Franco CFA: colonialismo à francesa

O período colonial francês na África acabou há muito. Mas algo sobrou. O quê? Como sempre: sigam o dinheiro.

O Franco CFA nasceu em 1945 no período colonial, tanto que a sigla CFA significava “Colónias Francesas da África” e no final da década de 1960, após a épocas das independências, foi renomeado “Comunidade Financeira Africana”.

Um total de 14 Países foram forçados a adoptar a moeda única, nomeadamente:

  • Camarões
  • Chade
  • Gabão
  • Guiné Equatorial
  • República Centro-Africana
  • República do Congo
  • Benim
  • Burkina Faso
  • Costa do Marfim
  • Guiné-Bissau
  • Mali
  • Níger
  • Senegal
  • Togo

Um total de 155 milhões de habitantes.

Originalmente, a moeda de referência deste sistema era o Franco francês, que foi posteriormente substituído pelo Euro, mas os principais pontos previstos pelo acordo são os mesmos:

  1. A França garante a convertibilidade ilimitada do CFA em Euros;
  2. a taxa de conversão entre CFA e Euros é fixa: 1 Euro = 655.957 Francos CFA
  3. as transferências de capital entre a zona do Franco CFA e a França são gratuitas;
  4. 50% das reservas monetárias dos Países da zona do Franco CFA devem ser depositadas numa conta do Banco de França em Paris.

Leram bem: metade da riqueza monetária dos Países africanos que adoptam o Franco CFA devem constantemente “estacionar” no Banco Central Francês, em Paris. Dado que falamos de Países particularmente desgraçados, o montante depositado ronda “apenas” os 10 biliões de Euros.

Como funciona o Franco Cfa

E aqui começam as coisas interessantes. Este dinheiro “africano” não guardado fisicamente mas é investido em títulos do governo emitidos pelo Tesouro francês: portanto, ajuda a financiar a Dívida Pública francesa, em violação aos acordos de Maastricht. O que aconteceria se o mesmo montante fosse utilizado para financiar projectos de desenvolvimento nos Países de origem? A Alemanha exerceu várias vezes pressões para que este dinheiro não possa ser utilizado para a aquisição de Títulos de Estado franceses, mas os pedidos nunca receberam resposta.

Depois há a questão da convertibilidade. Gerir a convertibilidade basicamente significa confiar a administração do Franco CFA ao Tesouro francês, que não apenas imprime fisicamente o dinheiro mas tem o poder de determinar a quantidade do mesmo em circulação. Caso único no mundo: um País imprime dinheiro para terceiros, sem usá-lo dentro das suas próprias fronteiras mas continuando a geri-lo.

Pergunta: mas o que ganham os Países africanos com este acordo? O problema decorrente da taxa de câmbio fixa é complexo.

Dum lado garante vantagens inegáveis: estabilidade da moeda, inflação controlada e, em geral, uma certa facilidade de comércio entre os Países que usam o Franco CFA.

Do outro lado, surgem dúvidas de natureza moral e económica. Em primeiro lugar, a taxa de conversão fixa permite que as multinacionais ocidentais operem nos Países africanos em tranquilidade, eliminando o risco da taxa de câmbio variável, criando uma vantagem competitiva considerável; em segundo lugar, permite que os governos locais acumulem somas substanciais nas contas francesas (favorecidas pela livre transferência de capitais) que são frequentemente o resultado de corrupção ou de outras práticas não transparentes.

A França controla através da moeda

De um ponto de vista estritamente económico, a situação é paradoxal: o Franco CFA está ligado a uma moeda (Euro) e a uma área (a alegre Zona Euro) completamente diferente do tecido social local, e está portanto sujeito aos efeitos das flutuações que caracterizam a moeda europeia sem qualquer possibilidade de influenciá-las.

Além disso, o vínculo com uma moeda tão forte não permite que os Estados africanos possam oferecer preços competitivos no mercado continental, com uma óbvia penalização das exportações e, no geral, das frágeis economias locais.

Mas o Franco CFA é um “pacote” que traz outras surpresas. Por exemplo, a “primeiro direito” que reserva à França o poder de comprar qualquer recurso natural descoberto nas suas antigas colónias, permitindo assim um controle constante sobre matérias-primas de grande valor como petróleo, gás, ouro, urânio, café, bananas, etc.

E há outro aspecto que tem de ser considerado. Este relacionamento económico especial com a França, que perdura de forma ininterrupta desde o final da época do colonialismo, com o tempo criou grupos de poder locais mergulhados numa rede de “favores” que alimentam a corrupção e os interesses pessoais, não gerais.

E. Macron (esq.) com A. Ouattara (dir.)

É o caso dum maiores defensores Franco CFA, Alassane Ouattara, Presidente da Costa do Marfim e amigo pessoal do francês Macron: sob a sua presidência, a justiça é manipulada para neutralizar os oponentes políticos, a Comissão Eleitoral Independente (CEI, responsável pelas eleições) é fortemente contestada pela oposição por causa do controle exercido pelo governo.

Em 2016, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos reconheceu que o CEI não era nem imparcial nem independente, e que o Estado da Costa de Marfin violou a Carta Africana dos Direitos Humanos. Num relatório confidencial tornado público pela imprensa, os embaixadores europeus explicam que as autoridades locais “são imunes às críticas internas ou externas”. Milhares de opositores político são aprisionados pelo regime.

Segundo a França, são os Países africanos que querem permanecer conectados ao sistema do Franco CFA. Afirma o Ministro da Economia e das Finanças da França, Michel Sapin:

Apesar do nome, o Franco é a moeda dos africanos e já não da França, desapareceu da Europa. Sobre esta questão, portanto, são os africanos que devem pronunciar-se e fazer as escolhas deles, nós não podemos fazê-las por eles. […]  O regime do Franco CFA é um factor de integração entre economia de estabilidade monetária e financeira, que garante a resiliência económica dos Países da região.

Além disso, ancorar o Franco FCA ao Euro determina “a transparência internacional e a credibilidade que favorece as trocas com o resto do mundo e os investimentos”.

Na prática: um paraíso para os Países africanos. Um sistema tão bonito que quem se atreve a criticar… perde o lugar. O economista Kako Nubukpo desempenhou o cargo de Director da Francophonie économique et numérique, trabalhando no âmbito da OIF (Organização Internacional da Francofonia). O economista togolês ousou criticar fortemente o Franco FCA e em particular as palavras do Presidente Macron durante as suas recentes visitas ao continente, palavras consideradas “desonrosas para os líderes africanos, imprecisas e caricaturais”. Além disso, o intelectual africano explicou que o Franco CFA estrangula as economias africanas, coisa que enfurecer os franceses.

Resultado: Kako Nubukpo já não é Director.

A oposição

Kako Nubukpo

Mas o caso de Nubukpo não é o único: há um consenso, substancialmente unânime, entre economistas e intelectuais africanos sobre a necessidade de abandonar ou pelo menos modificar profundamente esse sistema. Isso enquanto a maioria dos chefes de Estado e de governo dos mesmos Países continuam a ser favoráveis ao Franco CFA. O que significa: a França ainda exerce um forte poder político na área. “Neocolonialismo”? Não: nestes Países, o colonialismo nunca acabou.

E nesta altura parece que, afinal, as pérfidas palavras do Ministro Satin têm um fundo de verdade: a questão do Franco CFA está nas mãos dos africanos. Até hoje limitaram-se a aceitar um sistema injusto, que favorece Paris; e elegeram sempre umas classes dominantes que continuam a apoiar o Franco CFA por razões que nata têm a ver com o bem estar dos vários Países. Esperar que seja a França a modificar a situação não faz sentido: portanto, devem ser os africanos a rejeitar a continua exploração.

Quando isso acontecerá, não será indolor: Paris irá reagir. Mas ao observar a lista dos Países africanos que fazem parte do Franco FCA, ao ler o níveis de pobreza, o Pib Nominal ou a taxa de desemprego, a pergunta é: o quê têm mais para perder?

 

Ipse dixit.

2 Replies to “Franco CFA: colonialismo à francesa”

  1. Dólar das colônias estadunidenses da América do Sul… Dólar CEA !! Nãããooooo! O Bolsonaro e o Guedes não podem saber disso, apaga tudo Max É um pesadelo atrás do outro.
    Na telinha, a medida que as relação da família tradicional são modificadas, aumenta a guerra de todos contra todos e a justificativa de todo e qualquer crime de guerra recai sobre os laços interpessoais e de existência do próprio povo. Em última instância da “humanidade”, ou seja os mais capazes nela. Na pedagogia da formação da consciência, curso Os 101, ainda não se chegou às guerras por motivos econômicos e os ardis financeiros para avantajar pequenos grupos. Quem sabe num segundo curso televisivo, se chegue lá, e não faltará audiência aflita por salvar a “humanidade”, desta vez os líderes, ou seja os poderosos, todos respeitosos a uma boa “liderança”.
    Olha Max, povos africanos somos nós aqui também ( Estima-se que por volta de 1600, havia milhões de índios e de negros, e não passava de 1500 brancos ). Acredito que neste momento nossa resistência seja parecida com aquela dos africanos do lado de lá do Atlântico

  2. O que se aprende aqui! Já tinha visto o mesmo nome mas em principio(como qualquer um: destento) achava que não ia além do nome.
    O que é que têm a perder, nada tirando quem mantém a situação para seu proveito.

    nuno

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