O sucesso: armas, doenças & aço – Parte I

O quê? Um artigo de História?
Tá bom, pessoal, não é o caso para ficar escandalizados, nem é o primeiro. Depois sim, é História, mas não só: há mais do que isso.
Vamos ver.

No dia 16 de Novembro de 1532, o conquistador espanhol Francisco Pizarro, com um grupo de 168 soldados, derrotou e massacrou 7.000 dos 80.000 guerreiros Incas presentes na cidade de Cajamarca, no actual Peru. Foi o fim da civilização Inca, um fim excepcionalmente rápido. Ainda hoje é um episódio emblemático: os Incas foram apenas um dos povos que os Europeus conseguiram submeter em todo o planeta.

A pergunta é: porque os Europeus? Porque, por exemplo, não foram os Incas a invadir a Europa? Porque não foram os nativos da América do Norte? Ou um povo qualquer da África, da Ásia, da Oceania?

É uma questão central, pois falamos de eventos que determinaram o mundo tal como é conhecido hoje.

Até os primeiros anos do século passado, era normal pensar que homem branco, aquele caucásico, fosse uma raça superior: tal visão explicava e justificava a hegemonia dos Estados europeus sobre o resto do mundo. Hoje esta teoria é ultrapassada, sabemos que os únicos homens brancos superiores são aqueles nascidos em Genova e que muitas vezes vivem no estrangeiro e abrem blogues em Português.

Por isso a pergunta faz ainda mais sentido: se não houve uma superioridade intelectual, porque foram os Europeus? Porque a supremacia tecnológica do brancos não pode ser razoavelmente posta em discussão.

Uma óptima tentativa de resposta é presente no livro do biólogo estadounidense Jared Diamons, Guns, Germs, and Steel (“Armas, germes e aço” em Portugal e no Brasil). Um livro que é um marco e que como tal mereceu um Prémio Pulizter, um Prémio Aventis (que não sei o que raio seja), um documentário da National Geographic Society e até o novo prémio de Informação Incorrecta, o “Mais Melhor Livro Muito Bom De Facto”.

O título já diz alguma coisa, mas não tudo. O autor não apenas lista as prováveis causas da tal supremacia, como também vai mais em profundidade: porque além das armas, das doenças e do metalurgia, há mais.

Em primeiro lugar há o facto da Europa ser a Europa. Goza duma posição geográfica particularmente vantajosa, ficando bem perto da África, do Médio Oriente e com uma grande costa à beira do oceano. Não é pouco.

Um habitante do Brasil, por exemplo, para visitar um outro continente, tem que apanhar um avião ou atravessar um oceano. Mas como na Antiguidade os voos eram escassos e muito caros, sobravam apenas os barcos e um imenso oceano atrás do qual ficava o desconhecido.

Isso não pode favorecer as trocas comerciais, por exemplo, essenciais para o desenvolvimento de técnicas diferenciadas.

A conformação do território é também determinante: na Europa há abundância de rios, de terras férteis e um pequeno e tranquilo mar aí perto (o Mediterrâneo) que desde sempre foi uma autêntica autoestrada para quem desejasse viajar. Até os primeiros homens chegaram no Velho Continente da África por via das reduzias dimensões deste mar (hipótese de atravessamento do Estreito de Gibraltar).

Só isso? O clima, uma boa terra e um mar pequeno?
Não. A obra de Diamons vai além disso.

Os animais, por exemplo.
Na Europa, desde sempre, houve animais de grande portes, mamíferos que puderam ser domesticados com facilidade.

Eis uma tabela cujos dados provêm do livro em questão:

Ter um animal de grande porte domesticado é uma grande vantagem: experimentem convencer um macaco a trabalhar a terra. Além disso, não podemos esquecer que, sempre no caso do Império Inca, os guerreiros ficaram aterrorizados com os cavalos, animais desconhecidos até então. E depois há o factor comida: as vacas, por exemplo, fornecem leite, manteiga e, obviamente, carne, enquanto os cavalos não fornecem leite nem manteiga, mas são simpáticos.

Mas a vantagem de viver perto de animais domesticados não pára aqui: os Europeus ficaram em contacto com os animais de grande porte ao longo de séculos e tiveram o tempo necessário para desenvolver anticorpos contra as doenças transmitidas. Sempre no caso da América do Sul, os conquistadores foram facilitados pelas epidemias que dizimaram os povos locais, desprovidos de anticorpos.

A obra de Diamond é profunda e sintetizar toda a pesquisa não é simples.
Na segunda parte serão encarados outros dos factores que concorreram para determinar a “supremacia” branca, entre os quais o fundamental capítulo “Porque na América do Sul não conseguem pôr os macacos a trabalhar a terra?”.
Ok, admito, esta foi inventada…

Ipse dixit.

Fontes: Tra Cielo e Terra

Livro: “Armas, germes e aço”, Autor: Jared Diamond
Portugal – Editora Relógio d’Agua, ISBN 9789727086955
Brasil – Editora: Record, ISBN 9788501056009

3 Replies to “O sucesso: armas, doenças & aço – Parte I”

  1. As causas materiais que favoreceram a “supremacia” européia sobre os outros povos podem de fato ser encontradas. Se não forem exatamente tais, podem ser outras, pouco importa, pois, em verdade, mesmo havendo superioridade tecnológica ou outra qualquer, não haveria domínio se não houvesse o desejo de dominar.
    A rigor, essa pesquisa de Diamons apenas repete o já há muito comprovado: o ser humano faz simplesmente porque pode e quer. Dito de outra forma: não pudesse ou não quisesse, não o faria.
    O Europeu dominou o mundo porque tinha meios para isso e queria, de fato, dominar, pouco importando o sofrimento de outros povos.
    Foi assim, é assim, será assim…
    Nada além da natureza humana, o que, aliás, dá aos povos dos outros continentes certa mal dissimulada satisfação com a Segunda Guerra Mundial.
    Lá em Sarta Corguinho, onde cresci, diriam: bem feito, tiveram o que fizeram por merecer.

  2. Boas Max
    Realmente a expansão europeia nem sempre é facil de justificar, mas temos de entender que não coube apenas aos europeus os grandes desenvolvimentos, a agricultura veio do Médio Oriente e a própria domesticação também (penso que o cavalo veio dos antigos persas, que lhes permitiu um avanço importante na altura). Referiste a boi, que sem duvida entra no top das mais importantes domesticações, o boi simboliza fertilidade e tudo mais, por alguma razão os egípcios consideravam-no um animal sagrado, os hindus ainda o consideram e foi exactamente num boi que Zeus se transformou para ter relações com a princesa Europa (depois aparece o minotauro mas isso é outra história).

    Temos que ver que a Europa até uma dada altura apenas recebeu influências de outros povos (agricultura, domesticação, fabrico de metais).
    Estas relações entre culturas e povos já existiam á muito tempo entre África/Europa/Ásia, basta ler a Bíblia e ver por onde andaram os judeus (Egipto e Babilónia), ou apenas comparar o Génesis com a história suméria do GilGamesh para ver as semelhanças.

    É claro que recentemente os europeus superiorizaram-se a vários niveis de outros povos, mas para mim se não fosse o conjunto de influências de outros continentes nunca tinhamos chegado a America nem a Austrália.
    E talvez seja esse factor que fez os portugueses e espanhois descobrirem meio mundo e não os Maias ou Aztecas.

    abraço e continua os excelentes posts

  3. Olá Max: se tivesse de resumir o porquê do domínio no sentido Europa para América, eu diria: tecnologia política de domínio e rapina, movida a primeira pela igreja católica, e a segunda pelos interesses econômicos mercantis e de acumulação capitalista primitiva.Do lado de cá as tecnologias políticas eram outras…até que tudo ficou igual, e os paraísos na terra sucumbiram, esmagados pelos maiores genocídios que a humanidade testemunhou: 20 milhões de índios em toda a América, 12 milhões de africanos na América do sul e Caribe.Somente em Potosi (a montanha de prata boliviana),8 milhões de vidas humanas foram desgastadas até a morte, e era rápido…apenas 4 anos no desgaste de cada vida. E nem foi Portugal e Espanha os grandes beneficiários,pois acabaram sendo meros intermediários, mas Inglaterra, Holanda, França, e o sempre presente na desgraça humana: o papado católico, apostólico romano.Abraçosibi

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