Economistas: opiniões à venda

Os economistas. Eles sabem.
Ou pelo menos tentam saber. E prever.

É possível fazer previsões acertadas o mundo da economia? Sim, com certeza: só que os resultados dependem da vontade do pesquisador. Sobretudo, depende do que desejamos prever.

Se os nossos rendimentos dependem de uma ou mais empresas envolvidas no grande Circo da Economia, pode ser que as nossas observações não sejam tão imparciais.

Afinal, se temos uma palavra influente, uma nossa previsão pode encaminhar os mercados na direcção que é a pretendida pelo nosso dono. O mercado é composto por empresas; atrás das empresas há homens; e os homens podem ser enganados.

Agora, imagine o Leitor que isso aconteça não com um mas com mais economistas de renome. Um quadro assustador, onde a economia é analisada, explicada, ensinada, difundida e prevista por pessoas que têm fortes interesses no mundo económico. Pessoas que podem ser pagas pelos bancos. Pessoas que sentam nas administrações de corporações.

É este o sentido dum óptimo artigo de Renaud Lambert publicado no Le Monde Diplomatique, e traduzido na versão brasileira também, cujo título é “Os economistas engajados”.

Vale a pena fazer copy-paste, pois este é um artigo que bem explica o quadro geral.
E vale a pena ler tudo, embora seja comprido: após isso, é provável que da próxima vez que o Leitor ouvir um “respeitado economista” falar, perguntará: “Mas quem é este gajo? Quais interesses defende?”.

(Nota: já faz isso? Leia na mesma para confirmar as suas opiniões!).

Boa leitura!

Os economistas engajados

Chama-se “efeito Drácula”: como o célebre vampiro dos Cárpatos, os
arranjos ilegítimos não podem resistir à exposição à luz do dia. A
controvérsia diz respeito ao conluio entre economistas e instituições
financeiras.

Muitos professores universitários convidados pelas mídias
para esclarecer o debate público, e também pesquisadores apontados como
conselheiros pelos governos, recebem, na verdade, algo dos bancos ou das
grandes empresas. Um especialista pode, “com toda a independência”,
exaltar a desregulamentação financeira quando ele ocupa simultaneamente
um cargo de administrador de um fundo de investimento?

Essas ligações perigosas, fontes de conflitos de interesses, não são
secretas. Mas seus beneficiários bem que evitam fazer publicidade a
respeito. Antes do cataclismo de 2008, cada um tirava seu proveito do
equívoco: os jornalistas exibiam seus especialistas considerados
neutros, que embolsavam os dividendos de sua onipresença sob a forma de
notoriedade crescente e de dinheiro no bolso. Mas, depois do colapso de
2008, os economistas e seus conhecidos estão na berlinda.

O efeito
Drácula deve-se então a essa forma intelectual de prevaricação? Bastaria
torná-la pública para vencê-la? Essa é a aposta da prestigiosa
Associação Norte-Americana de Economia (American Economic Association,
AEA).

Desde o começo deste ano, os artigos publicados nas revistas
científicas por membros da associação devem revelar os eventuais
conflitos implicando seus autores. Os economistas deverão assim
identificar e mencionar “as ‘partes interessadas’ que lhes
tenham pago uma remuneração financeira importante, quer dizer, um valor
total superior ou igual a US$ 10 mil, ao longo dos três últimos anos”
(comunicado do dia 5 de janeiro de 2012). A medida se aplicará também às
somas recebidas pelos “próximos”.

Encabeçando algumas das mais
influentes revistas da disciplina, a venerável AEA – perto de comemorar
seu 130º aniversário – não está mais sujeita a caprichos. Sua decisão
tocou os espíritos.
Depois do sucesso do documentário Inside Job, de Charles
Ferguson, a irritação se tornou palpável. Os emolumentos de alguns
conselheiros próximos ao presidente Barack Obama implicados na
liberalização do setor bancário tinham levantado questionamentos na
opinião pública.

Como Lawrence Summers, diretor do Conselho Econômico
Nacional (National Economic Council), remunerado em US$ 5,2 milhões,
entre 2008 e 2009, pelo fundo especulativo D. E. Shaw e em até US$ 135
mil por suas conferências, mais frequentemente organizadas por empresas
financeiras – sem contar seus freelances (generosos) no Financial Times.
A cólera cresceu também dentro da profissão.

Durante 2011, explica-nos
George DeMartino, da Universidade de Denver, “uma série de estudos
científicos demonstrou que os conflitos de interesses constituem mais a
regra do que a exceção”. Em 3 de janeiro de 2011, por iniciativa dos
professores Gerald Epstein e Jessica Carrick-Hagenbarth, uma carta
aberta soava o alarme, pedindo que a AEA reagisse. Ela foi assinada por
mais de trezentos economistas, entre eles George Akerlof, laureado com o
prêmio do Banco da Suécia em Ciências Econômicas em memória de Alfred
Nobel, e Christina Romer, antiga conselheira do presidente Obama. Doze
meses depois, eles foram ouvidos.

Mas o eco desse movimento ético tem dificuldades para atravessar o Atlântico. No Le Monde
do dia 1º de fevereiro, o economista Olivier Pastré esbravejou contra
os projetos de saída da moeda única europeia. Ele se fixou uma missão:
“explicar aos franceses mais frágeis e mais submissos à desinformação
quais são os riscos de um abandono do euro”.

O jornal
apresenta o autor como “professor de Economia da Universidade Paris 8”,
mas Pastré preside também o banco tunisiano ImBank. E pertence aos
conselhos de administração do banco CMP, da Associação de Diretores de
Banco, assim como do Instituto Europlace de Finanças. E, no entanto, é o
“professor da universidade” que intervém todo sábado de manhã na rádio
France Culture durante o programa A economia em questões, do qual é coprodutor.

Quando 2 + 2 são 5

“Este é um exemplo perfeito do tipo de situação que nos levou a
reagir”, comenta o professor Michael Woodford, membro do comitê diretor
da AEA, quando lhe contamos o caso. A associação exorta “o conjunto dos
economistas a aplicar os mesmos princípios para todas as publicações:
jornais acadêmicos, editoriais, artigos de imprensa, comentários
difundidos na rádio ou na televisão”.

“No caso”, continua Woodford,
“parece-me que os leitores têm o direito de saber se o especialista em
questão defende uma análise ou os interesses da instituição para a qual
trabalha.” Pastré garantia, em seu artigo de 1º de fevereiro, que na
hipótese de uma saída do euro os bancos “veriam o custo de sua dívida a
curto e longo prazo explodir”, alarmando-se com uma eventual “baixa de
sua rentabilidade”.

Para Patrick Artus, responsável pela pesquisa econômica para o banco
Natixis e administrador da Total, a tese defendida por Woodford “tem
sentido nos Estados Unidos e no Reino Unido. Mas não creio realmente que
ela pudesse ser aplicada na zona do euro”, pois “o número de
economistas ligados às finanças aqui é muito pequeno com relação ao
mundo anglo-saxão”. Um pequeno grupo, talvez… mas muito representado entre os especialistas midiáticos.

Três de novembro de 2011. O jornal matinal da rádio France Inter
analisa os objetivos do G20 que vai acontecer em Cannes. Quem ele
convida? “Jean-Hervé Lorenzi, presidente do Círculo dos Economistas.”

Raramente apresentada, essa associação reúne Patrick Artus, Jean-Paul
Betbèze (economista-chefe no banco Crédit Agricole), Laurence Boone
(economista-chefe no Merrill Lynch), Anton Brender (economista-chefe do
Dexia Asset Management), Olivier Pastré etc.

Alguns dias depois, na
mesma rádio pública, o programa Le Téléphone sonne [O telefone
toca] “faz uma análise” da reunião. No microfone, “Jean-Hervé Lorenzi,
presidente do Círculo dos Economistas”. É também com esse título que
Lorenzi, entre outras coisas conselheiro do candidato socialista à
presidência, François Hollande, analisa o mercado imobiliário em Les Echos,
a queda das bolsas na rádio Europe 1 ou o “fabuloso destino da França”
na rádio RTL 5.

No entanto, esse cartão de visitas omite alguns
detalhes. Lorenzi tem cargos nos conselho de administração da empresa
PagesJaunes, da Associados em Finanças, da Associação Francesa das
Operadoras de Celular (Afom), da seguradora ligada ao banco BNP
Paribas-Assurance. Ele é também censor do grupo de crédito Euler-Hermes,
membro dos conselhos de vigilância da Companhia Financeira
Saint-Honoré, do instituto de pesquisa de opinião BVA, do Grupo Ginger e
conselheiro da diretoria da Companhia Financeira Edmond de Rothschild.

Já Christian Saint-Etienne se apresenta como professor do
Conservatório Nacional de Artes e Profissões (Cnam) na rádio France 24 e
como economista e analista político nas colunas do Point
nunca como conselheiro científico do Conselho Estratégico Europeu SA, um
gabinete de conselho em gestão de patrimônio. Elie Cohen, também
conselheiro de Hollande, é orientador de pesquisa no Centro Nacional da
Pesquisa Científica (CNRS) e professor na Sciences Po na rádio France
Inter ou no Le Figaro− nunca membro do conselho de
administração das empresas PagesJaunes ou da EDF Energies Nouvelles.

Jacques Mistral? Economista nas colunas do Le Mondee na rádio France Culture, ou diretor de estudos econômicos no Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri) no programa C dans l’air(canal
de televisão France 5) − e não administrador da BNP Paribas Assurance.
Daniel Cohen, conselheiro de Martine Aubry, mostra-se mais discreto
sobre seu título de senior adviser do banco Lazard – que
aconselha, por exemplo, o governo grego na renegociação de sua dívida –
do que quando se trata de lembrar sua qualidade de professor de Ciências
Econômicas na Escola Normal Superior e na Universidade Paris 1.

Marcando presença nos conselhos de administração de grandes empresas
(35 mil euros por mandato, em média, para as empresas do CAC 40 e a
metade para as outras empresas cotadas, segundo os dados do Instituto
Francês de Administradores – IFA), nas conferências privadas (para as
quais Lorenzi, por exemplo, cobra 6.600 euros), na redação remunerada de
relatórios… Assim como seus colegas norte-americanos, os economistas
franceses “dispõem de inúmeros meios para ganhar muito, muito dinheiro”,
observa DeMartino. “Eles sabem, portanto, melhor que outros que nada é
gratuito, que todo benefício implica um custo. E o custo, neste caso, é a
perda da independência.”

“Acho que isso tem um resquício dos anos 1930”, protesta Lorenzi. “A
questão é saber se a maneira como você ganha sua vida influencia seu
julgamento. E não é o caso.” No fim das contas, pode-se argumentar que 2
+ 2 são 4 trabalhando tanto para uma universidade como para um banco?
“Sem dúvida nenhuma”, responde Woodford com um sorriso. “Mas a maioria
das questões às quais um economista é confrontado trata de julgamentos
mais sutis. E não se deixem enganar: nossos debates têm um impacto
direto sobre alguns interesses privados.”

Seria preciso concluir, com a
professora Deirdre McCloskey, da Universidade de Illinois, que pode
acontecer de “economistas se comportarem como advogados, defendendo tal
ou tal ponto de vista, independentemente dos fatos”? Ou – para dizer com outras palavras – que, interessados no resultado, eles tentem às vezes convencer que 2 + 2 são 5?

Diretor do documentário Inside Job, Ferguson encontrou o economista Frederic Mishkin, da Columbia Business School:
Ferguson: − Em 2006, você coescreveu em um estudo do sistema financeiro
islandês:“É um país evoluído, dotado de excelentes instituições. Pouca
corrupção, Estado de direito, economia convertida à liberalização
financeira. Regulação e vigilância prudenciais de qualidade”.
Mishkin: − Aí estava o erro [em 2008, a economia islandesa afundava].
Descobriu-se que a regulação e a vigilância prudenciais não eram
satisfatórias.
− O que o fez acreditar no contrário?
− Utilizamos as informações de que dispomos. E a opinião geral dizia
que a Islândia tinha excelentes instituições e era muito evoluída.
− Quem lhe disse isso? Que pesquisas você realizou?
− Falamos com pessoas, confiamos no Banco Central, que, no fim, não estava à altura.
− Por que você confiou no Banco Central?
− Utilizamos as informações que temos.
− Quanto você ganhou com isso?
− Eu fui pago… o valor é público.
(Mishkin recebeu US$ 124 mil da Câmara de Comércio Islandesa para redigir o estudo.)
− Em seu currículo, o título do relatório “Estabilidade financeira na
Islândia” foi mudado para “Instabilidade financeira na Islândia”…
− Oh… eu ignoro a razão, mas… talvez seja um erro de digitação.

Advogado devotado ao cliente ou cientista equivocado, a diferença se
revela por vezes tênue. Como nota DeMartino, “os economistas gozam de um
privilégio que as outras profissões não conhecem: ninguém lhes pede
prestação de contas de seus erros”. E, no entanto, eles os cometem.

No dia 17 de agosto de 2007, a crise do subprimeacabava de
começar do outro lado do Atlântico. Elie Cohen já anunciava o fim: “Em
algumas semanas”, garantia, “o mercado vai se reformar, e os negócios
vão voltar como antes” (LeMonde.fr, 17 ago. 2007).

Seis meses depois, no
canal Direct 8, Alain Minc, banqueiro de negócios e conselheiro de
Nicolas Sarkozy, entusiasmava-se com a “inacreditável plasticidade do
sistema”: “Dir-nos-iam que ele seria regulado de tal forma que
evitaríamos uma crise, que poderia ser até mesmo do tamanho das grandes
crises financeiras que conhecemos no passado! No fundo, ainda é um
universo muito flexível”. Veredicto? “A economia mundial é bem
administrada” (8 jan.).

No mesmo ano, Lorenzi anunciou que
“[sua] convicção é clara”: “O diagnóstico dos bancos centrais foi
rápido, justo e seguido de efeito. Em uma crise do mercado
interbancário, eles souberam com talento se esquivar da catástrofe; no
caso, evitaram aos Estados Unidos a falência dos bancos hipotecários e
permitiram que grandes estabelecimentos bancários verdadeiramente em
perigo reintegrassem, sem risco de liquidação, uma parte de seus
produtos titularizados”.

Pouco depois que essas palavras
foram impressas, o banco Lehman Brothers sucumbiu, levando com ele uma
parte do sistema financeiro mundial. Quanto a Artus, redator fanático de
Flash Economiedo Natixis (cinco artigos por dia em média), ele alardeava em Challenges, no dia 28 de agosto de 2008 (duas semanas antes do crash!):
“O caso dos subprimes é passado”.

Mais tarde, ele iria protestar contra
a ideia de que os bancos paguem mais impostos e continuem a financiar
as economias fragilizadas pela crise. “Não podemos pedir tudo para os
bancos”, dá como título o empregado do Natixis em seu Flash Economie de 18 de agosto de 2011.

 Nem de esquerda nem de direita: banqueiro


Poderíamos nos perguntar sobre a relação entre tais erros de julgamento
e as remunerações que os autores recebem. Ou exigir, juntamente com
Epstein, que os economistas sejam “responsáveis perante seus colegas, a
imprensa, os estudantes, os cidadãos”. Mas devemos fingir
espanto quando um banqueiro defende os interesses dos banqueiros?

Pois é
bem nesses termos que Lorenzi, por exemplo, encara sua atividade: “Eu
sou o que se chama de senior banker”, explicou ele
recentemente. “Tento, de modo geral, desenvolver negócios
correspondentes às diferentes atividades da Companhia Financeira Edmond
de Rothschild.” Pastré e ele têm essa missão no espírito, quando, em seu livro Direita contra esquerda? Os grandes casos que farão a eleição presidencial,
publicado em 2012, intimam os leitores a “renunciar às ilusões sobre o
Estado protetor”, a “fazer enfim a aposta audaciosa em favor do mercado”
e, principalmente, a evitar “os julgamentos apressados” contra a
indústria bancária.

“No fim”, temia em novembro passado Jean-Pierre Jouyet, presidente da
Autoridade para os Mercados Financeiros (AMF) e antigo secretário de
Estado encarregado dos negócios europeus de Sarkozy, “os cidadãos vão se
revoltar contra a ditadura de fato [dos mercados]”. Mas os
“mercados” não exercem já sua influência até no seio da AMF, que
deveria regulá-los? Pois quem aconselha a autoridade presidida Jouyet?
Os mesmos: Artus, Olivier Davanne (cogerente do Groupama Invest),
Olivier Garnier (diretor-adjunto do banco Société Générale), Ruben Lee
(presidente-diretor-geral do Oxford Finance Group), Pastré etc.

De volta aos Estados Unidos, onde Ferguson entrevista John Campbell, diretor do Departamento de Economia de Harvard:
Ferguson: − Um pesquisador de medicina escreveu um artigo que diz:
“Para curar essa doença é preciso prescrever tal medicamento”. Revela-se
que esse médico recebe 80% de seus ganhos do fabricante do remédio.
Isso o incomoda?
Campbell: − Acho que, é claro, é importante revelar… mas, ah… ah…
É um pouco diferente do que estamos evocando aqui, porque… ah…

A pertinência da analogia também não salta aos olhos de Barbara
Frugier, adjunta à diretora de comunicação da AMF. “Escute, eu não
conheço a indústria farmacêutica”, interrompe. Antes de continuar: “Não
vejo bem aonde você quer chegar. É normal, em minha opinião, que a gente
se informe com os especialistas”.

No entanto, segundo o site da
Autoridade, a instância encarregada, entre outras coisas, de controlar o
orçamento da instituição e de fixar as regras internas e gerais é,
contrariamente ao Conselho Científico, “submetida a regras éticas e de
prevenção de conflitos de interesses”.

Quando foi promovido do segundo
cenáculo ao primeiro, em junho de 2011, o economista Christian de
Boissieu, que também é presidente do Conselho de Administração Econômica
(CAE), foi então convidado a deixar suas funções de conselheiro do
fundo especulativo HDF Finance, de Ernst & Young, assim como seu
cargo no comitê de auditoria do banco Neuflize OBC, do qual ele
permanece membro do conselho fiscal. “Enquanto espero para deixar este
conselho em breve”, explica, “eu me deporto (eu saio da sala e não
participo de forma alguma das deliberações) quando se trata, na AMF,
direta ou indiretamente desse banco.”

Louváveis, as disposições da AMF e de Boissieu não constituem uma
reprovação implícita aos que não tomam medidas similares? Começando, por
exemplo, pelas mídias.

Jornalista na rádio France Info, Jean Leymarie recebeu Lorenzi nos dias
16 de dezembro de 2009, 24 de novembro de 2010 e 29 de junho de 2011.
Conhecia as funções de seu convidado no seio da empresa Rothschild?
“Sim, claro!”
E, no entanto, ele não as evocou no ar?
“Nossos ouvintes
não são idiotas. Eles sabem.”
Mas como saberiam se seus colegas também
adotam geralmente a mesma conduta, mesmo que eles não ignorem em nada os
múltiplos cargos de seus convidados?

Foi com conhecimento de causa que Jean-Marc Sylvestre convidou Lorenzi
para evocar os perigos de uma maior regulamentação do setor bancário, no
canal LCI (24 abr. 2010); que Yves Calvi deu a palavra a Godet e
Saint-Etienne para explicar a inevitabilidade das políticas de rigor em
seu programa C dans l’air, no canal France 5 (9 nov. 2011); ou que o Financial Times abriu
suas colunas para Summers para tirar as consequências da “crise do
capitalismo” (8 jan. 2012). É preciso ouvir atentamente as respostas
quando fazemos tais perguntas a tais convidados?

A informação dos franceses não sofreria talvez uma amputação severa
demais se a imprensa consagrasse mais espaço – algumas linhas, alguns
segundos no ar – a uma apresentação completa de seus especialistas:
“Seria tão simples que eu me espanto que não seja o caso”, responde-nos o
economista Hubert Kempf, presidente da Associação Francesa de Ciências
Econômicas (Afse), tido como “ortodoxo”. Sua organização pretende
interpelar seus membros com relação ao conflito de interesses?

“Organizaremos talvez uma mesa-redonda durante nosso próximo Congresso”,
em julho de 2012. E a Associação Francesa de Economia Política (Afep),
criada há dois anos para promover mais pluralismo no seio da profissão?
“Ainda não formalmente, mesmo que a questão seja, a priori, um
consenso aqui”, indica-nos Nicolas Postel, secretário da associação.
“Mas”, acrescenta, “considerar que o problema se limitaria à questão do
conflito de interesses constitui, para mim, um erro.”

Privatização do expertise

Outro caso.
Na edição de 14 de fevereiro, o Le Monde publicou,
no caderno “Internacional”, uma análise da crise grega. A jornalista
Claire Gatinois citou diversos economistas, todos diretamente ligados ao
mundo das finanças. Não há conflito de interesses aí: as funções estão
claramente identificadas.

Christopher Probyn? “Economista-chefe do State
Street, grupo financeiro sediado em Boston” (citado três vezes).
Natacha Valla? “Economista do Goldman Sachs” (citada três vezes).
Jésus
Castillo? “Economista do Natixis.”
Sem contar os “especialistas da UBS”.
Sem dúvida, ela estima que os “economistas de banco” são os mais bem
posicionados para analisar uma crise como a que balança a Grécia. “Por
que seriam?”, objeta Postel. “Num assunto como esse não esperamos das
mídias um relatório supertécnico de mecanismos financeiros obscuros, mas
uma interrogação fundamental sobre o statusda dívida do país: é
legítima? De onde vem? E, nesse plano, os economistas de banco não são
necessariamente os mais competentes.”

Podemos imaginar um economista do Goldman Sachs afirmando que a crise
grega vem antes de mais nada de uma dívida ilegítima que não deveria ser
paga? “Não”, admite Gatinois, “isso me parece bem pouco provável.”
“Para este artigo”, explica ela, “eu pensei que era interessante
questionar os economistas de banco, mais liberais, para mostrar que eles
também se preocupam com a situação grega.” Tratava-se, em suma, de
apresentar, só uma vez, claro, o ponto de vista liberal.

Esse tipo de
reflexo profissional parece mais frequente na grande imprensa do que a
ideia de entrevistar, por exemplo, representantes sindicais – que são,
ao menos, tão informados sobre os mecanismos e consequências do drama
social em curso quanto os economistas liberais.

Em outubro de 2011, por
exemplo, Gatinois deu a palavra a quarenta economistas, grupos de
economistas ou similares. Vinte e nove trabalhavam diretamente para
bancos ou instituições financeiras. Três se expressaram em nome de
sindicatos. Entre 1º de setembro de 2008 e 31 de dezembro de 2011, o Le Mondecitou
Artus – responsável pela pesquisa para o banco Natixis – em 147
artigos. Mais vezes que Jacques Attali (132 artigos) e que Alain Minc
(118). E muito mais que Jean Gadrey (5 artigos sobre questões
econômicas) e Frédéric Lordon (4). Proporções similares a essa são
observadas nos jornais Libération ou Le Figaro, assim como na maioria das revistas.

Nessas condições, a transparência pode ser suficiente para influenciar a
tendência natural dos profissionais das finanças a defender… os
interesses das finanças? No fim de nossa conversa, Gatinois solta:
“Reconheço que, de fato, não apresento todos os pontos de vista”.

Links:
O artigo original: Les économistes à gages sur la sellette, Le Monde Diplomatique, Março de 2012.
Versão portuguesa: Os economistas engajados, Le Monde Diplomatique Brasil, Março de 2012

2 Replies to “Economistas: opiniões à venda”

  1. Mas isso é o lugar comum da intelectualidade (não apenas na área econômica), se vender pelo melhor preço, submeter-se aos interesses do comprador, e de lambuja,ocultar a identidade do dono, fingindo participar apenas de "angelicais" confrarias universitárias, onde se um ou um grupelho afirma o contrário do outro ou do outro grupelho, trata-se de contendas acadêmicas, baseadas em teorias científicas díspares, ou no máximo entre especialistas com ideologias diferentes. Nisso só acredita quem nunca viveu, de olhos bem abertos, em semelhantes antros da delinquência acadêmica, as universidades contemporâneas, e seus centros de excelência investigativa. Abraços

  2. Olá Max: esquecendo o partido e as eleições presidenciais (se te fizer gosto) que tal discutir essa proposta em termos de saída, quem sabe, exequível para a Europa meridional?
    "A proposta passa pela constituição da VI República Francesa, mas não fica apenas entre portas. Rejeição do Tratado de Lisboa e do Pacto Orçamental; um Banco Central Europeu sob controlo democrático que empreste o dinheiro – a juros baixos, ou mesmo sem juros, – aos Estados e não aos bancos como faz atualmente. A criação de um fundo europeu de desenvolvimento social, ecológico e solidário para repartir os financiamentos entre os países do Euro na medida das suas necessidades. A renegociação e anulação parcial da dívida dos Estados. O que se leva a votos é uma outra França e uma nova arquitetura para a Europa, uma nova cultura política. Num momento de recomposição agressiva do capitalismo é também esta solidariedade entre os povos que está a encher as ruas." Abraços

Obrigado por participar na discussão!

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