O poder de Facebook nas eleições

Um recente artigo da Bloomberg revela como uma célula secreta do Facebook permitiu a criação de um exército de trolls [“troll” é um termo utilizado como gíria na internet e designa uma pessoa cujo comportamento ou comentário desestabiliza uma discussão, com comentários injustos e ignorantes. O objectivo do troll é provocar raiva e ira dos outros internautas, Ndt] em favor de muitos governos do mundo sob a forma de propaganda digital destinada a manipular as eleições.

No centro das atenções, por causa do papel que a sua empresa desempenha como plataforma de propaganda política, o co-fundador Mark Zuckerberg respondeu ao declarar que a sua missão está acima das divisões partidárias. Mas, na realidade, Facebook não é apenas um espectador político. O que ele não diz é que a sua empresa colabora activamente com partidos e líderes, mesmo aqueles que usam a Facebook para reprimir a oposição, às vezes com a ajuda de muitos trolls que espalham mentiras e ideologias extremistas.

Esta iniciativa é liderada por Washington: uma equipa muito discreta de Facebook, especializada em questões de política global, liderada por Katie Harbath, ex-estrategista digital no campo republicano que trabalhou em 2008 para a campanha presidencial do ex-prefeito de New York Rudy Giuliani, bem como nas eleições indianas de 2014.

Desde que Facebook assumiu Harbath para dirigir esta célula secreta passaram três anos, durante os quais a equipa viajou para todos os cantos do mundo. Ajudou os líderes políticos, fornecendo as poderosas ferramentas digitais da empresa sob a forma de um verdadeiro exército de trolls para propósitos de propaganda. Na Índia e em muitos outros Países, os funcionários desta célula são de facto agentes eleitorais da campanha. E uma vez que o candidato for eleito, cabe à empresa monitorizar os funcionários ou prestar assistência técnica nas transmissões digitais durante as reuniões oficiais entre chefes de Estado.

Nos Estados Unidos a equipa trabalhou no terreno durante a campanha de Donald Trump. Na Índia, a empresa promoveu a presença em rede do Primeiro-Ministro Narendra Modi, que hoje tem mais fãs no Facebook do que qualquer outro líder político mundial.

Katie Harbath

Durante as reuniões da campanha, os membros da equipa de Katie Harbath são acompanhados pelos
directores publicitários de Facebook, cujo papel é ajudar a empresa a aproveitar o interesse dado às eleições pelas massas. Formam políticos e líderes, criam páginas no Facebook para as campanhas, escolhem os slogans publicitários. Uma vez que esses candidatos forem eleitos, a colaboração com Facebook permite que a empresa amplie significativamente a influência política, com a possibilidade de contornar as leis.

O problema foi exacerbado desde que Facebook decidiu colocar-se como um pilar da democracia mas de maneira antidemocrática. A Freedom House, uma pseudo-ONG americana que luta pela democracia no mundo, informou em Novembro passado que cada vez mais Estados “manipulam as redes sociais para enfraquecer os alicerces da democracia”. Isso resulta em campanhas difamatórias, assédios ou propagandas que os governos apoiam secretamente, impondo as suas versões de eventos, silenciando a dissidência e fortalecendo o poder.

Em 2007, o Facebook abriu o seu primeiro escritório em Washington. As eleições presidenciais que ocorreram no ano seguinte viram o advento do primeiro “Presidente do Facebook” na pessoa de Barack Obama, que com a ajuda da plataforma conseguiu atingir milhões de eleitores nas semanas anteriores às eleições. O número de usuários do Facebook explodiu em conjunto com as insurreições da Primavera Árabe no Médio Oriente em 2010-2011, destacando a enorme influência das plataformas digitais sobre a democracia.

Desde que Facebook escolheu Katie Harbath para impulsionar a sua unidade política, as eleições tornaram-se um tópico quente nos media sociais. Gradualmente, Facebook começou a envolver-se em problemas eleitorais em todo o mundo. Facebook alcançou alguns dos partidos políticos mais controversos do mundo ignorando o princípio da transparência. Desde 2011, a empresa pede à Comissão Eleitoral Federal dos EUA uma excepção à lei que exige transparência quanto à promoção de um partido político.

As relações entre a empresa e os governos são complicadas. Facebook foi acusado pela União Europeia de permitir que o islamismo radical floresça na sua rede. A empresa acaba de publicar o seu relatório sobre a transparência, explicando que fornecerá aos governos apenas dados sobre os seus usuários se o pedido for legalmente justificado; caso contrário, não hesitará em recorrer aos tribunais.

Trolls na Índia

O mercado indiano é provavelmente um dos mais vibrantes hoje para Facebook, superando o dos Estados Unidos: o número de usuários aumenta duas vezes mais rápido. Isso sem levar em conta os 200 milhões de indianos que utilizam o serviço de mensagens de WhatsApp (desde 2014 parte do grupo Facebook), mais do que em qualquer outro lugar do mundo.

O Primeiro-Ministro Narendra Modi

Em ocasião das eleições indianas de 2014, Facebook já se tinha mexido durante vários meses em várias campanhas. O candidato Modi beneficiou bastante do apoio de Facebook e WhatsApp para o recrutamento de voluntários que, por sua vez, espalhavam a mensagem nas redes sociais.

Desde a sua eleição, os seguidores chegaram a ser 43 milhões, o dobro dos de Trump. Nas semanas que se seguiram à eleição de Modi, Zuckerberg e o seu director de operações, Sheryl Sandberg, mudaram-se para a Índia para desenvolver um polémico projeto para um serviço internet gratuito que, causando fortes protestos, foi finalmente abandonado.

Katie Harbath e a sua equipa também foram para a Índia para realizar sessões de treino com mais de 6.000 funcionários públicos. Enquanto Modi viu a sua influência crescer nos media sociais, os seus seguidores lançaram uma campanha de assédio contra os rivais políticos no Facebook e WhatsApp. A Índia tornou-se um viveiro de desinformação, incluindo a difusão de uma brincadeira que provocou distúrbios, com a morte de várias pessoas. O País também se tornou um lugar extremamente perigoso para os partidos da oposição e os jornalistas.

 A manipulação das emoções

Um estudo publicado em 2014 e intitulado “A demonstração experimental de um fenómeno de contágio emocional em larga escala através das redes sociais” estuda a relação entre mensagens positivas e negativas vistas por 689.000 usuários do Facebook, a maioria dos quais eram indianos. Este experimento, realizado entre 11 e 18 de Janeiro de 2012, tentou identificar os efeitos do contágio emocional, modificando o peso emocional das informações entregues aos usuários-alvo. Os pesquisadores concluíram, pela primeira vez, que “demonstraram que as emoções podem espalhar-se através duma rede informática, (embora) os efeitos dessas manipulações permaneçam limitados”.

Este estudo foi criticado por causa da sua base ética e metodológica. Na acalorada controvérsia, Adam Kramer, um dos principais instigadores desta pesquisa e membro da equipa de dados do Facebook, defendeu o estudo numa declaração da empresa. Alguns dias depois, Sheryl Sandberg, director executivo do Facebook, fez uma declaração ao longo duma sua viagem à Índia. Durante um evento organizado pela Câmara de Comércio de Nova Deli, declarou:

Este estudo foi conduzido como parte da pesquisa realizada pela empresa para testar diferentes produtos, nem mais nem menos. A comunicação sobre este assunto foi muito má e pedimos desculpas. Não queríamos aborrecer.

Então, para qual novo produto revolucionário Facebook tinha realizado os experimentos psicológicos para manipular emocionalmente os seus usuários? Esses produtos revolucionários são o exércitos de trolls digitais que propagam informações falsas para ajudar os seus clientes durante as eleições.

Pouco depois, em 3 de Julho de 2014, USA Today informou que o grupo EPIC, que promove campanhas para a privacidade dos cidadãos, tinha apresentado uma reclamação oficial à Comissão Federal de Comércio declarando que Facebook quebrou a lei realizando pesquisas sobre as emoções dos seus usuários sem o consentimento destes e sem informá-los. Na queixa, a EPIC afirma que Facebook enganou os seus usuários ao realizar secretamente um experimento psicológico sobre as emoções deles:

Na altura do experimento, Facebook não declarou na sua política de utilização de dados que as informações obtidas seriam utilizadas para fins experimentais. Facebook também omitiu informar os usuários de que essas informações seriam comunicadas aos pesquisadores.

A verdade é que o que publicamos na web tem um impacto notável. De acordo com uma recente pesquisa conjunta do Pacific Northwest National Laboratory e da Universidade de Washington, o conteúdo publicado nos media sociais poderia ser usado com softwares para prever eventos futuros. Num documento publicado pela arXiv, a equipa de investigação descobriu que as redes sociais podem ser usadas para “identificar e prever eventos no mundo real”. A análise de Twitter pode prever com precisão a agitação social, por exemplo quando as pessoas usam determinada hashtag para discutir certas questões antes de participar em manifestações de alto risco. Foi o que aconteceu durante a Primavera Árabe, quando os sinais de futuros protestos foram observados na internet nos dias anteriores aos eventos.

É verdade também o contrário: a raiva pode ser gerada nas redes sociais e, uma vez atingido o nível ideal, pode ser transportada para a vida real. [Os Leitores de Portugal estarão cientes da utilização de Facebook por parte de indivíduos ligados ao mundo futebolístico nacional e de como isso tenha tido uma enorme influência na criação dum clima geral de suspeição e ódio neste período, Ndt].

O caso da Índia

Voltemos ao caso indiano. A indústria da desinformação neste País exerce uma influência muito maior do que o discurso político tradicional e poderia tornar-se potencialmente uma questão de segurança semelhante à da Primavera Árabe. Quando o debate atinge pontos particularmente elevados, é importante compreender que isso não teria o mesmo impacto tão rápido se os jovens não tivessem acesso aos vários Facebook, Twitter, Youtube e outras redes sociais. Isso permite que esse sector de desinformação gere e compartilhe vídeos e informações falsas.

O fenómeno tem uma dimensão totalmente nova agora que foi revelado que Facebook e WhatsApp têm conspirado com o establishment, criando “um exército de trolls“, desencadeando a violência na Índia. É um caso típico de terrorismo, termo que é definido como “uso sistemático do terror ou da violência por parte dum indivíduo ou grupo para fins políticos”. Neste caso, o terrorismo é perpetrado por uma empresa estrangeira (Facebook) em território indiano através duma guerra digital de desinformação.

E a Índia, como é óbvio, não é uma caso isolado. Uma campanha de desinformação foi realizada durante a mais recente eleição presidencial dos EUA, sendo parte integrante da própria campanha oficial em colaboração com empresas líderes do sector. O mesmo método também foi utilizado para orientar o debate acerca do Brexit.

Mas como funciona? No caso da Índia, muitas páginas e portais da internet legítimos recebem publicidades flutuantes (popup, banner, etc.). O conteúdo específico é criado para diferentes categorias de pessoas com base na localização, ideologia, idade, religião, tudo misturado com uma grande quantidade de conteúdo erótico que obscurece o objectivo real. O conteúdo falso é então injectado na rede social e os grupos-alvo específicos são individuados através de ferramentas analíticas desenvolvidas por empresas líderes. Como esta falsa informação se espalha, ganha impulso e acaba por chamar a atenção duma celebridade, dum político e às vezes até mesmo dum jornalista. O objectivo foi alcançado: a mentira tornou-se uma realidade ou, no mínimo, uma possibilidade.

Seja por escolha ou por ignorância, os media começam a espalhar a mentira, dedicando todos os seus comentários na imprensa a tal informação falsa: quem disse o quê, quem respondeu, os testemunhos, as opiniões, etc. Entre o público espalha-se uma visão distorcida do mundo, imagem que todavia agora ganhou “legitimidade” porque tratada também pelos media tradicionais como diários, rádios ou televisões.

O poder de Facebook

Na altura das eleições indianas de 2014, apareceu um artigo intitulado “Facebook pode influenciar o
resultado das eleições indianas?”. Se Facebook pode mudar as nossas emoções e até as opiniões, o que mais será capaz de fazer?

Surpreendentemente, a própria comissão eleitoral indiana entrou em parceria com Facebook acerca do registo dos eleitores durante o processo eleitoral. O Dr. Nasim Zaidi, Chefe da Comissão Eleitoral Indiana (ECI), declarou:

Tenho o prazer de anunciar que a Comissão Eleitoral Indiana lançará um procedimento especial para alistar os não eleitores, especialmente aqueles que nunca votaram. Isso representa um passo em direcção à realização do lema ECI, “Nenhum cidadão deve ser abandonado”. Ao participar nesta campanha, Facebook enviará um lembrete em vários dialetos indianos para lembrar das eleições a todos os usuários de Facebook na Índia. Convido todos os eleitores a inscrever-se e votar; isto é, reconhecer os seus direitos e assumir os seus deveres. Estou convencido de que Facebook dará uma nova dimensão ao censo da campanha eleitoral lançada pela Comissão e incentivará os futuros eleitores a participar no processo eleitoral e tornar-se cidadãos responsáveis​​.

[E finalmente temos a nossa resposta: Facebook pode mudar as nossas emoções, as opiniões, e fazer-nos votar. Ndt]

Ipse dixit.

Fontes: o artigo original (do qual a versão aqui apresentada é uma ampla síntese) foi escrito pelo jornalista indiano Shelley Kasli e publicado nas páginas de Voltairenet. As fontes do artigo podem ser verificadas e são as seguintes:

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