A Copa do Mundo 2022 e o drama do Qatar

Faltam ainda 9 anos antes que a Copa do Mundo de futebol seja realizada no Qatar, mas as preocupações não faltam.

Por exemplo: o Qatar é um País com um clima árido, em parte desértico, e temperaturas que no Verão podem atingir os 50ºC (record: 50.4ºC registado em 2010). O que pode não ser o ideal para um jogo de futebol.

Diz Sepp Blatter, Presidente da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado):

O mundo árabe merece a Copa do Mundo. Têm 22 Países e nunca tiveram a oportunidade de organizar o torneio.

Justo. O pior será quando Blatter se aperceber que nem a Antártida teve oportunidades até agora.

Mas enquanto a FIFA fica preocupada com os extremos climatéricos, há pessoas que olham para outros problemas. Pormenores, tais como violações dos direitos humanos, condições de trabalho que mais parecem uma moderna escravidão, tudo em nome do futebol e dos interesses implicados.
Como afirmado: pormenores.

Os escravos

São do Nepal, da Índia e de outros Países do Sudeste Asiático os trabalhadores que se instalam no Qatar para construir as infra-estruturas que serão utilizadas para receber a Copa do Mundo de 2022.

Trabalham 10 horas por dia e ganham menos de 200 Dólares por mês. Quando são pagos, pois segundo a investigação do diário The Guardian, entre as violações há também o não pagamento dos salários e a retirada do passaporte. São forçados a trabalhar com temperaturas acima dos 40ºC graus, e muitos se queixam de não ter acesso a água potável.

O Qatar tem uma população total de 2.035.106 habitantes, dos quais cerca de 20% são nepaleses. Os cidadãos do Qatar são cerca de 300 mil, quase metade dos cidadãos indianos que vivem no País. Mais de 90% da força de trabalho é estrangeira, e na próxima década o emirado está pronto para receber mais de um milhão de trabalhadores estrangeiros para a construção das infra-estruturas da Copa do Mundo.

De acordo com os dados da Embaixada do Nepal em Doha, seriam 44 os nepaleses mortos no Qatar entre o dia 4 de Junho e o 8 de Agosto deste ano, dos quais mais de metade por causa dum ataque cardíaco ou dum acidente de trabalho.

No dia da publicação destes dados, o embaixador do Nepal em Doha, Maya Kumari Sharma, foi chamado de regresso ao Nepal, isso porque o comportamento dele “não seguiu o decoro diplomático”, como afirma perante a Agência France-Presse (AFP) o Ministro das Comunicações do Nepal, Madhav Paudel. No dia seguinte, a Embaixada da Índia em Doha disse que quase todos os dias, em Agosto, um cidadão indiano morreu.

A distração de Al Jazeera

Os meios de comunicação ao redor do mundo têm relatado a investigação do The Guardian. Todos, excepto um: Al Jazeera . Os jornalistas de Al Jazeera denunciaram as violações dos direitos dos trabalhadores nos mais remotos cantos do planeta, mas têm dificuldades em ver as centenas de milhares de trabalhadores que todos os dias operam nos pátios de Doah, debaixo dum calor abrasador.

Será que o facto de Al Jazeera ter sede no Qatar pode explicar esta falha? Pode ser.
Será que o facto do director geral de Al Jazeera, Hamad bin Thamer bin Mohammed bin Thani Al-Thani (Hamad bin Thamer Al Thani para os amigos), pertencer à família real do Qatar pode ter alguma influência? Talvez. 

Seja como for, a investigação do The Guardian não foi relatada até hoje pela emissora.

Mas as notícias circulam e, apesar do The Guardian não ser distribuído no pequeno Pais, no dia de Domingo, 29 de Setembro, o jornal de Doha The Peninsula abriu com o seguinte título: Citizens angry at reports on workers’ plight (“Cidadãos com raiva por causa dos relatórios sobre a situação dos trabalhadores”) e em várias redes sociais muitos manifestaram indignação contra o diário britânico.

Comentários no Twitter:

“Esta é uma clara guerra mediática contra Qatar 2022 […] Pelo menos nós não temos pessoas sem abrigo, sem trabalho e sem lugar para viver”.
“Devem estar ainda em estado de choque em ver que um país árabe vai receber a Copa do Mundo, que se goste ou não”.
“Estou enjoado com a investigação do The Guardian. Publicá-la uma semana antes do que a FIFA se reúna não é uma coincidência”.

Na verdade, alguns aspectos da investigação do Guardian eram factos que organizações não-governamentais como Amnisty International e Human Rights Watch já tinham amplamente divulgado.

O verdadeiro problema

Seja como for, a questão é delicada.
Não aquela dos trabalhadores, mas a questão do clima e das datas.

Inicialmente, Michel Platini, o simpático presidente da UEFA, tinha-se declarado
contrário a uma Copa do Mundo realizada no Inverno, pois em Novembro há a Liga dos Campeões e em Janeiro os Jogos Olímpicos Invernais no Japão.

Pormenores? Nada disso: os fãs seriam inevitavelmente forçados a concentrar-se em mais eventos simultâneos. Menos fãs significa menos turistas, ou seja: menos negócios. E a FIFA não é um ente de caridade. Adiar as Olimpíadas de Inverno parece impensável,
mas para a Liga dos Campeões haveria também custos e repercussões em todo o mundo.

Este é o autêntico drama do Qatar.

Ipse dixit. 

Fontes: The Guardian, Limes, Wikipedia (versão inglesa)

5 Replies to “A Copa do Mundo 2022 e o drama do Qatar”

  1. Drama é a pressão que os investidores da FIFA estão a fazer na sociedade brasileira com conivência explícita do governo federal. Jérôme Valcke, muito simpático, chegou a sugerir uma ditadura.

  2. muito bem. acrescentaria só que na maioria estas "monarquias" são as maiores empregadoras de experts/conselheiros/controladores ingleses-americanos e nada se faz sem o beneplacito dos media "livres" do costume -lembram-se como no Barhein já "morreu" a contestação.E ou me engano muito ou ainda vamos assistir a mudança estrategica das datas normais do evento. dinheiro oblige. E lembram-se quanto ganham os explorados -incendo Bangladesh- trabalhadores nas fabricas que trabalham para as marcas Benethom/Primark. nos paises deles(15 centimos/h) o que dá cerca d 60 euros = 1/3 do que os exploradores Qatar lhes pagam.

  3. Olá Max: já destes uma pesquisada nos números das migrações forçadas nos últimos anos!? Ainda não? Então tira um tempinho para esta investigação! Qdo. falo em migração forçada refiro-me às famílias que abandonam seus lugares por motivo de guerra, escassez alimentícia, seca prolongada, desemprego, perseguição política/religiosa, catástrofes naturais. Esses milhões são a última palavra em matéria de recursos humanos para a escravidão globalizada. E não se iludam, colegas leitores de ii, a classe média, a qual pertencemos, exulta com a chegada dos "neo escravos"!! Aqui mesmo, no lugarzito onde vivo, os "neo escravos" são haitianos, jovens negros que falam 3 idiomas corretamente, tem ensino superior muito mais qualificado que os brasileiros, e estão a carregar bombas de água mineral para caminhões de distribuição nacional, a partir desse paraíso das águas termo-minerais, durante o dia e a noite, sem hora para começar ou terminar, sem feriados…, mas tudo dentro da lei, porque assinam os documentos necessários para garantirem um salário mínimo mensal e se submetem à escravidão pára enviar dinheiro para a família que ficou no país de origem.Como no Brasil, o assalariado brasileiro anda cheio de "regalias",distribuidas pelo "Estado Lula-Dilma", os empresários sempre encontram novos tipos de contingentes de escravos. Abraços

  4. Estive recentemente no Qatar e pude comprovar a triste realidade dos trabalhores da construção civil. Trabalham dia e noite em temperaturas altissimas e todos tem cara de pessoas que passam fome.
    No aeroporto de Doha flagrei durante a chegada pelo menos 100 pessoas vindas de algum pais asiaticos todos com aparencia de desnutrição, como roupas, sapatos e malas surradas.
    Eu nunca me senti tão mal na vida por ver pessoas naquela situação.
    Os agentes da imigração os tratam como bichos e eu e meu namorados e meia duzia de ocidentais olahava aquilo incredulos.
    Passei pela imigração sem problemas e fui para um hotel de luxo onde pelos menos os funcionarios, também asiaticos pareciam ter uma vida melhor.
    O pais é lindo mas é construido com mãos semi-escravas!

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