O sucesso: armas, doenças & aço – Parte II

Segunda e última parte do artigo dedicado às causas que tornaram  Europa uma potência colonizadora, segundo a obra de Jared Diamond: “Armas, germes e aço”.

Como vimos, ter à disposição animais de grande porte facilmente domesticáveis é um passo importante; mas não o único. Outro aspecto, ainda mais importante, é o desenvolvimento do conceito de poder e de governação. O simples desejo de dominar, se não suportado pela tecnologia e por um exercício de poder idoneos, não é suficiente para tornar um País colonizador.

Um factor essencial é, como é lógico, a descoberta da agricultura e a passagem dum estado nómada para um de tipo sedentário. Até aqui nada de novo, é simples entender que sem agricultura qualquer desenvolvimento fica castrado.

Mais: a estrutura da sociedade fica condicionada sem esta passagem: numa tribo de caçadores ou de colectores não há espaço para uma grande estratificação: poucas podem ser as pessoas que podem dedicar-se  outras questões que não sejam a caça ou a recolha de alimentos. Como consequência, temos uma sociedade tendencialmente igualitária,com poucas ou até nenhuma chefia: não há classes e o estilo de vida é igual para todos.

Porquê? Porque não poder haver acumulação. O que é recolhido tem que ser consumido depressa, no prazo de poucos dias. Não há surplus., portanto não há indivíduos que possam deter mais bens essenciais do que os outros.

Numa sociedade agrícola, sedentária por necessidades (é preciso trabalhar os campos), é possível construir lugares para a conservação dos alimentos e de outros bens em excesso. Aqui nasce o surplus, a diferenciação entre as pessoas.

A sociedade tal como hoje é conhecida (a nossa sociedade) nasce nesta altura, com a possibilidade de guardar a superprodução: é neste tipo de sociedade que alguns elementos podem não estar envolvidos directamente no processo de produção.

É nesta altura que nasce o governo: há mais tempo disponível, há a necessidade e agora também a possibilidade de conservar a sociedade, de regulamenta-la, com pessoas encarregadas de fazer respeitar as leis e de defender a comunidade (com os guerreiros de profissão).

Nasce também o conceito de riqueza: ter mais reservas de comida, por exemplo, significa ser mais rico. E ser mais rico significa originar novas necessidades, o que favorece o comercio ma também a desigualdade no interior da comunidade. Cedo não apenas a comida será guardada mas outros e novos tipos de riqueza, cada vez mais exclusivos. Aqui aparecem as classes ou as castas. Aqui aparece o desejo de expandir as próprias posses, para que seja possível ter mais terras e mais riqueza.

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No livro de Diamond aparece um exemplo histórico, aquele do povo Maori.
Perto do ano 1000 da nossa era, um grupo de agricultores Maori colonizou a Nova Zelândia. Após pouco tempo, parte deles retomou o mar e foi colonizar as ilhas Chatham, 800 quilómetros de distância, e começaram um desenvolvimento diferente.

O grupo da Nova Zelândia originou uma sociedade complexa, baseada na agricultura intensiva que permitiu o nascimento da casta dos guerreiros.
O grupo das Ilhas Chatham, pelo contrário, encontrou um ambiente rico em peixe e fruta: tornou-se assim uma sociedade mais simples, feita de caçadores e colectores, uma sociedade simples, igualitária, pacífica e sem formas de governo complexas.

Com o passar do tempo, os dois grupos esqueceram a existência reciproca, até que um dia chegaram os guerreiros do grupo da Nova Zelandia, os quais tinham ouvido falar dumas ilhas particularmente rica em recursos naturais. Obviamente, os habitantes das Ilhas Chatham foram todos exterminados, sem que ninguém entre os caçadores-colectores fosse capaz de opor uma resistência significativa: e isso apesar dos guerreiros da Nova Zelândia serem numericamente inferiores.

Em princípio eram todos Maori, mas o desenvolvimento ditado pelas diferentes condições ambientais determinou uma fundamental diferencia cultural.

Moral: sempre desconfiar dum Maori armado.
Segunda moral: a nossa é uma sociedade muito mais complexa daquela dos Maori da Nova Zelândia, e isso alguma coisa significará.

Conhecer a formação da nossa sociedade, a maneira como o nascimento das profundas diferências implicou as tendências expansionistas e uma cada vez maior necessidade de obter novos recursos, pode ser útil para quem deseje interrogar-se acerca da essencia da nossa sociedade.
Pelos menos, acho.

Ipse dixit.

Primeira parte: O sucesso: armas, doenças & aço – Parte I

Fontes: Tra Cielo e Terra

Livro: “Armas, germes e aço”, Autor: Jared Diamond
Portugal – Editora Relógio d’Agua, ISBN 9789727086955
Brasil – Editora: Record, ISBN 9788501056000

5 Replies to “O sucesso: armas, doenças & aço – Parte II”

  1. — OT —

    Krowler, vi o Facebook mas ninguém entre os utentes têm o nome de "Krowler". (nota: pois, não estou muito familiarizado com o tal Facebook!)

    Podes contactar-me de outra forma ou sugerir outro contacto?

    Obrigado!

  2. Olá Max: uma coisa me parece certa, a de que o acontecido no ocidente a partir do século XVI tem a ver com a invasão e conquista do vastíssimo mundo até então desconhecido, e sua destruição.Do apogeu e decadência da península ibérica, da revolução industrial,da globalização do império Vaticano e desenvolvimento dos seus opositores, de toda acumulação de riquezas deste território extorquidas, produzidas e transferidas para a Europa, como o sucesso de uma empreitada que tinha a mais farta e barata mão de obra…tudo, absolutamente tudo contribuiu para que uma sociedade européia, e também nativa oligárquica, se desenvolvesse certa que existe um tipo de gente nascido para mandar, usar e gastar, e outro nascido para ser mandado,usado e gasto no eito até na morte. Abraços

  3. Em tempos vi um documentário sobre a forma como se organizam pequenas comunidades.

    Este estudo foi feito dentro da comunidade Amish nos Estado Unidos.
    A observação concluiu que para o estilo de vida simples mas com regras muito rígidas dos Amish, a comunidade no máximo, suportava cerca de 170 elementos. A partir deste numero ela teria de se dividir em duas, sob pena de ter de mudar o seu estilo de organização.
    O ciclo repetia-se 'ad eternum'.

    Isto vai ao encontro do quadro que está no post

    abraço
    krowler

  4. Acho que provavelmente vi o mesmo documentário que o Krowler sobre a organização das comunidades Amish. Realmente vai ao encontro do quadro no post.

    "Conhecer a formação da nossa sociedade, a maneira como o nascimento das profundas diferências implicou as tendências expansionistas e uma cada vez maior necessidade de obter novos recursos, pode ser útil para quem deseje interrogar-se acerca da essencia da nossa sociedade.
    Pelos menos, acho."

    Pois, será que não andamos na filosofia de "crescer/aumentar/expandir" há mais tempo… e se a sociedade é composta por pessoas… então igualmente interessante será compreender a essência do ser humano.

    Abraço
    Rita M.

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