O Califa

O Califa antes

Mas afinal, quem é este Califa, terror de granes e pequeninos?

É engraçado: sabemos bem pouco acerca destes indivíduo: e o que pensamos saber pode estar errado.

O nome é Abu Bakr al-Baghdadi (أبو دعاء), mas nem este é o nome dele: nasceu Ibrāhīm’Awwād Ibrāhīm ‘Ali al-Badri al-Sāmarrā’ī. Para os amigos: o Califa.

Uma espécie de biografia

De acordo com a sua biografia, publicada em 2013 por uma organização de militantes,o Califa tem um doutoramento em Estudos Islâmicos conseguido na Universidade de Ciências Islâmicas de Bagdade. Mas isso é falso:eventualmente o Califa estudou Direito.

Segundo algumas fontes, era um imam na altura da segunda invasão americana do Iraque, em 2003. Pouco depois, o Califa entrou nas fileira de Al-Qaeda no Iraque, quando esta se encontrava gerida por Abu Musab al-Zarqawi. Logo torna-se emir de Rawa, uma cidade de 20 mil almas no Iraque, onde preside os tribunais religiosos: é acusação, juiz e manda os condenados a serem ajustiçados publicamente. Um bom sistema judiciário, sem dúvida: rápido e económico

Mas a carreira judiciária dura pouco: de acordo com o Departamento da Defesa dos Estados Unidos, o Califa é detido na prisão militar americana de Camp Bucca no início de Fevereiro de 2004 até Dezembro de 2004. No final do ano é libertado, sendo um elemento sem muita importância.

O Califa, pelo contrário, fica bem satisfeito: no dia 16 de Maio de 2010, o Conselho Consultivo do Estado Islâmico do Iraque anuncia a sua nomeação qual chefe do Estado Islâmico, em substituição de Omar Abu al-Baghdadi que tem um problema de saúde (excesso de balas de chumbo no corpo). Ainda não é Isis, é Estado Islâmico do Iraque. Em Outubro de 2011, o Califa é um dos três terroristas mais procurados pelo governo dos EUA, que ofereceu para a sua captura 10 milhões de Dólares. É a segunda recompensa mais elevada, após aquela de Ayman al-Zawahiri (25 milhões de Dólares). Depois, com a criação do Isis, Abu Bakr al-Baghdadi torna-se Califa.

Esta a narrativa mais ou menos oficial. Mas algo não bate certo. Em primeiro lugar: como é que um insignificante e desconhecido imam duma pequena vila do interior do Iraque, sem nenhuma “credencial” ou um curriculum, pode tornar-se Califa? Tornar-se abusivamente, que fique claro: do ponto de vista do Islamismo, Abu Bakr al-Baghdadi não é e nunca será um Califa, por precisas motivações religiosas.

As teorias

Há um par de teorias que estão na moda. A primeira é que o pretenso Califa é o produto “involuntário” do sistema de detenção adoptado pelos norte-americanos. O Califa teria concebido e criado o monstro Isis sob o nariz dos seus carcereiros.

A tese é sugestiva, mas não convence. Na verdade, de Al-Baghdadi sabemos pouco ou nada e até a sua ex-esposa (libertada no Líbano depois duma troca de prisioneiros com a Frente Nusra) diz que aquele não é o ex-marido dela. Na verdade, nem sabemos ao certo se antes do Isis o Califa era mesmo o imam da pequena mesquita na província iraquiana. Outras vozes afirmam que fosse um empregado de categoria inferior, talvez um ladrão nos subúrbios. Um seu ex-colega na Universidade define o Califa como “pessoa insignificante”.

Este perfil coincide com a descrição efectuada no campo de detenção norte-americano de Camp Bucca, em 2004. De acordo com os registos do Pentágono, o Califa era “prisioneiro de baixo nível”, nada de particular, apenas um entre os milhares. Na altura, nos campos de detenção (Bucca, Addler, etc.) estacionavam cidadãos comuns, pequenos criminosos e activistas islâmicos. Al-Baghdadi não pertencia a esta última categoria: simplesmente, não era ninguém.

Batman? Não, o Califa hoje.

Outra teoria afirma que o Califa é na realidade um agente do Mossad israelita, cujo nome seria Simon Elliot. Teoria simpática, alegadamente baseada nos documentos de Edward Snowden. Pena que o mesmo advogado de Snowden tenha desmentido a história toda.

De acordo com o New York Times, que se baseia nas declarações do ex-agente da CIA Bruce Riedel e do General Kevin Bergner, existiu no recente passado do Estado islâmico tal Abd Allah Rashid al-Baghdadi, portanto com nome semelhante ao actual Califa, mas teria sido apenas uma cobertura para proteger um verdadeiro líder

Por fim temos os relacionamentos entre o senador John McCain e o Califa. Na internet circulam imagens dum encontro entre o senador e alguns representantes anti-Assad: numa das fotografias aparece o Califa também (nota: este blog já publicou a imagem e há dúvida acerca da identificação do Califa. O jornalista Thierry Meyssan confirma a presença deste último, visível também num vídeo gravado na ocasião).

Sarah Burris de Blue Nation Review revela como já em 2013 McCain tinha afirmado a intenção de armar o Isis e pode ser encontrada online a entrevistas da televisão FoxNews (e CNN) nas quais o senador  McCain revela o apoio aos grupos rebeldes anti-Assad da Síria.

Além das teorias

Há algo que os Americanos não gostam de lembrar. Esquecemos por enquanto estas como outras teorias. O facto é que foi Washington que formou boa parte das milícias sunitas que hoje são parte do Isis. E não “à escondida”, como parte dum plano segredo da CIA: nada de conspiração aqui, simplesmente factos. 

Durante a segunda ocupação do Iraque, os EUA sentiram a necessidade de organizar milícias sunitas para contrariar a ascensão do poder xiita no País. Foram treinados centenas (talvez milhares) de ex-milicianos, militares e agentes secretos de Saddam Hussein. Nos locais de detenção foram recrutados jihadistas, mercenários e sunitas, todos em função anti-xiita. Uma vez libertados, estes combatentes entravam directamente nas fileiras de grupos de fogo e dos informantes ao serviço dos Americanos ou das empresas de segurança privada (os famigerados contractors).

Quando Washington começou a apoiar e organizar os grupos anti-Assad na Síria, criou-se uma situação explosiva: grupos jihadistas como Al Nusra forma misturados com desertores sírios, grupos da criminalidade local e sunitas treinados pelos mesmos americanos. Hoje, as tropas dos EUA combatem (sem muita convicção, diga-se) os mesmos guerrilheiros que eles mesmo treinaram.

Neste contexto, a figura do Califa perde toda a importância. Não é possível uma comparação com Osama Bin Laden: este era um inspirador, tinha contactos com a CIA e, com o dinheiro da família saudita, financiava a estrutura terrorista. O Califa não passa dum puppet, uma marioneta: o seu papel é insignificante, puramente simbólico. Provavelmente é o fruto dos planos ocidentais e sauditas para gerir o Isis: foi recrutado e doutrinado e isso bem pode explicar como um anónimo pregador de província de repente possa ter sido transformado numa espécie de génio islâmico.

Mas o principal inimigo do Ocidente continua a estar no interior do Ocidente, não do Isis.

Ipse dixit.

Fontes: no texto.

4 Replies to “O Califa”

  1. Me parece que os dados de curriculun que apresentas deste meliante corresponde exatamente ao necessário para "inventar" um marionete que responda pelo protagonismo de uma califa, ou chefe do momento para uma organização criminosa islâmica, gerida à distância pelos serviços militares e de segurança dos EUA. Precisa ser um indivíduo medíocre, incapaz de conduzir qualquer coisa ou qualquer causa, mas suficientemente insensível e cretino para acusar, julgar e matar sem piedade. Então o sujeito confere. Deve ter sido escolhido ao azar em meio a muitos, e "trabalhado" para desempenhar o papel com a convicção que só os medíocres são capazes de desempenhar quando alçados à representação de poder.

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