A Teia

O velho cuspiu no chão e logo voltou a fixar um ponto indefinido com os olhos cansado e húmidos.

Eu estava à espera, sem saber se perguntar ou simplesmente deixar que as lembranças saíssem seguindo o ritmo natural.

Um pouco de tosse, e a voz rouca continuou.

“Sim, Aracnia. Há um lugar bem especial naquele País.
A primeira vez que entrei quase que arrisquei nunca mais sair. Pois a Teia é assim: que mal pode fazer um palácio, mesmo que imponente?

Há uma entrada e de certeza haverá uma saída, pensamos.
Mas não é bem assim. Por isso o nome é “a Teia”.

Há vozes que contam as maravilhas deste enorme palácio, da sua soberba cúpula, das centenas de colunas douradas, das centos e uma portas ultrapassadas as quais podemos ter acesso ao lugar.

O que é a Teia? Esta é a grande dúvida.
E ninguém, nem os estudiosos, conseguem uma definição apropriada.
Mas é uma pergunta que dura pouco. Cedo não apenas os olhos mas o cérebro também outra coisa não fazem se não olhar, procurar, tentar encontrar mais, cada vez mais.

Alguém acha que este lugar é como a grande biblioteca de Alexandria, mas melhor, muito melhor. Ninguém sabe ao certo quantos livros são guardados na Teia.
O que é certo é que bem poucos leem um texto do princípio ao fim.
Pois a particularidade é outra.

De facto, qualquer que seja a dúvida ou a simples curiosidade,o visitante pode aqui encontrar as respostas. Não são verdadeiros livros, são mais artigos, por vezes curtos, por vezes maiores, mas todos capazes de satisfazer a curiosidade do Homem.

Mas a Teia não é uma imensa biblioteca. É muito mais do que isso.

Uma vez cruzada uma das centos e uma entradas, o visitante terá perante os seus olhos um verdadeiro labirinto, e corredores que permitem entrar num número infinito de salas.

Ao olhar com mais atenção, podemos perceber que o caos afinal é ordenando. As salas são separadas, cada uma no respectivo sector. Há a zona do divertimento, outra das fofocas, outra ainda com mulheres nuas…”

Um pouco mais de tosse. Tinha a impressão que o velho teria muito mais para contar acerca deste último assunto, mas não interrompi.

“Um dos lugares com mais visitantes é a Sala dos Espelho. Aqui entras e podes sentar-te. Só espelhos à tua volta.
Então podes decidir falar com alguém, que às vezes fica muito longe: e os espelho reflectem as imagens das caras, com as quais podes falar, brincar, rir, chorar…
A Sala dos Espelho está sempre cheia.

Depois há a Sala das Notícias. Este é um lugar fantástico.
Aí podes encontrar tudo, mas mesmo tudo o que acontece não apenas em Aracnia mas no Mundo inteiro. Antes que os jornais falem do assunto.
Por vezes mesmo antes das coisas acontecerem.

Outra secção é a Sala dos Retóricos.
É um espaço muito, muito grande, por sua vez dividido em salas mais pequenas. Em cada sala podemos encontrar um Retóricos e as salas não são todas iguais: há pequenas, há maiores.
Mas em todas há um Retórico, uma pessoa que acha ter algo para dizer. Alguns falam muitos, outros apenas de vez em quando.”

Então decidi fazer uma pergunta: “Mas falam de quê?”

“De quê? De tudo. Principalmente de eles mesmos.
Não de forma directa: pegam num acontecimento, numa experiência, e contam, transmitem a opinião deles.
Outros desejam sensibilizar os leitores, pois há assuntos que julgam importantes: política, obscuros enredos, culinária. até há quem tentem denunciar a perigosidade da mesma Tela e afirmam que as pessoas que entram no Palácio acabam com o perder o contacto com a realidade.
Um pequeno paradoxo, talvez.

Mas os Retóricos são muitos.
Alguns deles falam perante poucas pessoas, outros têm um público de milhares de ouvintes.
Outros ainda falam sozinhos, pois estão convencidos de que o importante é falar das próprias ideias.

Tudo isso podes encontrar na Teia.

O que é?
Não sei. não sei como defini-la.

Talvez um lugar onde aprender muitas coisas, onde abrir a mente com novas ideias.
Mas também é fácil perder-se. Há pessoas que ficam doentes, perdidas numa miríade de reflexos, e com o tempo já não conseguem relacionar-se com as pessoas, apenas com os reflexos delas.
E nem conseguem encontrar a saída.”

“Mas como?”, estranhei, “Não há cento e uma portas?”

Um leve sorriso rasgou os lábios do velho:
“É mesmo este o truque: a prisão perfeita não tem uma mas cento e uma portas.”

Fonte: um ideia de Tra Cielo e Terra

4 Replies to “A Teia”

  1. Sigo o anônimo. Brilhante.
    E se um dia desligassem a "teia"? Digo, desligassem tudo mesmo, a partir de agora, nem que seja momentaneamente, não a temos… Será que as pessoas ficariam perdidas dentro da teia, sem poder sair?

  2. Sem dúvidas, é a internet e muito bem descrito. O autor/escritor tocou/formulou/abrangeu o tema de tal jeito que daria sem dúvida nenhuma outro livro com contos das mil e uma noites co muito maior abrangência. Excelente Max, muito boa a postagem, parabéns de novo.

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