Poder e obediência – Parte I

Stanley Milgram foi um psicólogo que conduziu a experiência dos pequenos mundos (a fonte do
conceito dos seis graus de separação) e a Experiência de Milgram sobre a obediência à autoridade.

Esta última pretendia avaliar de que forma é que os indivíduos observados tendem a obedecer às autoridades, mesmo que estas contradigam o bom-senso individual.

Em 1964, Milgram recebeu por este trabalho o prémio anual em psicologia social da American Association for the Advancement of Science. Os resultados da experiência foram apresentados no artigo Behavioral study of obedience no Journal of abnormal and social psychology e, posteriormente, no seu livro Obedience to Authority: An Experimental View de 1974.

A experiência

Os participantes da pesquisa foram recrutados através dum anúncio num jornal local e através de convites enviados a endereços obtidos a partir da lista telefónica. A amostra era composta por pessoas entre 20 e 50 anos de idade, do sexo masculino, de várias camadas sociais. Foram informados que teriam participado, com recompensa, num experimento sobre os efeitos da memória e da aprendizagem.

Na fase inicial do estudo, o investigador, junto com um cúmplice, atribuiu os papéis de “estudante” e “professor” com um simples sorteio: que era falso, pois o objectivo era que o cúmplice ficasse sempre com o papel de “estudante” enquanto o participante com aquele de “professor”.

Os dois indivíduos foram então conduzidos nos quartos preparados para o experimento. O “professor” (o sujeito participante) foi colocado em frente dum painel que controlava um gerador de corrente eléctrica: nele havia 30 interruptores de alavanca, colocados em fila horizontal, sob cada uma dos quais estava escrita a tensão correspondente (de 15 V até 450 V).

Os 30 interruptores estavam divididos também em grupo de 4 com os seguintes rótulos:

  • choque leve (interruptores 1-4)
  • choque médio (5-8)
  • choque forte (9-12)
  • choque muito (13-16)
  • choque intenso (17-20)
  • choque muito intenso (21-24)
  • atenção: choque muito perigoso (25-28)
  • XXX (29-30)

Ao “professor” foi feito experimentar o choque do interruptor nº 2 (45 V, do grupo “choque leve) para que tomasse consciência de que não havia ficção.

As suas funções eram simples:

  1. ler as duplas de palavras, por exemplo: “caixa azul”, “dia claro”;
  2. repetir a segunda palavra acompanhada por quatro associações alternativas, por exemplo: “azul – carro, água, habitação, lâmpada”;
  3. decidir se a resposta dada pelo “estudante” estiver correta;
  4. perante uma resposta errada, infligir uma punição, aumentando a intensidade do choque por cada erros do “estudante”.

Este último foi amarrado a uma espécie de cadeira eléctrica e um eléctrodo foi-lhe aplicado no pulso, ligado ao painel da sala ao lado. Ele tinha que responder às perguntas e fingir uma reacção com apelos e gritos relacionada com o alegado choque eléctrico (que na verdade não recebia) até que, chegado aos choques mais fortes, parasse de gritar, fingindo estar inconsciente.

O investigador tinha a tarefa, durante o teste, de exortar o “professor” com frases do tipo “O experimento requer que você continue”, “É absolutamente essencial que você continue”, “Não tem escolha, tem de continuar”.

O grau de obediência foi medido pelo número do último interruptor premido por cada “professor”, antes que este decidisse autonomamente interromper a prova. Só no final do experimento, os participantes foram informados de que as vítimas não tinham sofrido qualquer tipo de choque. O que estava sob observação não era o “estudante” mas o comportamento do “professor”, o participante.

Os resultados

Contrariando as expectativas, apesar dos 40 participantes apresentarem sintomas de tensão e protestar
verbalmente, uma percentagem considerável deles obedeceu, continuando a subministrar choques de intensidade cada vez maior. Este incrível grau de obediência, o que levou os participantes a violar os seus princípios morais, foi explicado tendo como base dois factores:

  1. a obediência induzida por uma figura de reconhecida autoridade
  2. a autoridade que induziu um estado eteronómico

Neste estado, um sujeito já não se considera livre de realizar comportamentos autónomos mas vê-se como uma ferramenta para executar as ordens. Os participantes, portanto, não se sentiram moralmente responsáveis das suas acções, mas meros executores dum poder externo.

O estado eteronómico, por sua vez, é a combinação de três factores:

  1. percepção da legitimidade da autoridade (neste caso, o experimentador encarna a autoridade da ciência)
  2. a adesão ao sistema de autoridades (obediência é parte dos processos de socialização)
  3. pressões sociais (desobedecer ao pesquisador significaria questionar a qualidade ou quebrar o acordo feito com ele).

Graças à experiência, Milgram demonstrou que a obediência também depende da redefinição do significado da situação. Ou seja: cada situação é caracteriza-se por sua “ideologia” que define e explica o significado dos eventos que acontecem e fornece a perspectiva através da qual é obtida a coerência.

Neste caso, ninguém costuma ligar um sujeito a um gerador eléctrico para electrocuta-lo: mas se encarada como “experiência científica”, supervisionada por uma autoridade reconhecida, torna-se “coerente”, tal como “coerente” torna-se também o facto de fazer sofrer um sujeito. Algo que em condições normais seria recusado e encarado como simples violência.

A coexistência de normas sociais em conflito (por um lado as que recusam o uso da violência, do outro lado a educação à obediência, por exemplo) significa que o comportamento agressivo (carregar num interruptor que fornece um choque cada vez maior) é influenciado da percepção individual da situação, que determina quais as normas são relevantes naquele contexto.

Na experiência, a partir do momento em o participante aceita a definição da situação dada pela  autoridade, redefine a acção destrutiva não apenas como razoável mas até como necessária.

Os muitos estudos que foram posteriormente realizados para verificar o paradigma de Milgram (como os de David Rosenhan) confirmaram plenamente os resultados obtidos pelo estudioso.

Mas o que tem tudo isso a ver connosco?
Tem, e bastante, como veremos na segunda parte.

Ipse dixit.

Fonte: Wikipedia (versão italiana), State of Mind

6 Replies to “Poder e obediência – Parte I”

  1. Realmente é algo assustador como as pessoas obedecem à autoridade professoral, acadêmica, e tantas outras. O tal condicionamento é muito bem programado/incutido na mente das pessoas. Acreditam, sem questionar a autoridade, que o melhor é a obediência cega. É como se elas não tivessem nenhuma capacidade, e como tal devem apenas obedecer quem supostamente tem.

    Eu fiquei chocado quando assistir essa experiência, pelo FATO da grande maioria das pessoas entregarem seu PODER e RESPONSABILIDADE a outrem, há QUALQUER "salvador", seja físico ou espiritual.

    Ainda bem que teve algumas pessoas (minoria) que se recusaram a continuar com a tal "experiência de choque".

    Quem quiser assistir a tal experiência, segue o link:

    Abraços

    Anjjos

  2. Max, boa noite,

    Isso não estaria relacionado à cultura do indivíduo ? Me fez lembrar das dimensões de hofstede, onde cada cultura tem características mais ou menos acentuadas… Ou seja, numa cultura mais contestadora, os indivíduos não seriam menos suscetíveis ao poder da autoridade ?
    Parabens pelo post,

    Andre

  3. Filme interessante sob supostas experiências comportamentais/condicionamento : Das experiment (alemão legendado) ou a versão Hollywoodesca The experiment.(com dois actores com oscaro)

  4. A obediência é resultante de um condicionamento iniciado antes mesmo de bebermos o leitinho materno, e absorvido pelo nosso inconsciente. Condicionamento formado numa hierarquia verticalizada cujo valores, conceitos e princípios, ou seja, a ideologia imposta, são pensados e voltados para a perpetuação civilizatória dividida entre maiorias dominadas e minorias dominantes.

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