Porque o Irão assusta

Teherão

Os encontros entre Macron antes e com a Merkel não ajudaram a eliminar a dúvida: o que fará Trump acerca do acordo sobre o nuclear assinado em 2015 entre Estados Unidos e Irão? Todavia temos uma certeza: as guerras no Médio Oriente continuarão e o Irão será ainda o verdadeiro alvo dos EUA e dos seus aliados regionais, israel e Arábia Saudita.

O Irão é realmente nosso inimigo? Alguém ouviu ameaças de Teherão? Alguém viu Países invadidos ou bombardeados pelas forças iranianas? Drones ou mísseis dos ayatollah? Nada? Pois. E ao reler a história das últimas décadas encontramos algo surpreendente.

  • Em 22 de Setembro de 1980, o Iraque de Saddam Hussein atacou o Irão do Imam Khomeini, um ano depois do Xá Reza Pahlevi ter sido abatido pela revolução. Todos achavam que o Irão, enfraquecido e sem o “guarda-chuva” americano, teria entrado em colapso com facilidade. Saddam Hussein foi apoiado pelas monarquias do Golfo e pelas armas americanas: em oito anos de guerra foram gastos entre 50 e 60 bilhões de Dólares para vencer um conflito que, na verdade, não alterou dum milímetro as fronteiras entre os dois Países. E pensar que o Iraque tinha do seu lado não apenas o Ocidente compacto mas até a União Soviética.
  • Em 2001, após os ataques de 11 de Setembro e Al Qaeda, a guerra no Afeganistão tocou as fronteiras orientais do Irão: EUA e respectivos aliados estavam decididos a abater o regime talibã, que sempre foi hostil ao Irão.
  • Em 2003, com o assassinato de Saddam Hussein, os EUA entregaram o Iraque à influência xiita, tal como era amplamente previsível antes do conflito.
  • Na Síria, a guerra iniciada em 2011 contra Assad não apenas não enfraqueceu Teherão como abriu às portas para a intervenção da Rússia, agora aliada do Irão.
  • Juntamos o Isis, nascido em 2014 e derrotado em 2017 pelos Pasdaran iranianos conduzidos por Qassem Soleimani, e a guerra começada em 2015 no Yemen, onde três anos de bombardeios sauditas foram incapazes de dobrar a resistência xiita.

Portanto: todas as iniciativas ocidentais para acabar com o regime dos ayatollah ou fracassaram ou, pior, conseguiram reforçar o regime iraniano. A realidade é que os EUA e sobretudo israel e a Arábia Saudita não estão dispostos a
aceitar o Irão como um País independente e soberano, que tem uma grande
influência regional boas parte da qual foi literalmente entregue pelas acções sem sentido do
Ocidente.

Por qual razão tanto ódio contra a antiga Pérsia? Existem várias razões.

  • o Irão é um País xiita, movimento religioso naturalmente adversário do Islão sunita que governa a Arábia Saudita e profundamente adverso ao regime israelita.
  • o País é uma ponte natural entre Ocidente e Oriente, sem esquecer que a Rússia fica muito perto.
  • o Irão é rico em gás, que mais cedo ou mais tarde irá substituir o papel do petróleo (do qual o País é também rico) nas commodities.
  • não último, o Banco Central de Teherão é um dos poucos ainda realmente independentes. E isso enerva não poucos.

Todas razões perfeitamente válidas e tangíveis. Mas há algo mais.
O Irão assusta porque é um País independente, que nunca se curvou às diretrizes ocidentais, com um regime muito questionável, sem dúvida nenhuma, mas capaz de preservar a autonomia de uma nação com 2500 anos de história.

A sua influência linguística e histórica é muito ampla e do coração do Médio Oriente alcança a Ásia Central: os iranianos são uma cultura, não apenas um regime e o Irão é uma nação, tais como aquelas que no Ocidente estão a ser desmanteladas. É também isso que o Ocidente e os seus aliados temem: o Irão representa de certa forma um baluarte, um pedaço de história que resiste à grande homologação. Submetê-lo é uma questão de princípio que nada tem a ver com a justiça ou com o respeito dos direitos civis.

De facto, somos muito mais tolerantes com os sauditas que no passado reabriram os cinemas e ao mesmo tempo executaram cerca de cinquenta pessoas. Protestos? Quase nada. Sem mencionar israel, que há décadas viola todas as resoluções da ONU com o apoio de Washington e os aplausos do Ocidente.

A questão nuclear? Índia e Paquistão possuem bombas atómicas e nem aderem ao Tratado de não proliferação de armas nucleares. Sem mencionar (outra vez) israel, que nem reconhece o facto de ter tais armas. O Presidente Trump:

Estados Unidos e israel podem declarar a uma voz que o Irão nunca, jamais, jamais poderá ter uma arma nuclear.

Será que o facto de Teherão não ter o nuclear enquanto Tel Avive nem declara o número de ogivas prontas para o lançamento torna o mundo um lugar melhor?

Ipse dixit.

Fontes: Tiscali, Il Fatto Quotidiano.

11 Replies to “Porque o Irão assusta”

  1. Deixo aqui um pequeno contributo para o tema abordado no texto, de forma a que se entenda o papel do regime da Inglaterra contra a República Islâmica do Irão:

    – How Britain ovethrew democracy in Iran

    1. Ola JF, boa noite.

      Sabes… algo que me anda a deixar curioso sao a 1a guerra Anglo-Afga 1839 – 1842 e se tera alguma relacao com a 1a do Opio 1839-1842.

      Adiante, pouco se conhece (pelo menos eu) da influencia da Gra Bertanha nos destinos do Afganistao. Da relacao com o opio, posteriormente dessas mesmas relacoes na guerra civil Afega com Paquistão, Arábia Saudita, Estados Unidos e Reino Unido de um lado dos talibas e Irao e URSS do outro. O que e certo e que ja faz 17 anos que a nato e eua nao saem de um pais que designam de arido, atrasado, que supostamente nada teem para alem de habitantes selvagens com aptidoes cognitivas limitadas.

      EXP001

    2. A função das forças militares dos Estados Unidos da América (EUA) e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão, é manter a segurança das áreas usadas para o cultivo da papoila e produção do ópio e derivados:

      – Drug War? American Troops Are Protecting Afghan Opium. U.S. Occupation Leads to All-Time High Heroin Production
      https://www.globalresearch.ca/drug-war-american-troops-are-protecting-afghan-opium-u-s-occupation-leads-to-all-time-high-heroin-production/5358053?print=1

      O regime da Inglaterra é o maior traficante de drogas do Mundo, por isso tem todo o interesse em manter a questão da "guerra" no Afeganistão assim como está.

    1. Olá EXP!

      Enquanto escrevia o artigo foi criado um novo País, o Azerbaijão, mesmo entre o Irão e a Rússia. Não dá para distrair-se um segundo, aquela gente é mesmo terrível neste aspecto. Mas nada de grave: o Azerbaijão é pequeno e pode ser atravessado num par de horas, caminhando com um certo ritmo. Mas aproveito para actualizar o artigo e também o meu mapa que herdei do bisavô e pensava estivesse ainda bastante actual.

      Obrigado pelo reparo!

      Grande abraçoooo!!!

    2. Ehh Max, nao fales assim porque fazes lembrar o pessoal do departamento de estado dos eua 😉

      Tambem me engano.

      Abraçooo !!!

  2. História, cultura, identidade, integração na diversidade não são coisas fáceis de serem construídas/vividas por um povo nação. O ocidente olha para o Irã e murcha sua retórica vazia de valores e atitudes. Deve passar por aí, além do lugar de sempre do petróleo e gaseodutos, dos aliados e alianças, da soberania e da independência, dos xiitas e tudo mais.

  3. Viva
    O Irão/Persia, com o Egipto e a China são os mais antigos estados-nação. O Irão, apesar da sua diversidade étnico/cultural/religiosa (persas, partos, medos, azeris, curdos, baluques, lorestanis, árabes, kwaresmis…)tem sido um elemento de estabilidade na região
    Os EUA e a GB fomentaram o derrube do Mossadegh para dar todo o poder ao xá Pahelevi e salvaguardar o controlo do petróleo pelas empresas ocidentais que o Mossadegh entendeu nacionalizar
    Antes da guerra encomendada ao Saddam houve o episódio da ocupação da embaixada americana em Teherão – que hoje continua encerrada e funciona como monumento anti-EUA e às suas taras imperiais. Os EUA nunca perdoaram a auto-humilhação constituida pelo desastroso episódio do comando americano que deveria intervir na embaixada ocupada e que se desfez numa zona desértica sem lá chegar; mas deixando os destroços que todo o mundo viu
    Quando os cheiks do Golfo decidiram ostracizar o Qatar, recentemente,só fortaleceram a relação daquele com o Irão, com quem têm uma parceria para explorar um imenso jazigo de gás no Golfo
    Todos sabemos que o regime é tutelado pelos ayahtollas mas têm um parlamento tão bom ou tão mau como os europeus; isto é, dominado por oligarquias políticas. Qualquer pessoa pode definir-se como ateu ou agnóstico, sem problemas, como não acontece nos aliados árabes do Ocidente. As grandes cidades iranianas são de uma grande modernidade, com enorme trânsito e que se diverte sábado e terça feira (não aos domingos)como nos fds ocidentais. Quem pensar que há polícias em cada canto, que se desengane; veem-se muito poucos. As mulheres em Teherão, na sua maioria não usam chador (são mais no Sul) mas todas usam o hijab, aconselhado também às turistas. Já não há polícia de costumes mas há sempre um integrista idiota capaz de mandar bocas ofensivas. O grande bazar de Teheran tem 12 km de ruas com área coberta e circular lá é estar inserido numa imensa multidão que se move na base do empurra/empurrado. A profundidade da cultura persa é tal que os mausoléus dos poetas e a poesia dos séculos VIII/XIII, são muito cultivados pelas pessoas. Alíàs naqueles tempos, Portugal não existia como identidade cultural ou linguística. Vão lá e vejam com os vossos olhos. Em termos geopolíticos, a Organização de Cooperação de Xangai está a unir os principais países de Ásia e a Rússia fazendo frente ao poder ocidental protagonizado pelos Trumps. A Rota da Seda * por mar e terra vai incorporar a Europa num grande bloco euro-asiático-africano; já hoje a China é mais relevante nas relações comerciais com toda a Europa de Leste para além da Escandinávia, da Holanda e da Alemanha, do que os EUA oq eu a prazo poderá partir ao meio a Europa com um núcleo atlantista fiel à supremacia dos EUA e da Nato. Esperemos que nos EUA não se vá atrás da gritaria guerreira vinda da fortaleza sionista pela voz daquele fascista do Netaniahou. Tempos interessantes, vivemos

  4. Tratar de Irã é da mais alta complexidade. O país é uma espécie de "cereja do bolo" entre os ocidentais. EUA (leia-se OTAN) e Rússia Ocidental o monitoram com lentes potentes. O Irã é o resíduo do Império Persa. Sua autonomia política/econômica é muito menor do que a noticiada pela mídia ocidental. Desde a queda do Xá Reza Pahlevi, o processo de ocidentalização sofreu um desvio de rota, com o novo regime mesclando teocracia e republicanismo, e se equilibrando nas relações de dependência com a Rússia Ocidental. A grande interrogação continua sendo a Rússia moscovita e suas relações com o sionismo supranacional.

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