Ratazanas

Blog fechado hoje e amanhã em sinal de luto.

A minha cidade, Genova, foi atingida por violentas chuvas que causaram a morte de várias pessoas, entre as quais duas crianças. Na verdade afirmar que as chuvas provocaram as mortes é incorrecto: a chuva não mata, a estupidez do Homem sim.

Estes dois dias de luto não são um protesto. Pelo contrário, são uma forma para eu lembrar.
Lembrar que podemos analisar, discutir, avaliar: mas afinal os culpados não estão longe de nós, os culpados somos nós.

Quando votamos estas ratazanas porque “estes sim fazem o que deve ser feito”.
Quando votamos estas ratazanas porque “assim sempre fiz”.
Quando votamos estas ratazanas porque “alguém temos que escolher”.
Quando votamos estas ratazanas porque “estas são coisas complicadas, não quero meter-me nisso”.
Quando votamos estas ratazanas porque “os outros são piores”.
Quando votamos estas ratazanas porque “prometeram uma ajuda”
Quando votamos estas ratazanas porque “são do meu partido”.
Quando votamos e deixamos que tudo isso aconteça, então somos culpados: estas ratazanas de esgoto só aproveitam a nossa passividade.

Inútil procurar álibis e desculpas. Até quando não seremos capazes de reconhecer as nossas responsabilidades, nada poderá ser feito e nada mudará.
E não é uma tentativa de encontrar conforto na auto-comiseração: as ratazanas estão aí porque alguém decidiu que aí ficassem.

Eu não votei na altura? Que importa? Limitar-se a deixar fazer para poder depois afirmar “mas eu não fui cúmplice” não pode ser a solução e não funciona como desculpa.

Vivemos numa época em que escolhemos não ser Homens. Mas isso tem um custo.
O custo é também os morros que ruem no Brasil; a banda de criminosos que destroem Portugal; as centrais nucleares construídas por cima de falhas sísmicas; a Presidente da Câmara que chora as vítimas depois de não ter mexido um dedo para evitar a tragédia.

E nós aqui, a olhar, como se fosse sempre culpa dos “outros”.

Não é tempo de Homens.

Ipse dixit.

11 Replies to “Ratazanas”

  1. Queira aceitar minha cumplicidade aos seus sentimentos. A favela, um cínico eufemismo para senzala não virou moda, nunca saiu da moda, é a contínua manipulação da casa grande milenar com seu escravagismo perenizado por nossa aceitação da idéia de liberdade neste sistema doutrinado pelos meios de comunicação (todos) que repetem desde os igrejeiros bancos escolares a propaganda desta cínica pseudo democracia neste labirinto do nada.
    Sinto muito, sou grato.

  2. Olá Max: lembrar…lembrar e ainda lembrar. Isso é muito importante!
    Porque aqui, onde vivemos eu e a maioria dos teus leitores, não se lembra. Aqui, ocorrências funestas são repetidas ad infinitum, até se tornarem naturais, tão naturalizadas como as causas que se lhes atribui:modificações climáticas, cataclismas, reação dos deuses ou demônios. Nunca a memória da realidade, sempre a repetição da desconversa.Abraços

  3. Obrigado pessoal, obrigado mesmo.

    A maioria das mortes aconteceu numa rua cujo nome é Via Ferreggiano: numa travessa da qual cresci eu ao longo dos primeiros anos e na qual morou a minha avó ao longo de décadas.

    Conheço bem a zona. Bairro de Marassi, muito perto do centro da cidade, bairro não de ricos mas de pessoas que trabalham.

    A rua deve o nome ao torrente que aí passa, o Ferreggiano. Um pequeno rio que ao longo da maior parte do ano quase não tem água. À volta foram construídos prédios, em particular os erigidos nos anos '60 e '70 que roubaram espaço ao torrente.
    Pior: as margens encheram-se de cimento. As margens naturais abrandam a água, o cimento não, faz ganhar velocidade e força. E um modesto curso de água pode tornar-se fonte de morte.

    Os políticos nada fazem porque libertar as margens cria problemas, plantar árvores não traz votos. Cuidar da Natureza é algo que requer empenho e tempo: não se podem ter resultados imediatos, não ajuda numa eleição.

    Então ninguém se mexe.

    Depois chamamos a água "assassina". Mas a água não é assassina, a água é boa, é fonte de vida, a nossa vida. "Assassino" é quem deixou construir antes e quem nada fez depois.

    Uma história que pode ser repetidas quantas vezes nas cidades de todo o mundo?

    Não é uma situação tão diferente daquela que se passou no Brasil não muito tempo atrás: lembro da encosta ruída, das casas arrastadas na lama. Uma colina sem árvores é nua, é um monte de terra prestes a ruir.

    Morrer assim, em pleno dia, no interior da própria casa…será que alguma vez aprendemos algo?

    Desculpem o desabafo.

    Obrigado mais uma vez.

  4. Max meu amigo, fiquei chocado, meus sentimentos, concordo plenamente contigo. Aqui no Brasil todo ano é a mesma coisa, em vários lugares e Estados, todo ano morre muitas pessoas devido a negligência dos governos e nossa que sempre fechamos os olhos depois que tudo passa.
    Tu tens toda a razão, a culpa é nossa que admitimos esses canalhas que estão lá para fazerem seus trabalhos e não o fazem.
    Não adianta chorarmos nossas vítimas e depois que passa deixar pra lá, temos que nos mexer e dar um basta nisso tudo.

    Se sinta abraçado por esse cão

  5. Infelizmente estes desatres naturais se é que assim podemos chamá-los tem a tendência de recrudescer, já que em muitos lugares onde não havia uma anormal precipitação de chuva hoje em dia podemos ver que ocorrem. É claro que também existe a falta de planejamento urbano a construção de obras ilegais, ocupações de áreas de forma irresponsável e interesses econômicos e políticos e principalmente falta de fiscalização, o conluio entre a população e os seus governantes, mas o fato é que sempre a prevalência humana, seja agindo ou se omitindo.

    Abraços

  6. Lamento pelo seu sofrimento, que volta e meia nos toca a todos neste mundo indomável.
    Fiquei particularmente chocado quando soube que houve crianças afogadas e vi um menino de uns 12/13 anos a chorar por ter perdido a mãe.
    Também aqui em Portugal, faz um ano, a ilha da madeira foi praticamente devastada por um temporal épico. quem mais perdeu foram os pobres, que habitam nos morros e colinas. Nas cidades as enxurradas foram assombrosas, mas conseguiram escoar até ao Mar. Uma vez secadas as lágrimas é tempo de seguir em frente. Hoje vi uma reportagem sobre um homem que vive numa dessas ruas em génova, diz que vive numa casa social e que já é a 3º vez que acontece. Esperemos que alguém olhe por esta gente e os possa por a viver noutro sítio em segurança.

Obrigado por participar na discussão!

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