Ucrânia: as duas versões

Para explicar os protestos na Ucrânia temos duas
versões.

A primeira é aquela dos media.

O Povo, a Liberdade, os Justos

É uma versão simples, adapta para os nossos cérebros anestesiados, e reza assim: era uma vez na Ucrânia um líder malvado, que gostava de ver sofrer o povo.

Então, quando o povo pensou entrar no Reino da Felicidade (a União Europeia), o líder malvado ficou ainda mais malvado e começou a usar a força bruta contra as velhotas. O povo, coitado, resistia nas ruas.

Entretanto, a Liga dos Justos (os Países ocidentais) observava preocupada o desenrolar dos acontecimentos, obviamente sem intervir porque os Justos são assim: justos.
Mas sofriam, pois qualquer homem sofre vendo os heróicos esforços dum povo que anseia para a liberdade.

Nem falta uma inocente rapariga presa no castelo do malvado: Yulia Tymoshenko, cujo único desejo é ver as criancinhas correr livres num mundo melhor.

É uma versão bonita, que não descuida o lado romântico até.

Depois há a segunda versão.

Que é muito menos interessante e nem tem traços românticos.

A Alemanha, os nazistas, os interesses económicos

Nesta segunda versão, a recusa da Ucrânia a assinar o Acordo de Associação à União Europeia, os protestos e a posterior tentativa de derrubar o governo através de um voto de confiança, têm origem na grande batalha geopolítica que está a ser travada entre a Alemanha e a Rússia.

A Alemanha utiliza a UE para pressionar a Ucrânia e garantir assim que esta caia na esfera política e económica de Berlim. No entanto, o plano de expansão da Alemanha sofreu um revés no leste, na Cimeira de Vilnius: apenas dois Países, a Geórgia e a Moldávia, assinaram acordos de associação à União, enquanto Bielorrússia e Arménia preferiram aderir à União Aduaneira com a Rússia.

Moscovo tinha exercitado pressão sobre Kiev, incluindo sanções comerciais e outras ameaças, para afastar a Ucrânia da corrida oriental de Berlim. No entanto, a Alemanha prosseguiu os seus esforços para remover a Ucrânia da esfera russa e os meios de comunicação alemães hoje falam da “batalha para a Ucrânia” e de “nova cortina de ferro” para ganhar o leste.

A UE alertou que a Ucrânia sofrerá um bloqueio financeiro se continuar a recusar assinar. O chefe das relações exteriores da UE, o fantoche de Berlim Catherine Ashton, ataca a Ucrânia para esta não “ser um parceiro previsível e confiável para os mercados internacionais”. O FMI já suspendeu o crédito de 15 biliões de Dólares concedido em 2011, porque a Ucrânia recusou parar de subsidiar as contas do gás das famílias.

O tratado também permitiria que os monopólios europeus ocupem os importante mercado energético da Ucrânia. As empresas alemãs já fornecem o País com os gasodutos que atravessam a Polónia, a Hungria e, no próximo ano, a Eslováquia, quebrando a dependência da Ucrânia do gás russo.

O grupo para a política externa alemã, o Conselho Alemão das Relações Exteriores (DGAP), afirma abertamente que os acordos de associação devem ser executados sob supervisão e apela a “medidas de ajustamento social rigorosas e muito dolorosas”. Entender o que isso signifique não é difícil: é só olhar para Grécia, Portugal e Chipre.

No longo prazo, a DGAP também prevê a integração da Rússia nos tratados corporativos da UE, sob a hegemonia de Berlim, abrindo novos horizontes para a economia alemã. Assim, a recusa da Ucrânia em assinar o Acordo de Associação à UE estraga os planos imperialistas de Berlim. Isso explicaria a narrativa dos media ocidentais sobre os protestos na Ucrânia como parte da aliança “pró-europa”.

Mas agora vamos ver: quem são esses activistas “pró- democracia” que não conseguem derrubar o governo constituído pelo presidente do Partido das Regiões, Viktor Yanukovich, e apoiado pelo Partido Comunista da Ucrânia?

É uma aliança profana entre conservadores, fascistas e revanchista, que promove o culto de Stepan Bandera, antigo dirigente da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, a mesma que uniu as forças com os nazistas durante a invasão da União Soviética em Junho de 1941.

Ao longo dos últimos 20 anos, muitos monumentos de Bandera foram erigidos, em particular no oeste da Ucrânia, incluindo uma estátua na cidade de Lvov, que abriga um dos maiores pogroms anti-semitas.

Após a Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, o partido Our Ukraine (Nossa Ucrânia) de Viktor Yushchenko declarou oficialmente Bandera e Roman Shukhevych (seu camarada nazista) “heróis da Ucrânia”.

Outro partido pró-democracia é o partido Svoboda (Liberdade ), liderado por Oleh Tiahnybok, o mesmo indivíduo que fez um discurso sobre o túmulo de outro ucraniano nazista, protestando contra a “máfia judaica de Moscovo”. Svoboda adere à Aliança Europeia dos Movimentos Nacionais (AENM) de extrema Direita, o mesmo que inclui a francesa Front National francesa, o British National Party, Forza Nuova na Itália.

Svoboda encontra as suas raízes directamente na tradição dos colaboradores nazistas que realizaram numerosos massacres na União Soviética ocupada: mas, esquisito, Berlim mantém o silêncio sobre isso.

O partido pró-alemão Batkivshyna (Pátria), da “mártir” Yulia Tymoshenko (na prisão por fraude e desfalque), entrou numa aliança eleitoral com Svoboda, na última eleição. Isto permitiu que Svoboda conseguisse 10,4 % por cento dos votos, ganhando 37 deputados no parlamento.

Para completar esta aliança anti-russa, eis o partido do Udar (Murro) de Vitaly Klitschko, o campeão mundial de pesos pesados ​​de boxe e herói nacional, que se apresentou nas eleições presidenciais de 2015. E que mora na Alemanha.
O partido União Democrata Cristã da Alemanha admite abertamente que a Fundação Konrad Adenauer designou Klitschko para a tarefa de criar um partido de Direita, na Ucrânia, com o fim de ter uma maioria pró-UE em Kiev.

A razão? Durante um evento da fundação em Bruxelas, Elmar Brok (da CDU alemã) disse claramente que Berlim tem um grande interesse na Ucrânia. Afinal “é um país com grandes possibilidades económicas”, com ” uma população bem-instruída” e ” bons pré-requisitos agrícolas”.

Ergo: um alvo perfeito.

E mais.

É tudo? Não, não é tudo.
Seria limitativo ver nas manifestações apenas a mão ocidental.

Como acontece em todas as revoltas, é provável que os movimentos de praça consigam reunir pessoas ao serviço do estrangeiro com genuínas expressões de liberdade.

Na Ucrânia existe a vontade de sair dum regime que de democrático tem pouco para obter mais direitos e uma maior participação na vida política do País. Entre os manifestantes não há apenas elementos de Direita, mas também cidadãos comuns, muitos jovens, reformados.

O problema é que, mais uma vez, estamos perante duma revolução “guiada”: a Ucrânia arrisca sair duma regime quase-democrata para entrar na ditadura de Bruxelas.  

Ipse dixit.

Fontes: Morning Star, Contropiano

One Reply to “Ucrânia: as duas versões”

  1. O velho e imprescindível maniqueísmo/dualismo, onde as populações tem duas únicas opções. Depender economicamente dos sionistas anglo-saxões ou dos sionistas russos…

Obrigado por participar na discussão!

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