Afeganistão: ópio e crianças

O Afeganistão é desde 1992 o principal produtor mundial de ópio, ultrapassando Myanmar, o Triângulo Dourado (Myanmar, Laos e Tailândia) e a América Latina. Única exepção foi o ano de 2001, quando o poder pertencia aos Talibans. Mas desde a ocupação dos EUA, a produção voltou a crescer, aumentando progressivamente até ter duplicado hoje os resultados do ano de 2000 (anos mais produtivos: desde 2004 até 2007).

A terra utilizada para o cultivo ultrapassa aquela dedicada à cocaína na América do Sul e 92% de todo o ópio não utilizado na indústria farmacêutica tem origem no Afeganistão. O resultado é uma receita que varia entre 2.5 e 4 milhões de Dólares, cerca de 35% do Produto Interno Bruto do País, dinheiro cuja maior fatia é dividida entre 200 mil famílias.

Mas o Afeganistão não é apenas produtor e exportador de ópio, é também consumidor.
O jornalista que opera em Kabul, Matthieu Aikins:

O que aconteceu no Afeganistão ao longo dos últimos 13 anos tem sido o florescimento dum narco-estado que é sem precedentes na história.

Todos os níveis da sociedade afegã estão envolvidos no florescente comércio e a disponibilidade de grandes
quantidades de heroína barata levou a uma duplicação dos rácios de dependência durante os últimos cinco anos.

Numa reportagem realizada pelo Channel 4, outra jornalista, Ramita Naval, explora o aumento da dependência entre as faixas etárias mais jovens. Num País devastado, onde o acesso aos tratamentos de desintoxicação é particularmente limitado, Naval decidiu visitar um centro de reabilitação, onde crianças de quatro ou cinco anos tentam abandonar a droga.

Aquele visitado é o único centro de tratamento da capital para ajudar as crianças e tinha sido originalmente criado para tratar mulheres. A unidade tem 20 camas e, ironicamente, é financiada pelo Departamento de Estado dos EUA. Naval teve a oportunidade de observar as crianças nas várias fases do programa de tratamento, que tem uma duração de 45 dias.

O médico Latifa Hamidi:

Há uma futura geração de viciados que precisam de ajuda e não são capazes de trabalhar.

O que está em jogo é o futuro do País: o problema é tão grave entre a população mais jovem que muitos estão a tomar medidas desesperadas para financiar o vício. Naval falou com um rapaz de 13 anos, que começou o seu percurso quando os seus pais foram mortos pelos bombardeios. Desde a idade de oito anos era pago pelos toxicodependentes para vigiar enquanto eles se drogavam. Mais logo, iniciou a consumir e a prostituir-se para poder pagar as doses. E esta não é uma excepção: a prostituição infantil é um canal normal de financiamento.

Outro caso é aquele de Ali, 15 anos de idade, que utilizou heroína nos últimos 24 meses. A mãe dele morreu e o pai fugiu para o Irão. Depois de testemunhar um ataque suicida em Kabul, foi para a casa no campo de parentes; mas enquanto aí, as forças americanas bombardearam a aldeia, matando dezenas de pessoas. Ali viu os corpos espalhados por toda a parte; ele e outros moradores tiveram que recolher os corpos e colocá-los em sacos plásticos. Hoje afirma:

Prefiro não viver que viver nesta guerra.

Um dos problemas que os toxicodependentes enfrentam reside na religião: o Islão proíbe as substâncias estupefacientes e considera a dependência como uma vergonha. Pelo que, muitos dos viciados recusam pedir ajuda e o resultado é uma “epidemia oculta” que afecta um número desconhecido de crianças e famílias.
Ainda o doutor Hamidi: 

Cada vez mais crianças estão a tornar-se dependentes porque o país está cheio de ópio. Se o governo não fizer nada acerca disso, o Afeganistão está prestes a enfrentar um desastre.

O problema é que o governo conhece a situação mas pouco pode ou quer fazer. Muitos dos funcionários públicos estão envolvidos no negócio da droga e a corrupção é endémica. Além disso, para os agricultores o cultivo de ópio é a única forma para tentar fugir da miséria.

Na área onde funciona o centro de recuperação, em Kabul, das 130.000 famílias residentes 60% têm problemas de dependência e nem todos tiveram origem no Afeganistão. Muitos homens começam a assumir drogas durante o trabalho nos vizinhos Irão e Paquistão; depois de ter utilizado drogas como estimulantes, para trabalhar mais horas, voltam e trazem o vício com eles, espalhando o novo hábito para famílias inteiras. Cedo o ópio e os seus derivados substituem as drogas importadas, porque o ópio no Afeganistão é particularmente barato (1 Libra por cada grama de heroína).

O ópio é também parte da vida nos campos de refugiados do Afeganistão, onde os deslocados internos são deixados a eles mesmos. Os médicos do governo raramente vão visitá-los e as várias agências de ajuda estão mal equipadas para lidar com as crianças viciadas. Os analgésicos estão disponíveis, mas o ópio continua a ser muito mais barato e mais eficaz.

O facto é que o ópio tem vários efeitos: acalma, tira a dor. Não é incomum, então, que sejam as mães a administra-lo aos pequenos para mantê-los quietos. Uma prática comum, por exemplo, no distrito de Qali Zal, famoso pela produção de tapetes, onde as mulheres das aldeias enfrentam longas horas de trabalho, de manhã até tarde da noite, e não têm maneira de cuidar da sua prole.

O ópio é também administrado em pequenas quantidades como um analgésico, mais barato do que os medicamentos regularmente à venda.

De acordo com os médicos, a vontade não é de prejudicar os filhos de propósito, pelo contrário: mas a pobreza, a ignorância e a falta de cuidados e de serviços leva até esta situação. A maioria das famílias, na realidade, não têm noção ou subestimam os efeitos colaterais da droga, efeitos que vão desde problemas de estômago, dores de cabeça, apatia até dores de abstinência.

Zarbadshah Jabarkhail, do Departamento Médico das Nações Unidas:

Não entendem que, ao dar a droga para os seus filhos, matam-nos lentamente.

Nas cidades está a tornar-se um fenómeno perigosamente difundido aquele das criança que mendigam e que recebem a droga não apenas das mães, mas que são “alugadas” a organizações criminosas: estas entregam as crianças a mulheres que mendigam e que não têm filhos, de forma a tirar o maior proveito do dia passado na estrada. Estas organizações administram ópio e até o Presidente do País, Hamid Karzai, lançou um apelo para acabar esta prática que, entre as outras coisas, viola os ensinos do Islão e os direitos humanos fundamentais.

Mas qual credibilidade pode ter um Presidente cujo irmão era um dos maiores traficantes de ópio do País (e regularmente pago pela CIA também, tal como o Ministro contra a Droga)?

A seguir, um curto vídeo sobre a questão do ópio no Afeganistão:



No seguinte link (do Youtube), o vídeo realizado pela reporter Ramira Naval, em língua inglesa: Afghanistan’s Child Drug Addicts

Ipse dixit.

Fontes: AntiMedia, Osservatorio Iraq, Il Sole 24 Ore.

3 Replies to “Afeganistão: ópio e crianças”

  1. Excelente trabalho de informação, deixa muito que pensar, para alem das enormes questões filosóficas, sobre as nossas as vezes estúpidas lamentações e aborrecimentos este artigo é esmagador, compreendo a ausência de comentários é uma artigo sobre uma verdade avassaladora (…) Vem-me também á memoria as alegações de Michael C. Ruppert sobre o trafico de droga e a conexão (conivente) de instituições americanas como a CIA aqui parece estar uma peça do puzzle.Regra geral este planeta é um sitio ruim para se viver, e eu, e nós uns privilegiados.

  2. Esse post aparece no meio de dois sobre educação e acho que tem uma ligação muito grande entre eles. A disseminação das substancias que ingeridas nos levam a ficar mais calmos, lentos, adormecidos, me parece fazer parte do currículo oculto da educação. Já repararam que nos ambientes onde a escolarização é mais escassa seja pelos motivos que seja, a disseminação das drogas de baixa qualidade prolifera? Drogaditos todos e todas devem ficar, mais adaptados ao uso e descarte portanto. Quem escapa da escolarização, não escapa das drogas na rua, ou então não escapa da ressocialização nas prisões, mas todos e todas esses e essas descartáveis participam do amplo e global programa de educação dos pobres .

Obrigado por participar na discussão!

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