A Turquia cumprimenta e vai-se embora

Os Estados Unidos parecem estar prestes a perder outro pedaço do Império. Desta vez é a Turquia que está enervada. Muito enervada.

Na verdade, os problemas nasceram já durante a guerra na Síria. Washington fez várias promessas ao povo curdo, coisas da qual Ankara não gostou mesmo. Mas a coisa foi resolvida: explorada a ajuda curda durante a guerra, a seguir Washington fez marcha atrás, deixando os curdos sozinhos. E Ankara ficou mais calma.

Mas nestes dias o Comando Europeu dos Estados Unidos, o EUCOM, recomenda não conceder os caças F-35 à Turquia caso Ankara decida comprar os sistemas de mísseis antiaéreos S-400 da Rússia. Este é um aviso: Washington pode tranquilamente instalar os mísseis Thaad em israel, mas a Turquia não pode escolher o que instalar no seu próprio território. A decisão do Presidente Erdogan de adoptar a avançada tecnologia antiaérea de Moscovo é encarada como uma brecha na Nato. A Casa Branca pressiona, o porta-voz do Pentágono, Pahon, ameaça: “A escolha terá sérias consequências”.

Para já, os EUA bloqueiam a venda dos caças-bombardeiros invisíveis F-35 (o que até pode ser um favor feito à Turquia dado que os F-35 são fontes de numerosos problemas) e suspensos são também outros contractos, como aquele dos helicópteros Black Hawk. Mas isso não é suficiente. Ontem, o governo dos EUA anunciou que a Turquia “perdeu os requisitos” para fazer parte dos Países privilegiados no comércio com os Estados Unidos: nada de isenção de impostos. A decisão cobrirá 17% das exportações turcas para os EUA. Não sabemos se esta for uma ideia tão boa: nos primeiros 11 meses do ano passado, a Turquia sozinha absorveu 1.7 biliões de Dólares de importações americanas.

Os radares do sistema S-400, com um alcance de 600 quilómetros, levará os movimentos dos aviões da Nato e amigos aos olhos dos engenheiros de Moscovo. Deve ser dito que no passado também a Grécia (outro País da Nato) tinha adoptado um sistema russo, o S-300. Mas a escolha, na altura, era motivada pelos mísseis comprados por Chipre (que não faz parte da Nato): Atenas tomou para si a tarefa de neutralizar as tensões entre Ankara e Nicósia.

A questão é esta: a iniciativa turca parece ser uma escolha de campo. Ankara rejeitou os misseis Patriots americanos, fez um pacto com a Rússia e o Irão, ameaça os aliados curdos dos EUA e faz reivindicações territoriais. E Erdogan auto-proclamou-se também “defensor de Jerusalém” após a embaixada dos EUA ter sido transferida para a Cidade Santa.

Turquia e israel já forma aliadas em função anti-soviética e colaboraram no campo militar, estando em grande parte equipadas com armamentos americanos. Mas este é o passado: por isso os Estados Unidos decidiram implantar o sistema anti-aéreo Thaad em israel. Por enquanto, a chegada das baterias é uma “ajuda” da Direita americana à campanha eleitoral de Benjamin Netanyahu, mas também é um sublinhado do compromisso dos EUA na defesa do Estado judaico, sobretudo agora que a Turquia desliza às margens da aliança e colabora com Irão, Rússia e Síria.

Dúvida: mas por qual razão a Turquia deveria escolher Moscovo? A resposta está toda num mapa e na obtusidade de Bruxelas.

O mapa é aquele que mostra a Via da Seda chinesa: a Turquia é a passagem obrigada da via que chega até o sul da Europa, uma ocasião de ouro, doido ficar de fora. Mesmo ontem, a União Europeia chamou a atenção à Italia por esta ter decidido assinar o acordo comercial com o líder chinês Jinping, em visita na Italia nos próximos dias 22 e 24 de Março: Bruxelas não quer nenhum País na Via da Seda, a Italia já decidiu entrar no projecto.

A obtusidade de Bruxelas foi aquela mostrada na altura em que foi decidido não aceitar a Turquia no seio da União. É verdade, a Turquia de europeu tem pouco, mas era uma escolha geopolítica, pois a Anatólia é o ponte entre Ocidente e Oriente. Agora o Ocidente ameaça a Turquia por esta fazer simplesmente a escolha mais lógica.

 

Ipse dixit.

One Reply to “A Turquia cumprimenta e vai-se embora”

  1. Pois, a guerra multi facetou-se. Mas tem de observar-se em que estratégia de guerra os protagonistas são bons. EUA (os sionistas de israel mais ou menos invisíveis) invadem, tentam com bons resultados mudanças de regime, inundam os não alinhados com sanções. Rússia, China, Irã são imbatíveis na guerra diplomática, e Rússia destaca-se na guerra cibernética e espionagem eficiente. Na guerra tecnológica estão quase empatando EUA e China. No armamento e defesa do país a Rússia acabou de por-se a frente. Todo mundo conspira, trai, se engana e engana, enquanto Europa, América Latina e África, se um dia souberam jogar, esqueceram, cada qual a seu modo. Enquanto o Oriente tenta melhorar as condições de vida de seus povos, o ocidente os empobrece: um jogo avassalador e cada vez mais rápido, onde o que mais importa é dinheiro e poder, mas infelizmente envolve o mundo inteiro, e de onde não se sai quando se quer e os povos são os eternos peões. Na maior parte das vezes os deuses que movem as peças neste tabuleiro são os senhores da guerra, da infâmia, do poder truculento. O planeta tornou-se um cassino, onde saber jogar é uma habilidade essencial, mas já sabendo que o jogo não acabará antes da humanidade desaparecer.

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