Dívida, spread, austeridade

Um recente trabalho de Paul De Grauwe mostra como a austeridade nos Países PIGS (os falidos ou quase-falidos da Zona NEuro) é imposta com base no medo do spread, dos “sentimentos” dos mercados e não tendo em conta dados objectivos.

Paul Krugman compara a austeridade fiscal aos tratamentos da Idade Média, nos quais o médico retirava o sangue dos pacientes. Paul De Grauwe e Ji Yuemei (neste artigo em inglês) utilizam termos mais diplomáticos, mas as conclusões são as mesmas: é um flagrante fracasso político-económico.
E, além disso, injustificado.

De acordo com os dois economistas, os governos optaram por seguir o “sentimento” dos mercados em vez de racionalidade. O resultado foi a imposição duma austeridade pesada, sem que isso significasse melhorias nas taxas de juros sobre os Títulos de Estado dos Países em sofrimento. Pode custar ler isso, mas a verdade é que em Portugal, por exemplo, o spread desceu não por causa das medidas do governo mas por causa duma bem precisa intervenção do Banco Central Europeu.

Os dados

Há uma ideia segundo a qual os mercados utilizam dados reais e objectivos (como a saúde das finanças públicas) para estabelecer o spread. Os investidores, neste sentido, querem mais juros se um País tiver umas Finanças em sofrimento (com uma elevada Dívida Pública), enquanto baixam as pretensões (menos juros) quando a situação melhorar.
Assim não é:

O gráfico mostra que as alterações do spread são em grande parte não correlacionadas com as mudanças do parâmetro teoricamente mais importante: a Dívida Pública.

Mais: o que acontece quando Mario Draghi (o chefe do Banco Central Europeu) falar em defesa dos Países em dificuldades, prometendo medidas de protecção (o discurso do whatever it takes do Julho do ano passado)?
Acontece isso:

Ao contrário do anterior, este gráfico mostra uma forte correlação entre o spread antes do discurso de Draghi e depois: os Países que mais se tinham visto crescer os juros da Dívida Pública são aqueles que mais registaram uma consistente descida.

Do ponto de vista meramente teórico e racional, isso tem pouco sentido: um investidor deveria procurar Títulos de Estado seguros, que ofereçam a certeza dum lucro. E um Banco Central que anuncia medidas a protecção dos Países em dificuldades oferece esta certeza. Mas o resultado vai no sentido oposto: os investidores abandonam os Títulos daqueles Países.

A verdade é que os mercados apostam “contra” alguns Países e quando a oportunidade de apostar ficar reduzida, o jogo perde a graça.

Dito isso, sobra uma pergunta (retórica): mas quanto incide o spread sobre as medidas de austeridade tomadas pelos governos nacionais?

O spread é a causa política da austeridade. Este aspecto é fundamental, porque demonstra como a Dívida em si tenha uma importância relativa nas políticas escolhidas. E reforça a ideia segundo a qual a Dívida Pública não é um problema real, mas algo utilizado para justificar determinadas escolhas.

Temos portanto um panorama no qual as classes políticas têm tomado graves decisões para que escolhas impopulares fossem adoptadas, independentemente dos factores que realmente determinavam o andamento do mercado dos Títulos.

Isso caso ainda existissem dúvidas.

Ipse dixit.

Fontes: Keynesblog, Vincesko, Ceps 

4 Replies to “Dívida, spread, austeridade”

  1. Olá Max: claro que não resta dúvidas, mas ainda assim causa consternação ir adquirindo mais clareza sobre como somos pecinhas descartáveis num jogo de xadrez, com o qual meio milhar de poderosos se divertem.Ainda bem que existe o primeiro post para lembrar que as pecinhas podem se construir como não descartáveis, podem exercer o seu direito de serem gente, e gente feliz, desde que se percebam vivas. Abraços

  2. A análise dos dados muita das vezes mostra uma realidade completamente oposta daquilo que nos é vendido todos os dias Este é um exemplo disso mesmo.

    É claro, depois de ver estes 3 gráficos e a sua correlação com os spreads aplicados à divida publica, que o que está em causa, em particular nos países intervencionados pela Troika, são questões meramente politicas e financeiras especulativas; e nada técnicas.

    Toda esta parafernália de medidas avulso, que surgem numa diarreia legislativa, não têm como objectivo resolver os problemas do país e correspondente endividamento publico, mas sim servir um conjunto de interesses instalados e que controlam toda a economia. Não sendo nada de novo, é sempre importante realçar.
    Tudo isto suportado por uma população completamente indiferente aos temas tabus, finanças, economia e politica. É sempre bom relembrar o texto de Brecht ' O analfabeto politico'

    abraço
    Krowler

  3. Espiral Recessiva: o aumento de impostos para pagar a Dívida Pública… provoca uma diminuição do consumo… o que provoca um abrandamento do crescimento económico… o que, por sua vez, conduz a uma diminuição da receita fiscal!
    Por outras palavras: pedir dinheiro emprestado é um assunto demasiado sério para ser deixado aos políticos!!!
    .
    Será necessário uma campanha para MOTIVAR os contribuintes a participar… leia-se, votar em políticos, sim, mas… não lhes passar um 'cheque em branco'!!!
    .
    Leia-se: para além do «Direito ao Veto de quem paga» (blog «fim-da-cidadania-infantil»)…. é urgente uma nova alínea na Constituição: o Estado só poderá pedir dinheiro emprestado nos mercados… mediante uma autorização expressa do contribuinte – obtida através da realização de um REFERENDO.

  4. Max, tudo são números, percentuais, de qualquer modo relativíssimos. Para quem gosta de economês, ou economia deve ser um prato cheio. Mas, o mais importante creio, seja respirar o nosso alento, coisa que ainda não tem preço.

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