Como combater as fake news

Fake news. Notícias falsas. São o novo pesadelo de internet: um boato que se espalha de forma rápida, incontrolável, põe dúvidas no leitor, condiciona o pensamento. Preocupam instituições, governos: a União Europeia acaba de organizar uma cruzada contra as este novo instrumento de propaganda. Novo? Nem por isso: antigo, muito antigo.

No dia da Batalha de Waterloo, em 1815, um agente dos banqueiros Rothschild correu até o Reino Unido para anunciar a vitória de Napoleão. A Bolsa caiu a pique, criou-se o pânico e com uns trocos os banqueiros conseguiram entrar na posse do Banco de Inglaterra. Quando a notícia da vitória de Wellington chegou, era tarde demais. Era um fake news. As fake news são uma mentira e as mentiras, infelizmente, sempre existiram. Portanto, identificar internet com as fake news é um erro: a rede só tem amplificado um problema há muito conhecido. O quê fazer?

As modernas fake news são o sintoma dum sistema de informação híbrido que vê em jogo a perda de confiança nos actores institucionais (jornalistas, políticos, etc.) associada à competição na propagação instantânea de informações e ao protagonismo dos usuários na distribuição de notícias.

A única resposta possível, nesse sentido, é a educação, a cultura. Para defender-se das fake news é preciso que cada um de nós cultive um conhecimento de base que permita fazer comparações, reconhecer o que pode estar bem e o que pode não estar bem: uma espécie de matriz para distinguir o verosímil do inverosímil. Eis dez pontos que constituem a base desta matriz.

1. O problema das notícias falsas sempre existiu: hoje alimenta-se de novas dinâmicas

Informações deliberadamente falsas ou artificialmente modificadas sempre foram intencionalmente produzidas e disseminadas. Hoje, as fake news tornaram-se um tópico central pois as plataformas da web e os social media eliminam qualquer mediação e tornam ineficazes os filtros, os controles e as regras dos profissionais e a éticas dos sistemas tradicionais de publicação. As redes activam processos de desestruturação do sistema de informação, enfraquecem os modelos centralizados e criam novos ecossistemas de informação instantânea, permeáveis ​​e cada vez mais gerados pelos usuários. Isso levou a grandes oportunidades de expressão e comparação, mas também produz grandes riscos.

2. A dinâmica gerativa dos media sociais é enfatizada pela crise do papel da ciência na era da “pós-verdade”

Não há como contornar isso: o fenómeno das fake news é enfatizado pela perda progressiva de confiança nos sistemas que estavam delegados a “administrar” e a espalhar o conhecimento científico. Eram estes sistemas que antigamente diziam a palavra definitiva com relação ao que é verdadeiro ou falso. Mas estes sistemas perderam a confiança do público geral e demasiadas vezes não sem razão.

Num contexto onde todos falam sobre tudo, a dimensão emocional dum facto excede a dimensão factual em importância. O que move os usuários a compartilhar uma posição “não científica” ou a aderir a modelos “científicos alternativos” é a proximidade emocional com outros usuários sobre um assunto e a desconfiança no método científico: no centro há as dúvidas acerca duma ciência com interesses extra-científicos. As redes sociais centradas no indivíduo oferecem um discurso baseado no nexo facto-consequência que substitui qualquer argumento racional e verificável.

3. A instantaneidade da partilha derrota a necessidade de reflexão

O imediatismo da comunicação elimina o tempo de reflexão e o distanciamento emocional permitido pelos media tradicionais, substituindo a reflexão pela partilha instantânea. Ao ficar imerso num ambiente “social” discursivo e de partilha, perdemos o “resfriamento” emocional e aumenta o “aquecimento” imediato da resposta, o desejo de estar prontamente presente na comunicação que está a ocorrer: a partilha vem antes do aprofundamento.

4. A censura não é apenas contrária à natureza e estrutura da rede, mas é ineficaz

A natureza aberta e adaptativa da rede impede qualquer censura: é antitética e ineficaz. Não existe um “novo crime” no caso das fakes news: já existem as leis que regulam tais ocorrências. Pensar em regular a dimensão digital de maneira específica e exclusiva, criando um novo caminho normativo, não faria sentido, ainda mais se pensarmos que a solução do problema deveria ser gerida por aqueles que, em parte, favorecem ou até criam as fake news. Um absurdo.

5. A censura das fake news: ineficaz e perigosa para os usuários

Atribuir às plataformas dos social media a tarefa de verificar as fake news não é apenas ineficaz, mas perigoso, pois daria o papel de controlador de verdade a um sistema de actores que tem grande poder num contexto no qual o sistema de informação tradicional já é profundamente dependente pelas plataformas socials. Ninguém quer um social media como gerador e controlador de notícias “certificadas”.

6. Quem gera fake news é responsável por isso, assim como quem as partilha

Numa rede qual é internet, o valor das partilhas é exponencial em relação à origem do compartilhado. Uma fake news não seria nada sem a partilha. A partir do momento que a fake news é desenvolvida, a responsabilidade pelo seu impacto é também naqueles que geram a partilham. Verifica-se a condição paradoxal para a qual a responsabilidade pela partilha do falso na rede é tão importante quanto o acto original de gerar o próprio falso.

7. As notícias falsas são um negócio

Não devemos cair no erro de limitar a questão das fake news ao mundo da conspiração: se é verdade que as notícias falsas são geradas como propaganda, a dimensão económica ser ainda mais importante. As fake news geram um valor económico directamente relacionado à viralidade e ao coeficiente de interesse dos conteúdos que se propagam.

8. Sinalização, não censura

Seja qual for o processo de identificação das fake news, o resultado nunca deve ser censurado imediatamente. Qualquer solução deve ser baseada em mecanismos de sinalização e alerta que indiquem ao usuário que está a enfrentar uma informação potencialmente arriscada. Desta forma, não apenas a velocidade com que a notícia falsa for disseminada é razoavelmente reduzida, mas também contribui para a construção de um exercício de reflexão e discussão entre os usuários.

9. Qualquer mecanismo de controle das fake news deve ser baseado em dinâmicas transparentes, abertas e interactivas

O mecanismo que produziu a decisão de sinalizar uma potencial fake news deve ser transparente e verificável por terceiros, para que possa actuar por meio de métodos interactivos que possam redefinir essa decisão, se necessário. Este mecanismo não sobrecarrega as plataformas de responsabilidade que não devem e não podem ter, mas confere a função estratégica de facilitadores de debate.

10. Uma regra sozinha não resolverá o problema.

Cultura, educação, consciencialização

A relevância do fenómeno das fake news é inversamente proporcional ao nível de consciencialização dos usuários (a “alfabetização digital”) em relação ao ecossistema de informação no qual se movimentam. A solução do problema é, portanto, sobretudo cultural: apenas o conhecimento pode travar as fake news. Sem conhecimento, qualquer notícia pode ser “verdadeira”, não temos instrumentos para combate-la. O papel deve ser  do sistema escolar, do sentido cívico alimentado pelos agente políticos também; e as plataformas socials não podem tornar-se censores. Mas na base está o conhecimento do usuário: é a cultura que combate as fake news, é o ter informação que determina a possibilidade de avaliar outra informação.

As fake news nascem na rede e morrem nas bibliotecas.

 

Ips edixit.

Fonte: Digital Transformation Institute via Il Foglio.

2 Replies to “Como combater as fake news”

  1. “As fake news nascem na rede e morrem nas bibliotecas”.O problema Max, é que as bibliotecas cairam em desuso.
    Vejo que as pessoas querem alguém que corrobore com aquilo que ela toma como verdade, sem se preocupar com a veracidade. Isso só mostra o caráter, no mínimo irresponsável das pessoas.
    O que temos hoje é o resultado do efeito nocivo das fake news: elegeram um presidente despreparado até para ser sindico do meu prédio , que acha que pode governar pelas redes socias , onde “cada tuitada é uma cagada” e que não caiu a ficha de que tem a responsabilidade de comandar umas das maiores economias do mundo.

  2. Não se pode negar mais uma cretinice esperta da nobre família judaica. Gostei de saber. Mais uma prova de que a mentira tem sido um dos pilares fundamentais do sucesso, justificando a perseguição e o apagamento de quem opera no campo da verdade.
    Realço a importância da substituição da censura pelo alerta. Tanto a censura como o alerta dependem de quem censura ou quem alerta, mas a ausência da censura garante a permanência da matéria. Quem deve censurar ou não é quem lê, ouve, assiste , e isso depende da capacidade de cada um. Aí reside a dificuldade, quando a humanidade vai sentindo que talvez seja menos doloroso viver sem pensar. Poucos ainda acreditam que o pensamento alimenta, dá energia, compensa. A procura indiscriminada das drogas legais e ilegais, especialmente do álcool cá no Brazil, do abrigo das seitas religiosas ou de outros rituais, a imersão nos fanatismos vários, nos jogos de internet, nos programas estúpidos das mídias, especialmente o consumo desvairado da pior produção holidiana , ou até mesmo no trabalho, são indícios de quem prefere tornar-se zumbi.

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