudando a moldar a resposta HHS e a subsequente política de biodefesa, que se centrou fortemente na vacina contra o carbúnculo da BioPort.

Hauer e HHS

Enquanto os ataques com antrax estavam em pleno andamento, Hauer tinha aconselhado o Secretário Thompson a estabelecer um novo gabinete no HHS, o Gabinete de Preparação da Saúde Pública (OPHP), cujo primeiro director interino seria o Dr. D.A. Henderson, um antigo funcionário da Organização Mundial de Saúde e o primeiro fundador do Grupo de Trabalho Johns Hopkins sobre a Biodefesa Civil, que tinha patrocinado o Dark Winter e incluía tanto Jerome Hauer como as co-autores de Dark Winter, Tara O’Toole e Thomas Inglesby. No início de 2002, o próprio Hauer substituiria Henderson como chefe do novo OPHP.

Em Maio de 2002, Hauer, enquanto chefe da OPHP, escreveu um relatório em conjunto com outros membros do Grupo de Trabalho Johns Hopkins, incluindo O’Toole e Inglesby. Nesse documento, publicado no prestigioso Journal of American Medical Association (JAMA), Hauer, O’Toole, Inglesby e os seus co-autores argumentaram que, à luz dos ataques com antrax de 2001, era necessário aumentar a produção e as compras da vacina contra o antrax e que o financiamento governamental também era necessário para a investigação de uma nova vacina contra o antrax. Declararam também que a vacina não tinha causado efeitos adversos significativos.

Há que dizer, porém, que alguns meses antes, O’Toole e Inglesby tinham acabado sob investigação pelas suas tentativas de culpar Al Qaeda pelos ataques com antrax, vários meses depois de essa possibilidade ter sido completamente descartada pelos investigadores federais e outros cientistas independentes.

O documento elaborado pelo Grupo de Trabalho Johns Hopkins tinha igualmente sido objecto de investigações, nomeadamente a recomendação ao Governo no sentido de adquirir mais BioThrax. Isto deve-se principalmente ao facto da experiência adquirida durante os ataques ter demonstrado que os antibióticos eram muito mais eficazes e menos dispendiosos na resposta aos ataques com antrax, e estudos subsequentes terem afirmado que as exigências de armazenar cada vez mais BioThrax “iam contra as provas médicas e as recomendações de peritos”, com base nas lições aprendidas durante os ataques com antrax.

Depois, em Junho de 2002, o Presidente Bush promulgou a Lei de Segurança da Saúde Pública e de Preparação e Resposta ao Bioterrorismo, criando o cargo de Secretário Adjunto para a Preparação de Emergência da Saúde Pública, um cargo que foi imediatamente preenchido por Hauer e que lhe conferiu um poder quase total sobre a política de biodefesa do HHS e todas as questões de “segurança nacional” do HHS.

Em Julho de 2002, Hauer e o seu adjunto William Raub tinham levado o Pentágono a retomar a vacinação das tropas, apesar das preocupações de longa data com a segurança das vacinas. De acordo com o novo programa de imunização, o número de tropas vacinadas “deveria ter aumentado significativamente”, segundo os funcionários. No entanto, a magnitude de tal aumento nunca foi tornada pública. Além disso, metade das aquisições do BioThrax pelo Pentágono teriam sido armazenadas para uso civil.

Embora Hauer, O’Toole, Inglesby, o Pentágono e, naturalmente, a BioPort, tenham continuado a afirmar que o BioThrax era seguro para uso humano, o Government Accountability Office (GAO) divulgou as suas conclusões alguns meses depois da vacina ter “causado reacções adversas na maioria dos indivíduos [85%] e induziu muitos membros da Reserva da Força Aérea e da Guarda Nacional Aérea a deslocarem-se para outras unidades ou a abandonarem as forças armadas entre 1998 e 2000”. O Pentágono e a HHS tinham rejeitado as conclusões do GAO.

Apesar das negações do Pentágono e da HHS, o número de veteranos que tinham sofrido os efeitos adversos do BioThrax tinha continuado a aumentar. Até os principais meios de comunicação começaram a noticiar que o BioThrax era responsável por mais de 20 mortes e mais de 4.000 casos da doença, 347 dos quais foram considerados “graves”.

Como resultado, em Março de 2003, seis membros do serviço militar e funcionários civis do Departamento de Defesa processaram o Pentágono, o HHS e a FDA por vacinação obrigatória com BioThrax, alegando que a administração da vacina nos anos ’90 e início dos anos 2000 seria experimental.

Esta alegação baseou-se no facto da FDA não ter aprovado o BioThrax para contacto com o aerossol de antrax (ou seja, inalação de antrax). Contudo, o Pentágono estava oficialmente a utilizar o BioThrax para proteger os soldados da exposição a aerossóis de antrax, a forma de antrax que os soldados encontrariam num cenário de guerra biológica ou de bioterrorismo. Por conseguinte, o Pentágono estava a inocular soldados com BioThrax para uma utilização para a qual não tinha sido aprovado a nível federal, tornando a sua uma utilização experimental. Uma vez que, nos termos da lei federal, a utilização de vacinas experimentais é ilegal, um juiz federal decidiu em Outubro de 2004 que o programa de vacinação obrigatória do Pentágono com o Biothrax era ilegal.

A decisão foi um duro golpe para a BioPort, que se reorganizou nesse ano e mudou o seu nome para Emergent BioSolutions. No entanto, a BioPort/Emergent BioSolutions tinha respirado uma lufada de ar fresco em 2006, quando o Pentágono decidiu retomar a vacinação obrigatória contra o carbúnculo entre o pessoal militar dos EUA imediatamente após a aprovação do BioThrax pela FDA como tratamento para inalação do carbúnculo.

O BioShield da BioSolutions

Alguns meses antes do programa de vacinação do Pentágono com BioThrax ser considerado ilegal, o Congresso aprovou a BioShield Act, um projecto de lei em grande parte elaborado por lobistas da Emergent BioSolutions e fortemente influenciado por Robert Kadlec, o então director do programa Biodefense no Conselho de Segurança Nacional. O objectivo era atribuir 5 biliões de Dólares para serem utilizados na compra de vacinas, incluindo vários milhões de doses de vacina contra o antrax, e armazená-las para futuros ataques bioterroristas. Dado que estas vacinas têm um prazo de validade limitado (três a quatro anos no caso do BioThrax), as reservas teriam de ser continuamente renovadas à medida que os vários lotes ultrapassarem ao prazo de validade.

Pouco tempo após a conversão da BioShield Act em lei, a Emergent BioSolutions havia co-financiado um grupo de pressão (uma lobby) chamado Alliance for Biosecurity (“Aliança para a Biossegurança”) como parte da sua estratégia para agarrar facilmente os lucrativos contratos do programa BioShield. Este grupo de pressão conseguiu que a Emergent BioSolutions unisse forças com o Centro de Biossegurança da Universidade de Pittsburgh, que foi criado em 2003 e onde trabalharam antigos membros do Johns Hopkins Institute for Civilian Biodefense Strategies. Na altura, o Centro da Universidade de Pittsburgh era dirigido por Tara O’Toole.

Embora a Emergent BioSolutions tivesse contactos com organizações e indivíduos-chave no complexo industrial da biodefesa, a administração Bush e as forças armadas, o programa BioShield inicialmente não correu como a empresa planeou. Em vez de injectar ainda mais dinheiro no controverso BioThrax, a HHS tinha decidido investir numa nova vacina contra o carbúnculo que envolvesse menos doses e menos efeitos secundários negativos e, por conseguinte, menos controvérsias.

Em Novembro de 2004, a HHS, através do seu programa BioShield, adjudicou à VaxGen Inc. um contrato de 877.5 milhões de Dólares para produzir uma vacina recombinante contra o antrax, e este foi o seu primeiro contrato através do BioShield. Em contraste com os anteriores contratos do governo para a BioThrax, o contrato com a VaxGen não previa o pagamento de dinheiro público à empresa até que a vacina fosse aprovada e devidamente entregue.

O contrato VaxGen, por razões óbvias, foi de grande preocupação para a BioPort/Emergent Biosolutions. A fim de não perder o monopólio das vacinas tinha, por conseguinte, aumentado os fundos destinados às actividades de lobbying, tendo gasto 5.29 milhões de Dólares entre 2004 e 2007. Em comparação, no mesmo período, a VaxGen tinha gasto apenas 720.000 Dólares para os seus lobistas.

Um dos lobistas emergentes foi Jerome Hauer, que se juntou à administração da Emergent Biosolution pouco depois de deixar a HHS. Hauer, apesar de ter argumentado durante o seu cargo na HHS que era necessária uma nova vacina contra o carbúnculo que não o BioThrax, começou imediatamente a insistir que o BioThrax era a solução certa. Também exigiu que o seu substituto na HHS, Stewart Simonson, que foi o responsável final pelo contrato BioShield com a VaxGen, fosse destituído da sua autoridade. Outros lobistas contratados pela Emergent na altura incluíam dois ex-assistentes do então Vice-Presidente Dick Cheney e ex-assistentes de membros influentes do Congresso.

A contratação da Hauer e de outras figuras bem relacionadas com o Congresso e a administração Bush foi apenas parte da campanha agressiva da Emergent contra o contrato VaxGen, uma vez que a empresa também empregou tácticas mafiosas, dizendo aos legisladores e funcionários do governo que os civis americanos “estavam em risco de vida sem uma expansão imediata da reserva de vacinas [BioThrax] antrax” e ameaçando “parar a produção da vacina se o governo não comprasse o seu produto”.

A guerra entre a Emergent BioSolutions e a VaxGen tinha chegado até às audiências do Congresso, onde congressistas que tinham recebido milhares de Dólares do então CEO da Emergent foram ao ataque do contrato BioShield da VaxGen, chamando-o de “altamente suspeito” e exigindo com raiva que o HHS explicasse porque já não comprava o BioThrax. Esta campanha também se tinha estendido à imprensa, com lobistas que tinham assinado editoriais em jornais influentes.

A Emergent tinha até encontrado apoiantes improváveis entre os jornalistas “progressistas” como Jeremy Scahill, que tinha escrito uma peça para The Nation na qual elogiava Jerome Hauer, chamando-o de campeão na prontidão de resposta da saúde pública que se opunha aos neoconservadores da era Bush (apesar de ser membro de organizações sobrelotadas com esses mesmos neoconservadores). Scahill também tinha criticado fortemente o sucessor de Hauer, Stewart Simonson, e o contrato com a VaxGen.

Scahill esqueceu-se de mencionar que Hauer trabalhou como lobista da Emergent BioSolutions e que foi membro do seu conselho de administração. Scahill não tinha mencionado uma única vez a Emergent BioSolutions (ou o seu nome anterior, BioPort) ao longo de toda a peça, apesar de ser o principal concorrente da VaxGen.

Finalmente, em 2006, a HHS quebrou o contrato com a VaxGen depois da empresa ter tido problemas para produzir a sua vacina, recusando-se a oferecer-lhes o tipo de acordo que a Emergent BioSolutions tinha recebido em numerosas ocasiões, quando ainda se chamava BioPort.

Após o incumprimento do contrato entre a VaxGen e a HHS, o monopólio da Emergent BioSolutions sobre a vacina contra o carbúnculo manteve-se intacto, pelo menos durante algum tempo. No entanto, após pouco, a PharmAthene, outra empresa de biotecnologia que tinha co-fundado com a Emergent o grupo de pressão Alliance for Biosecurity, anunciou os seus planos de desenvolver a sua própria vacina recombinante contra o carbúnculo. Isto levou a Emergent a adquirir a VaxGen, essencialmente falida, bem como a vacina contra o antrax da própria VaxGen, que tinha desacrediato durante anos, a um custo de vários milhões de Dólares.

Alguns anos mais tarde, os concorrentes da Emergent tinham conseguído uma vitória no Pentágono quando os militares assinaram contratos para uma vacina contra o antrax desenvolvida pela PharmAthene e outra produzida pela PaxVax. A Emergent tinha atacado agressivamente os concorrentes ou tinha-os adquirido para manter o monopólio, desenvolvendo também três novas vacinas contra o carbúnculo (uma era da VaxGen) para satisfazer a procura do governo por uma nova vacina contra o carbúnculo. Apenas um, apelidado NuThrax, tinha entrado então em produção.

O NuThrax, uma combinação de BioThrax e um adjuvante, tornar-se-ia mais uma mina de ouro para a Emergent Biosolutions. A empresa tinha recebido 127 milhões de Dólares pelo seu desenvolvimento inicial da Biomedical Advanced Research and Development Authority of the HHS (BARDA) e do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID). Entretanto, tinha começado a aumentar a produção de BioThrax com ainda mais subsídios da BARDA. Depois, em 2016, recebeu outros 198 milhões de Dólares da HS para o desenvolvimento futuro NuThrax, com a promessa do governo de comprar até 50 milhões de doses para o stock nacional do BioThrax. Essa promessa fazia parte de um contrato de 1.6 biliões de Dólares e foi feita mesmo antes do NuThrax ter recebido a aprovação da FDA. Até à data, o NuThrax ainda não foi aprovado pela FDA.

Equipa A

Vale a pena notar que Hauer não foi o único funcionário-chave do governo a ajudar a BioPort e que foi depois recompensado com uma posição no conselho de administração da empresa. Em 2007, alguns anos após Hauer ter entrado para o conselho de administração da Emergent Biosolutions, a empresa recrutou a Dra. Sue Bailey. Bailey serviu como oficial médico no Pentágono no final dos anos ’90 e desempenhou um papel fundamental para garantir que o programa de vacinação contra o carbúnculo dos militares não fosse prejudicado pelas contínuas preocupações dos veteranos com a segurança e os efeitos secundários adversos.

Em 1999, quando o Congresso realizou as suas audições sobre a segurança da vacina contra o carbúnculo na sequência das preocupações manifestadas pelos veteranos afectados, Bailey fez parte de um painel de peritos que incluia o Almirante William Crowe da BioPort. Na sua declaração escrita, Bailey começou por sublinhar a urgência da ameaça bioterrorista, declarando que “pelo menos dez Estados-nação e dois grupos terroristas” possuíam capacidades de guerra biológica e citando um estudo de 1958 da Universidade Johns Hopkins como prova de que as vacinas contra o antrax eram seguras. Concluiu tranquilizando os congressistas que tinham “uma vacina segura e eficaz disponível para responder a uma ameaça bem documentada”. Nenhuma destas afirmações estava correcta.

Outra perita, a Dra. Katherine Zoon, que era então directora do Centro de Avaliação Biológica da FDA, concordou com a avaliação da Dra. Bailey sobre a segurança da vacina contra o carbúnculo na sua declaração. Zoon, que mais tarde ocuparia posições-chave no Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID) e nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), integrou também o conselho de administração da Emergent BioSolutions.

As declarações feitas por Zoon e Bailey nessa audição diferiram significativamente da avaliação da FDA sobre a segurança a longo prazo da vacina, de acordo com Kwai-Cheung Chan do Gabinete Geral de Contabilidade (GAO). Chan tinha praticamente invalidado o testemunho de Bailey e Zoon, revelando, entre outras coisas, que os estudos citados foram realizados sobre uma vacina contra o antrax completamente diferente e produzida pela Merck e não pela Emergent BioSolutions. O testemunho de Chan deixou claro que o BioThrax não tinha nenhuma experiência comprovada de segurança. Tal como com a Hauer, a Emergent então premiou a Bailey e a Zoon pela sua lealdade ao sector privado em relação à saúde pública com posições no conselho de administração e opções de compra de acções lucrativas.

“Nunca desperdiçar uma boa crise”.

Embora a Emergent Biosolutions tenha gozado do seu estatuto privilegiado como fabricante de vacinas contra o carbúnculo há mais de vinte anos, há muito que se especializou noutros domínios e beneficiou de uma série de pandemias, incluindo as pandemias dos vírus Ebola e Zika, e de crises de saúde pública, tanto globais como nacionais. Adquiriu também o monopólio de outras vacinas, incluindo, através da aquisição da Sanofi, a única vacina contra a varíola autorizada nos Estados Unidos, que chegou com um contrato governamental de 425 milhões de Dólares e a promessa de sucessivas renovações plurianuais para a constituição de reservas nacionais de biodefesa.

Outro monopólio farmacêutico adquirido pela Emergent Biosolutions permitiu à empresa obter ganhos significativos com o abuso devastador de medicamentos à base de opiáceos nos Estados Unidos. Em 2018, ano em que a crise dos opiáceos matou quase 70.000 americanos e foi considerada a maior crise sanitária do País, a Emergent adquiriu o fabricante do Narcan, o único spray nasal de naloxona aprovado pela FDA utilizado para o tratamento rápido de overdoses de opiáceos. No momento da aquisição, o executivo da Emergent BioSolutions, Daniel J. Abdun-Nabi, falou das escolas e faculdades americanas como “mercados virgens” lucrativos para o Narcan.

Dois meses após a aquisição do monopólio do Narcan pela Emergent, a HHS tinha começado a recomendar que os médicos receitassem o medicamento juntamente com analgésicos opiáceos. No entanto, a HHS nunca defendeu medidas para evitar a prescrição excessiva de analgésicos opiáceos e nunca fez nada para colocar estes medicamentos na lista de substâncias que provocam dependência. Após a recomendação da HHS para o Narcan, vários Estados aprovaram então leis que exigem que os médicos co-presidam este spray nasal. As vendas do Narcan, que agora custa 150 dólares o pacote, estão previsivelmente a disparar.

Quanto ao monopólio do Narcan, a Emergent continuou a afirmar que está a trabalhar para manter ao medicamento a preços acessíveis, tendo mesmo doado o Narcan a bibliotecas públicas e à Associação Cristã de Jovens Homens (YMCA) como parte de uma grande campanha de relações públicas. No entanto, as mesmas tácticas agressivas da Emergent também se aplicam ao Narcan, porque a empresa processou todos os concorrentes que queriam comercializar uma versão genérica mais barata do medicamento. Além disso, a promoção governamental do Narcan, em comparação com outras soluções a longo prazo para a dependência opióide, foi criticada com o argumento de que o Narcan facilitaria efectivamente a dependência opióide e poderia mesmo agravar a crise.

As garras no mercado Covid-19

A história de corrupção e especulação daEmergent não impediu de forma alguma que a empresa de lucrar com a crise global da Covid-19. Em 10 de Março, a Emergent anunciou uma parceria com a Novavax para produzir uma vacina contra a Covid-19, uma vacina também apoiada pela Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), patrocinada por Bill Gates. A CEPI já tinha colaborado com a Emergent Biosolutions, com uma contribuição de 60 milhões de Dólares em 2018. Em 31 de Março, a Emergent alargou ainda mais a sua parceria com a Novavax.

Apenas 8 dias após o acordo de colaboração com a Novavax, a Emergent aliou-se com outro candidato à produção de uma vacina Covid-19, a VaxArt. Ao contrário da Emergent-Novavax, a futura vacina co-produzida com a VaxArt será oral e em comprimidos, “oferecendo enormes vantagens logísticas durante uma grande campanha de vacinação”, segundo o CEO da VaxArt, Wouter Latoud.

Embora o apoio a duas das mais importantes vacinas candidatas para o Covid-19 ofereça à Emergent uma vantagem em termso de lucro com qualquer vacina aprovada pelo governo, a boa sorte da Emergent aumentou ainda mais durante a actual crise do coronavírus principalmente devido aos seus dois tratamentos experimentais à base de plasma.

Anunciado apenas um dia após o acordo com a Novavax, o primeiro tratamento experimental do plasma sanguíneo envolve a recolha e a concentração de plasma sanguíneo de doentes curados do Covid-19, enquanto o segundo utiliza plasma retirado de cavalos injectados com fragmentos virais. Os estudos clínicos sobre estes tratamentos deveriam começar no final do ano, mas receberam um grande impulso da Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA) da HHS, que está actualmente sob o controlo de Robert Kadlec. Espera-se que estes tratamentos iniciem os estudos da fase II até ao final do Verão.

Em 3 de Abril, a BARDA concedeu à Emergent Biosolutions 14.5 milhões de Dólares para o desenvolvimento do tratamento do plasma sanguíneo. Embora o montante seja inferior a outros contratos recebidos pela BARDA no passado, a parceria permite à Emergent ultrapassar o seu maior obstáculo no desenvolvimento deste produto, isso é, o maciço fornecimento de plasma sanguíneo por pare de doentes curados do Covid-19. Graças à sua colaboração com a BARDA, a Emergent terá acesso ao abastecimento de sangue dos bancos de sangue públicos de doentes tratados.

A Dra. Lisa Saward da Emergent confirmou-o numa entrevista recente à TechCrunch, afirmando que “estamos a ultrapassar [a falta de “material básico”, ou seja, plasma sanguíneo] com a ajuda de parcerias, como a que foi anunciada no início desta semana com a Biomedical Advanced Research and Development Authority no âmbito dos Serviços de Saúde e Humanos e do National Institute of Allergy and Infectious Diseases”.

No entanto, a utilização de plasma por parte da Emergent para desenvolver o seu produto pode revelar-se controversa, uma vez que o plasma doado pelos pacientes tratados da Covid-19 é actualmente utilizado para tratar pacientes gravemente doentes com Covid-19. A utilização deste plasma para o tratamento de pacientes críticos começou no final do mês passado, depois do Governo do Estado de New York ter autorizado pela primeira vez a sua utilização, seguida da oferta da FDA de aprovar, caso a caso, a sua utilização para pacientes críticos Covid-19 a nível nacional. Em vez disso, graças à parceria entre a BARDA e a Emergent, uma parte significativa desse plasma irá ajudar a Emergent a conquistar outro mercado chave.

 

Ipse dixit.

Fonte: MintPress

Imagens:The Last American Vagabond

7 Replies to “Big Pharma & Coronavirus: o caso Emergent Biosolutions”

  1. Ufaaaa! quase cansei, Max. E agora vamos dar vivas às vacinas, principalmente oriundas destes grandes laboratórios. Que venha a vacinação compulsória com todos os requintes do ID 2020.Podem dormir em paz pois estarão protegidos de todos males e o Estado zela por vós!
    Engaiolados do mundo, atenção:
    1. Evitem quanto puderem se expor à vacinação.
    2. Evitem o quanto puderem a ingestão de fármacos, especialmente provenientes da Big Pharma.
    3. Varram das vossas cabeças o medo, definitivamente. Ainda estamos vivos, ainda pensamos, ainda temos alguns recursos para obter informações desintoxicadas.
    4. Procurem o quanto possível e enquanto ainda for possível manterem-se anônimos.
    5. Estejam sempre com as melhores mentiras que possam imaginar para responder aos órgãos de “segurança”, defesa, judicial, e provindas do Estado-empresa. Mintam, confundam, baralhem o esperado de vocês. Nunca sejam tomados de surpresa pelo inimigo, pelo sistema.
    6. Duvidem de tudo que for dito, escrito, propagado, incutido. Submetam tudo à uma lógica interior, individual, própria, realmente pessoal auxiliada pela percepção, pelo instinto de cada um.
    7. Tente observar todas as coisas que se passam em volta de si, sem interferência, e raciocinem sobre elas, a luz da vossa experiência e dos vossos sentimentos.
    8. Enfrente, nunca se esconda diante da agressão física, psicológica, mental. A força deve ser buscada dentro de cada um.
    9 Sejam solidários com os iguais e tolere os diferentes, mas nunca os antagônicos.
    10. Proteja o quanto possível os animais, as plantas, a natureza. Vocês fazem parte deles , e é essa uma família confiável.
    Essas regras fazem parte da cartilha de alfabetização terráquea que eu gentilmente ofereço a quem esteja por perto. Quando me perguntam porque, dou de ombros e digo que vou fazer 70 anos nesse planeta
    Esse artigo só reitera aquilo que meus neurônios ainda alcançam

    1. Olá Maria, pesquisando sobre Foucault, descobri que vc tem trabalhos publicados sobre o autor e que vc ainda escreveu livros na área de pedagogia. Porque será que não estou surpreso ?
      Espero não ter revelado algo que vc gostaria de manter no anonimato. Deixo os detalhes para vc divulgar , caso deseje.
      Independentemente disso, já pensou em voltar a escrever sobre suas experiências de vida ?

      PS: Max, junto-me ao JF no agradecimento pelo seu trabalho.

  2. Obrigado Max. Você realmente faz um trabalho de qualidade. Continue assim enquanto puder.

    Em relação ao tema da vacinação, será esta obrigatória ou não? Existem vacinas que são obrigatórias mas outras que não. Qual poderá ser a retórica para a não vacinação que nós possamos alegar, nomeadamente para a doença Covid-19?

  3. Olá Sergio: não escrevi propriamente sobre a obra do Foucault, embora tenha a pretensão de conhecer alguma coisa a respeito. Na verdade o que saiu publicado foram aulas em curso livre na UFSC para quaisquer interessados. Um casal de alunos gravou e transcreveu tudo, inclusive diálogos com os assistentes. Uma amiga leu, gostou e deu uma ajeitada em expressões não muito usadas na academia, mas comuns no meu linguajar, e pediu a uma outra que arrumasse pontuação e ortografia. Sem que eu soubesse entregaram o documento para Robson Achiamé, editor no RJ (maior divulgador do pensamento-ação anarquistas, aqui no Brazil), que na ocasião era meu companheiro. Ele gostou (ele gostava muito de mim, sem dúvida, uma lástima ter falecido porque eu gostava muito dele também Imagina que acabou enterrado no cemitério de onde eu moro no interior do interior) e publicou.
    Não me refiro ao material por duas razões: eram aulas para iniciantes, e creio que vocês têm condições de ir direto à fonte;
    segundo que era para ser dois semestres. Só no segundo eu entraria no atual já faz bom tempo: sociedade de controle, bio poder. A universidade não aceitou a proposta do segundo semestre, logo não existiu.

    Quanto a publicar minha vida, tu não és o primeiro a sugerir. Olha nunca…nunquinha. O máximo que falo é escrito aqui mesmo em !!, homenagem à imensa admiração e carinho que tenho pelo blog e pelo Max-Leo. Acho que já está de bom tamanho

Obrigado por participar na discussão!

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