Da Economia Política de List – Parte I

Proteccionismo? Ahi que coisa feia e retrograda…como é possível falar destas coisas numa sociedade livre a saudável como a nossa? O Liberalismo é a nossa fé.
Salvo seja o Liberalismo.

Pois é assim: no imaginário da maioria das pessoas, o Proteccionismo é um dogma que vai na direcção oposta ao Liberalismo.

E aqui encontramos o primeiro erro: o Liberalismo (na forma como foi apresentado ao mundo) é um conjunto dogmático-ideológico, o Proteccionismo não; este é apenas um instrumento económico que um País dispõe para desenvolver um sector industrial que, nas primeiras fases de vida, não poderia competir com as empresas que já operam no mesmo sector.

Mas porque, dizem os Liberalistas, criar empresas nacionais que precisam de protecção quando no mercado internacional podemos adquirir os mesmos produtos já prontos?

As locomotivas inglesas

Esta é a pergunta que Adam Smith fazia aos colonos americanos:
“Porque raio vocês querem construir locomotivas quando o Império Britânico já faz isso, melhores e mais baratas? Não seria um desperdício de capital? Pensem no vosso algodão, tratem dele e do tabaco também, nisso vocês têm vantagens competitivos; e com os lucros podem comprar as locomotivas inglesas. É o mercado, é uma maravilha”.

Para os Americanos, na altura ainda gente séria, a explicação era óbvia: era preciso construir locomotivas para que pessoas como Adam Smith pudessem afastar-se ainda mais depressa.
Porque se as ideias de Smith tivessem vincado, os Estados Unidos ainda seriam um País basicamente de agricultores (e talvez mais simpático, isso é verdade também).

Pelo contrário, havia pessoas como Alexander Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro com o Presidente George Washington, que após ter criado o Banco Nacional para poder conceder empréstimos, protegeu as primeiras locomotivas americanas.

Como? Com a forma mais básica de Proteccionismo: introduziu taxas que gravavam sobre as locomotivas inglesas. Deixando bem claro, como afirmou em 1791, que a protecção não passava duma medida temporária. Pois o perigo é que o Proteccionismo possa deixar de ser um estimulo com o tempo para tornar-se letargia.

Na verdade, os Estados Unidos surgiram “contra” Adam Smith, pois não havia apenas locomotivas quais bens importados.

E os Ingleses? Os Ingleses, pelo contrário, gostavam do “mercado livre”. Ainda em 1950, na Índia era proibido trabalhar o algodão e havia pessoas que ficavam presas por causa disso. Isso porque se a Índia tinha a vantagem na produção de algodão bruto, Manchester tinha a vantagem competitiva na produção; pelo que, era necessário proteger os interesses ingleses contra as aspirações indianas.

Moral: a espontaneidade do “mercado livre” deve ser apoiada com leis e polícias. E tanto “livre” afinal não pode ser…

Os comboios de List

Voltemos nos Estados Unidos.
Em 1825 chegou um alemão, Friedrich List que, em vez de vender salsichas e beber cerveja, fazia dinheiro como administrador duma linha de comboios que explorava uma mina de carvão. List ficou impressionado com a economia americana que crescia protegida pelas medidas de Hamilton.

Uma vez regressado na Alemanha, tentou implementar o mesmo sistema proteccionista, que ele definia como “o sistema americano de economia política” (e que, ironia, era o exacto contrário do actual sistema americano).

List foi o promotor do Zollverein, o primeiro mercado comum entre a miríade de Estados que na altura formavam a região alemã. Mas, dizia List, a abolição dos impostos de alfandega faz sentido apenas entre Países como um nível de desenvolvimento “das empresas, de civilização política e de potência” similar; caso contrário, um mercado totalmente livre desfavoreceria os Países mais atrasados e provocaria o surgimento de potencias predominantes.

“Civilização política”? Mas que é isso? E que tem a ver com as empresas?
List era alemão mas não era parvo: tinha percebido que o problema não ficava resolvido apenas ao falar das empresas: havia mais em jogo. A questão não era apenas comprar mercadoria no estrangeiro ou produzi-la no próprio País.

Escrevia List:
Smith atribui ao capital uma capacidade produtiva. […] A maior parte da capacidade produtiva consta das condições sociais e intelectuais dos indivíduos, coisas que eu chamo de “capital mental”.

A diferença e abismal: List aposta na qualificação não apenas do trabalho mas dos trabalhadores também; segundo ele não é suficiente a existência dum capital, é preciso que este sirva para elevar as condições dos trabalhadores, o que List define como “capital mental”.

É um problema de competência e de especialização também (além, claro está, dum discurso acerca do grau de desenvolvimento social). Uma vez na Europa havia um elevado grau de especialização e de vanguarda; hoje tudo isso está a desaparecer porque compramos produtos feitos em outros continentes (essencialmente Ásia).
Resultado: licenciados desempregados, porque a produção na Europa já não precisa de tanta competência. A economia desce os degraus da civilização e a sociedade, os Países, com ela.

Segundo List, sem competências e recursos humanos qualificados não há crescimento. Adam Smith, pelo contrário, fala apenas de troca de bens, sem considerar a força produtora.

Dito de outra forma: segundo Smith a economia é um bolo, segundo List é o pasteleiro, ao qual pedir um bolo cada vez maior. Com Smith a economia é estática, onde o destino dum País depende das vantagens competitivas; List pensa numa maneira com a qual não apenas a economia possa crescer mas toda a sociedade (trabalhadores e País) evolui.

O Capitalismo diferente

“Tá bom”, pode pensar o Leitor, “mas afinal quem era este List? Não era aquele músico do 1800? E porque não ficou com a música em vez de falar de economia e aborrecer o pessoal aqui?”.

Bom, List era sim do séc. XIX, mas não era músico (o outro é Liszt), era economista. E se o Leitor hoje desconhece o simpático List é porque as ideias deles são contrárias aos dogmas que hoje são vendidos como “A Verdade”. O já citado Adam Smith, por exemplo, é não apenas lembrado mas até venerado como A Mente Pensante por excelência, List não.

E é pena, pois com List podemos vislumbrar um Capitalismo diferente.

Mas List já não é estudado nas universidades, submergidos por definições como “estadismo”, “proteccionismo”, “nacionalismo económico: o contrário da doutrina liberalista-monetarista, do dogmático pensamento económico único de moda.

Ninguém quer lembrar que foi graças ao modelo de List que a Alemanha de País atrasado tornou-se potencia industrial. Que é por causa deste modelo que a Italia pode ainda contar com uma sombra de produtividade manufactureira, e o mesmo pode ser dito da França.

As teorias de Adam Smith, pelo contrário, atropelaram a economia com uma sucessão de bolhas especulativas, desperdícios de capital, elevada iniquidade social, devastação de empresas, endividamentos insustentáveis, depressões e crises profundas como a de 1929 ou aquela começada em 2008 e ainda não acabada. E tudo mergulhado numa série de proibições que, estas não, não querem proteger ninguém, a não ser a oligarquia do poder.

Nada mal, nada mal mesmo…

Mais uma vez: curioso. Tal como aconteceu com o Comunismo, também neste caso é apresentada como Capitalismo apenas uma das possíveis versões dele, possivelmente a pior das possíveis. E esta verão é transformada na essência do Capitalismo, no Verbo, que todos respeitam e repetem com inabalável confiança, mesmo perante os hilariantes resultados.

Tal como aconteceu com o Comunismo, também o Capitalismo (atenção: o “nosso” Capitalismo) tornou-se uma doutrina monolítica, feita de fieis, sacerdotes, rituais e dogmas.

O que é profundamente estúpido: pois há situações nas quais o Proteccionismo é útil, a desvalorização oportuna, o repúdio da dívida ilegítima um dever nacional.

Mais? Não. Que dizer, não agora. Só da próxima vez.
Na segunda parte, pode ser?
Obrigado.

Ipse dixit.

Fonte: Maurizio Blondet

3 Replies to “Da Economia Política de List – Parte I”

  1. Olá Max e todos: o pessoal comenta mais sobre a morte, que a gente nada sabe, (52 comentários até agora), do que sobre a vida, que existe alguma possibilidade de ficar sabendo. As minhas possibilidades de ficar sabendo estou tentando. Que venha, além do ABC da economia do Grande Leo, a série de economia política do Grande Max.

  2. Puxa… max mudou o blog e agora não tem mais como gerar PDF do post… volta aquele quadrinho, vai? Muito bom para eu ler os posts quando offline! 🙂

    [ ]s

  3. Com certeza Maria a morte é um assunto apaixonante até um certo ponto, e este ponto é quando ainda estamos vivos, porém os 52 e poucos comentários só existem por causa destes vivos. Acho eu…que os mortos, quem sabe…devem comentar sobre a vida.

    Abraços

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