O que é a inteligência artificial – Parte I

Fala-se cada vez mais de Inteligência Artificial (AI para utilizar o acrónimo de origem inglesa). Mas o que é a AI?

Assim como cinquenta anos atrás a chegada do computador pessoal mudou tudo na nossa vida privada, profissional, económica e política, da mesma maneira actua hoje a AI. Apenas… mais.

As “máquinas pensantes” estarão em toda parte e vão lidar com quase tudo, ponto final. Mas acerca do que realmente é a AI e do que será, há uma enorme confusão, especialmente por causa das fantasias cinematográficas e das hipérboles dos meios de comunicação. A AI deve, portanto, ser entendida com clareza. E atenção: dado o seu amplo campo de aplicação na política, economia, educação, trabalho e saúde, hoje não sabe-lo já não é uma opção.

Uma nossa cópia?

É preciso começar com essa pergunta: os humanos já possuem inteligência, resultado de um súbito e misterioso salto genético entre (talvez) 200 e 100 mil anos atrás num ramo dos primatas; então porque hoje estamos obsessivamente a tentar criar outra inteligência, aquela artificial?

Há apenas uma resposta: porque a AI deve ser muito mais poderosa de que a humana. Na verdade, não faria sentido investir bilhões e trabalhar décadas para obter capacidades artificiais iguais às naturais humanas. Mas aqui acabamos de usar um termo que é a chave para entender a verdadeira AI: “capacidade”. De facto, a actual AI não tem absolutamente nada de inteligente, isto é, nada nem remotamente comparável às funções cognitivas do cérebro humano; tem apenas capacidades computacionais prodigiosas, que derivam de instruções cada vez mais sofisticadas. Entre capacidades artificiais e inteligência natural existe um distância de dimensões colossais. Utilizar a expressão “inteligência artificial” tem provocado um enorme mal-entendido em todo o mundo, e de facto a frase mais apropriada seria “capacidade artificial”, não “inteligência artificial”.

De muitos lados, em termos de AI, chegam advertências e cenários apocalípticos com contornos de pesadelo num mundo onde super-máquinas, capazes de pensamentos e sentimentos, podem escravizar a raça humana e, assim, ganhar o poder. Ou pior: tomar posse da energia atómica e extinguir os homens. E as mulheres. E os transexuais também. Mas estes são absurdos, que desaparecem quando a diferença acima mencionada entre capacidades artificiais e inteligência natural for clara. A última, a inteligência natural, pertence unicamente a nós, permanece inacessível ao mundo das máquinas: e é bom esclarecer imediatamente o motivo. Infelizmente, o discurso é muito amplo mas é necessário porque se ficarmos distraídos pelos filmes de fantasia acabamos por não entender nada sobre o impacto colossal que esta tecnologia terá sobre política, economia, educação, trabalho e saúde do ser humano.

Nada de Terminator ou C-3PO. Nem R2-D2.

Em primeiro lugar, uma outra distinção deve ficar clara: não existe apenas a AI, mas também a AGI, que é a Inteligência Geral Artificial (Artificial General Intelligence).

A primeira (a AI) refere-se às máquinas que, sob a instrução e a direção total do homem, executam tarefas extremamente complexas, como: traduzir os idiomas instantaneamente; encontrar sinais patológicos invisíveis aos médicos em exames clínicos; previsão de mercados em variáveis ​​que são indecifráveis ​​para os operadores; reconhecer bilhões de rostos e conectá-los sem erro a contas correntes ou arquivos policiais; interpretar e catalogar milhares de bilhões de dados em frações de segundo para uso e consumo humano, etc. Então, lembramos: estamos sempre a falar de habilidades excepcionais, e não de inteligência cognitiva típica dos humanos.

A segunda, a AGI, é o sonho de qualquer cientista: as mesmas máquinas com as mesmas capacidades, mas com total autonomia tanto na aprendizagem por conta própria quanto em pensar as suas próprias soluções. Isto é, as máquinas AGI não precisam mais de instrução ou de direção do homem. Mais uma vez, no entanto, lembramos: falamos neste caso de um passo que fica muito além, mas sempre de tecnologia que nada tem a ver com a reprodução de um cérebro humano. Portanto, mesmo a AGI, apesar de emocionante, não representa realmente os futuristas Star Wars ou Blade Runner.

Que replicar exactamente um cérebro humano dentro duma AGI, o que cria a chamada superinteligência, fosse uma empresa praticamente inalcançável foi a clara visão do pai do computador, Alan Turing, o génio matemático britânico que morreu em 1954. Turing deixou para a posteridade um desafio neste sentido, contido no famoso teste de Turing que também incluiu uma versão actualizada com o nome de Imitation Game: nestes testes seria medido se alguma vez um computador poderia enganar a mente humana mostrando uma inteligência superior (e estamos a falar de inteligência geral, não de jogar a xadrez). Foi uma primeira tentativa de fazer que as pessoas percebessem quanto tempo realmente deve passar antes que seja possível afirmar que uma máquina possa pensar como um homem, sempre assumindo que aquela dia possa chegar. Alan Turing de facto deixou uma previsão pessimista nesse sentido, nas seguintes palavras:

A questão de se as máquinas podem pensar é tão insignificante que nem merece uma discussão.

Ámen.

Os factos estão a dar-lhe razão passados 60 anos e apesar de saltos tecnológicos gigantescos: a super-inteligência não só não existe, mas fica cada vez mais longe. Consideramos os seguintes aspectos, apenas quatro pontos para que seja possível “esterilizar” o campo das fantasias sobre a AI.

ABC e D

A. No reconhecimento de imagem, um ramo da AI, ainda hoje para obter de uma máquina o que nosso cérebro faz numa fração de segundo, são necessários enormes esforços tecnológicos. Imagine um número 9 rabiscado mal: o olho humano e o cérebro, depois de alguns momentos e sem qualquer esforço, podem entender se é realmente um “9” ou um “g”, ou um desenho infantil de um balão preso ao fio, etc. Para fazer um computador chegar a este miserável resultado, o software e o trabalho da rede neural artificial que precisam ser inseridos num computador são desgastantes. Imaginemos coisas como a contemplação de uma pintura e a miríade de estímulos que um cérebro humano recebe, que são entendidos instantaneamente e que podem se reproduzidos em cada campo cognitivo em poucos segundos para finalmente produzir ações de qualquer tipo; e novamente, imaginemos o que será necessário para um computador ter essas mesmas habilidades se hoje reconhecer um “9” mal rabiscado requer esforços de dezenas de pesquisadores.

B. Fala-se muito da AI das Redes Neurais Artificiais (Artificial Neural Networks), ou seja, imitações das estruturas neuronais do nosso cérebro que são colocadas em computadores para torná-los mais “inteligentes”. São tecnicamente fundamentais, mas mesmo neste ponto a realidade é desarmante. O cérebro humano tem 85 bilhões de neurónios interconectados e ninguém no mundo de hoje sabe como funciona um único neurónio. Na Universidade de New York, o génio da neurociência Rodolfo Llinas tem tentado entender durante anos como é que funciona o neurónio duma lula gigante: como faz o bicho, por exemplo, a distinguir uma baleia duma rocha. Mas ainda não conseguiu. Então, quando na imaginação popular se trata de AI ou de Redes Neurais Artificiais como se estivéssemos à beira de encontrar perfeitas reproduções dos cérebros humanos, capazes até de realizar inquéritos policiais, falamos de coisas estúpidas.

C. Outro troféu do novo mundo da AI são os sistemas de navegação (GPS) que todos nós utilizamos nos automóveis e aqueles ainda mais sofisticados que chegarão para os futuros carros, camiões, aviões driveless. Coisas impressionantes, sem dúvida: mas se falamos disso como se fossem “inteligência”, continuamos no ridículo. O cérebro humano contém em alguns centímetros quadrados as habilidades computacionais simultâneas de gestão do espaço-tempo e da sua avaliação cognitiva que nenhum computador sequer sabe reproduzir hoje, mesmo que de forma remota. As abelhas têm apenas 800 mil neurónios num cérebro tão grande quanto a cabeça de um alfinete, mas têm sistemas de navegação tão sofisticados que, para reproduzi-los, precisamos de computadores gigantescos com o apoio de enormes estruturas terrestres e espaciais. Isso também dá uma noção da distância entre as máquinas “inteligentes” e a natureza verdadeiramente inteligente.

D. Causaram muita impressão as notícias das façanhas da AI, como Deep Blue e AlphaGo, ou seja, conjuntos de instruções “pensantes” dentro de uma máquina que derrotaram os melhores jogadores humanos (falamos aqui de xadrex e de igo). Muitos imaginaram que estávamos a um passo da AGI, a chamada superinteligência, mas absolutamente não. O que não é dado a conhecer ao público é a diferença infinita que existe entre um cérebro que aprende sem qualquer instrução sobre como aprender (o humano) e um cérebro que antes de aprender deve ser provido de instruções sobre como aprender (a AI). Para sermos claros: uma criança de 2 anos de idade aprende um código imensamente complexo, como aquele da linguagem e do seu conteúdo, sem que ninguém coloque um software sobre como aprender a linguagem na cabeça dele. Em vez disso, uma AI antes de aprender a linguagem sempre terá que depender da inteligência humana e de instruções cada vez mais complexas para saber como aprender. Porque sem instruções sobre como aprender, a máquina não aprende. E não a nada a fazer neste aspecto.

Quem carrega o botão?

Hoje existem máquinas muito avançadas que aprendem algumas coisas sozinhas? O vosso firewall entra no modo de aprendizagem para aprender a distinguir processos legais e ilegais? Sim, mas no começo da cadeia há sempre as instruções humanas sobre como aprender: algo que não acontece na biologia humana porque já estamos completos.

Mas acima de tudo: como poderiam os cientistas reproduzir os meandros da inteligência numa máquina se nem sabem como funciona num cérebro biológico? As Agi com superinteligência ainda são fantasias.

Por isso, e não é coincidência, depois de 60 anos do génio Alan Turing chega hoje um triste golpe de realismo na cabeça da chamada Comunidade AI. Cada vez mais fala-se entre os melhores especialistas de um “inverno” da AI. Não um fim, mas um abrandamento sim. Quem é considerado o Pitágoras da inteligência artificial, Yann LeCun, tinha sido contratado pelo Facebook como supremo Guru da AI, na esperança que conseguisse aproximar a superinteligência: mas hoje LeCun fica na sombra de Zuckerberg, tanto para não dar excessivamente nas vistas.

Tudo isso para conseguir ter uma imagem informada e realista do que realmente significa hoje a expressão “Inteligência Artificial”, numa altura em que todos estão a falar sobre a AI como se as maquinas pudessem escravizar o mundo em cenários dignos de Isaac Asimov. Não é bom deixar-se impressionar com o facto de que a Silicon Valley, de vez em quando, reúna os cérebros em debates sobre a ética das futuras máquinas “inteligentes”. DeepMind, que é o centro de excelência do gigante Google-Alphabet, em Londres, lançou o Ethics & Society como laboratório permanente para estudar a moralidade e os benefícios dessas tecnologias. Mas tudo isso não significa que o Exterminador esteja realmente pronto para aparecer no Planeta para anunciar o fim da raça humana. A discussão sobre o uso das tecnologias e o seu impacto sobre a humanidade é, digamos, um acompanhamento que é sempre servido com o prato principal, e isso desde a invenção da dinamite. O facto de que as supertecnologias poderiam acabar em redes de controlo político e repressão em massa, ou até mesmo serem usadas em armas de destruição maciça contra a nossa espécie, é bem verdade: mas, como sempre, será a mão do homem a decidir, não uma superinteligência que uma manhã acorda para carregar no botão vermelho (nota para os nerds: a singularidade tecnológica é uma piada, apesar de Elon Musk e outros como Ray Kurzweil).

Os três pilares

O Leitor chegou até aqui? Muito bem, porque agora começa a parte crucial. É absolutamente verdade que a AI como ferramenta de gestão humana na vida moderna e em todos os campos conhecidos (da política à medicina, da comunicação à indústria, dos serviços ao financiamentos, da educação ao mundo do trabalho) é hoje a maior revolução nas nossas vidas depois da chegada dos computadores: mas é muito mais disruptiva e por esta razão ninguém pode ignora-la, sob pena de ficar excluídos e confinados numa vida do século passado. Portanto, para completar o quadro geral do que é o AI e como exatamente irá mudar quase tudo, é preciso descrever os três pilares que a compõem e dos quais já se houve falar, por exemplo, nas ofertas de emprego, na inovação empresarial e nas infra-estruturas nacionais.

Os três pilares são:

  • Machine Learning
  • Deep Learning
  • Artificial Neural Network

Vamos falar disso? Claro, mas amanhã, na segunda parte do artigo.

 

Ipse dixit.

Fontes: na última parte do artigo.

3 Replies to “O que é a inteligência artificial – Parte I”

  1. Estão ficando inteligentes demais…

    Robô sexual usa inteligência artificial para consentir o ato:

    “…Se, então, não houver o consentimento, suas mãos e quadris motorizados param de responder…” > https://goo.gl/p5L2ZU

    :p

  2. Artigo claro e muito oportuno. Da minha parte penso que a indústria cinematográfica e demais propagandas cumprem o objetivo de atemorizar. Não esquecer que o medo é um dos pilares fundamentais para o controle dos indivíduos. O desconhecimento e a tendência à estupidez completam o quadro.
    Quanto à almejada capacidade artificial, deverá cumprir papel cada vez mais operacional na organização do controle das grandes massas humanas, além de outros progressos de domínio e competitividade. Daí as somas fantásticas atribuídas ao seu desenvolvimento: mais capacidades artificiais=mais poder=mais lucros financeiros=mais conhecimento, e o ciclo se repete, se agiganta enquanto afunila os detentores das novas tecnologias, que dirão que servirão à paz, mas que muito melhor servirão à guerra.

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