Manual de sobrevivência – Parte I

[…] desafio-o a publicar um texto com os melhores caminhos a serem percorridos futuramente por todos nós. Um texto explicativo da melhor forma de “sobrevivência” aos tempos tempestuosos que se avizinham.

Arcane_delight

Justo.

Sabemos que a nossa sociedade não é exactamente como costuma ser descrita.

Sabemos que os Estados perderam algumas das funções mais importantes para as quais foram criados.
Sabemos que as nossas economias são geridas de forma duvidosa, no mínimo.
Sabemos que o nosso papel enquanto cidadãos foi reduzido, e muito.
Sabemos também que o caminho traçado é, na melhore das hipóteses, incerto e arriscado.
Então?

Sabemos que o mundo não é exactamente como foi pintado e que as informações podem não ser de confiança.
E que tal fazer algo? Ou a nossa ideia é passar a vida a ler blogues e esperar que alguém mude o mundo por nós? Ficamos à espera do regresso de D. Sebastião?
Eu não quero traumatizar o leitor, mas acho que nessa altura D. Sebastião deve estar morto. E não vejo substitutos.
Por isso: ou somos nós a fazer algo ou melhor ligar a televisão e deixar que o cérebro entre em coma com uma novela qualquer.
Eu não tenho receitas milagrosas, é óbvio, ninguém as tem. Apenas ideias. É disso que vamos falar.

Duvidar
Duvidar? Sempre. De quê? De tudo. E nunca vou cansar-me de repetir isso.

Uma coisa temos de lembrar, de absoluto há apenas duas coisas: a vida e a morte. Tudo o resto é relativo, hoje existe, amanhã pode desaparecer.
A Ciência, neste sentido, é o melhor exemplo: há poucos séculos era normal pensar na Terra como o centro do Universo. Depois foi deslocada nas redondezas do Sol.
Afinal, até o centro do Universo foi abandonado: estamos num planeta que gira em torno duma estrela comum, na periferia duma das muitas galáxias.
Até o mesmo conceito de Ciência mudou.
Por isso, quando algo for apresentado como “verdade absoluta”, como “certeza”, é bom perguntar: quem ganha com isso? Porque, infelizmente, muitas vezes a realidade é vendida com a intenção de obter um lucro.
O caso da Gripe A (ou suína, ou H1N1), representa o exemplo perfeito.
Milhares de mortos, milhões em todo o mundo: estas não eram as previsões dum blogueiro conspiracionista, eram as palavras da Organização Mundial da Saúde, repetidas pelos vários Ministérios espalhados pelo planeta.
Sabemos como esta história acabou. E sabemos também quem ganhou com isso.
Atenção: isso não significa que haja um enredo tenebroso, que televisões e jornais sejam empenhados numa obscura manobra para alterar a realidade.
A realidade é muito menos espectacular: as agências de imprensa, as que difundem as notícias aos jornais, são poucas. As mais importantes são poucas mesmo e cabem nos dedos duma mão.
Não é a vossa televisão favorita que altera as notícias, é a fonte que difunde notícias já alteradas.
O caso mais sintomático é o relativo aos vídeos e aos discursos de Bin Laden, a maioria dos quais têm uma única fonte, uma agência americana gerida por uma israelita que tem ligações com a Casa Branca.
Esta é a realidade, mas quando o vídeo é transmitido ninguém diz “Querido telespectador, este é um vídeo duvidoso, pois a fonte é uma empresa israelita com ligações em Washington”.
A notícia é assumida como certa e ponto final.
Por isso, em caso de dúvida: duvide. Não há dúvidas? Duvide na mesma.
E, repito, a coisa melhor a fazer é perguntar: quem ganha com isso?

Perguntar

Sim, mas não podemos ficar sempre com dúvidas, não é? Cedo ou tarde teremos que chegar a qualquer conclusão. E como?
Perguntando.

Perguntem, sempre, a todos, acerca de tudo.
Perguntem aos amigos, aos vizinhos, às instituições. Perguntar nunca é delito (se formos educados, claro).

Por isso peçam explicações.

Não percebem como funciona uma instituição? Peçam directamente à instituição. As instituições públicas existem para servir os cidadãos, não o contrário.

“Mas se a instituição for importante não irá responder-me”.
Não? Então contacte directamente o chefe da instituição, o relativo Ministério se for necessário.
Não é um exagero, é um direito de cidadania.

Não percebem o porquê duma decisão política? Perguntem ao político envolvido.
“Eh, mas os políticos têm coisas mais importantes para fazer…”
Ahe? E o quê?
Qual a coisa mais importante que um político pode fazer, a não ser excercitar a função pela qual foi eleito? E a função pela qual foi eleito é servir o cidadão.

“Mas não irá responder-me”.
Mau sinal, estamos perante um mau político. Não esqueça disso nas próximas eleições. Os políticos são os funcionários do Estado, os nosso funcionários.

Repito: perguntar nunca é delito.
E ao perguntar transmitimos uma ideia: estamos aqui, estamos a ver o que se passa, queremos perceber. Acham pouco?

Um oceano de informação
A propósito de informação. Além do problema “veridicidade”, existe o factor “quantidade”.
Nós somos constantemente bombardeados com informações, o 99% das quais é totalmente inútil.
Informação não é apenas o noticiário: é a publicidade, é a revista que compramos enquanto esperamos a chegada do comboio, é o jogo que fazemos online, até as palavras cruzadas são um meio para transmitir informações.

4 vertical: Inventou o telefone.
Resposta: Bell.
É falso! Mas esta mentira, repetida inúmeras vezes, será verdade.

No meio destes “input”, distinguir o útil do inútil, o verdadeiro do falso, pode ser tarefa muito complicada. Mas vale a pena tentar.
E qual a melhor maneira para poder reconhecer o verdadeiro do falso? Ler.
Ler
Leiam, muito, muitíssimo.
“Mas como? Acabou de dizer que somos alvos de uma overdose de informação e depois recomenda acrescentar ainda mais informação?”
Exacto.
A diferença é substancial: uma coisa é ser alvo de informação, outra coisa é procurar informação.
No primeiro caso, o que podemos fazer é tentar seleccionar as informações e ignorar o resto.
No segundo caso, somos nós que escolhemos quais informações procurar.
George Cloney casou com Elisabetta Canalis? O que ganham com isso? Qual a utilidade? Ficam mais ricos? A vossa vida muda, nem que seja dum milímetro?
Perceberam como funciona o Sol? Esta é informação. Ganharam com isso? Sim, ganharam conhecimento. E o conhecimento é riqueza. Pensem nisso: o conhecimento é algo que nunca pode ser retirado.
Nunca pensem “isso é demasiado complicado para mim”, pois nunca é verdade.
Não pensem “mas eu quase nem sei escrever, como posso perceber certas coisas?”, pois é falso.
Na blogosfera, por exemplo, há donos de blog que têm dificuldades com o bom Português, pois a vida muitas vezes não corre como desejado e obriga a escolha dolorosas, como abdicar dos estudos.

Em teoria estas pessoas nem deveriam abrir um blog.
Mas têm um blog, e não é um espaço web onde o assunto é o futebol, pelo contrário, os argumentos tratados são “importantes”.

Eu admiro estas pessoas. São pessoas que independentemente da idade ou da própria formação académica têm sede de conhecimento. São pessoas “vivas”, que querem perceber, aprender. E aprendem.
Não percebem uma coisa?
Hoje não há desculpas: há internet. Abram um bom motor de pesquisa e procurem uma explicação mais simples. Há sempre uma.
Por isso: leiam.
A politica parece uma coisa “complicada”? Mas estamos a brincar? Já viram quem são os políticos? Acham ser estas pessoas particularmente inteligentes?
A economia parece uma coisa complicada? Não é, porque atrás dos nomes exóticos, como futures ou swap, há conceitos básicos.
Os livros são caros? Há internet. Há milhares de livros à disposição. Há cursos gratuitos. Há contra-informação. Há mapas, enciclopédias, há tudo e mais alguma coisa.
O conhecimento é a única arma que permite construir defesas contra as mentiras divulgadas.
Sem conhecimento, seremos sempre dependentes das palavras dos outros e nunca será possível controlar o nosso futuro.
Comunicar
Comunicar? Com certeza, esta é outra “chave”
Abram um blogue, utilizem Facebook, Twitter, Orkut, as redes sociais no geral; falem em família, no trabalho, com os amigos; escrevam aos diários.
Não abram um blog com a ideia de tornar-se um caso de sucesso estrondoso.
Quando eu comecei este blog, sabia perfeitamente que o número de leitores seria reduzido.
Se a ideia tivesse sido colectar dezenas de milhares de visitas diárias, teria aberto um blog que falasse de futebol ou, melhor ainda, de fofocas.
E atenção: nem podem abrir um blog com a ideia de difundir “a Verdade”. Não há Messias por aqui, o único Messias apareceu há 2.000 anos e foi tratado bastante mal, por isso se o vosso plano não é ficar crucificado, melhor abandonar a ideia.

O objectivo não é criar uma seita, ninguém anda com a verdade absoluta no bolso.

Sejam honestos. Não publiquem uma notícia (seja num blog ou numa rede social) só para capturar a atenção e os leitores. Controlem as fontes. Este é um processo aborrecido, mas é essencial: só assim será possível conquistar credibilidade.
Os leitores não são estúpidos: podem “cair nessa” uma vez, não duas. E nós, o nosso blog ou o nosso espaço na rede social, ficará marcado como “o Tal que diz coisas não exactas”.
Quando neste blog aparece uma notícia, já foi controlada a fonte e a fonte da fonte.
Como disse: aborrecido, leva tempo, mas fundamental.
Então abrir um blog para quê? Para pôr em evidência coisas que não funcionam como deveriam. Para salientar direitos que são ignorados. Para apresentar ideias. Para discutir. Para trocar opiniões. Para aprender. Para comunicar.

“Só” isso?

Duvidar, perguntar, ler, comunicar. Só isso?

Que significa “só” isso?
Estas quatros coisas podem ser resumidas numa frase: usar o nosso cérebro. Eu acho ser muito, não pouco.

Claro que há mais, e na segunda parte desta especie de “manual” vamos falar de outros assuntos também.

Mas começar a formar as próprias ideias, a utiliza-las, a transforma-las em algo de concreto não pode ser definido como “só “isso.

Aliás, é a base de tudo.

Não acham ter chegado altura dum exemplo?
Óptima ideia.
Mas na segunda parte, pode ser?
Sim, pode.
Obrigado.

Nota: não sei se perceberam, mas este vai ser um artigo bastante comprido…não olhem para mim, falem com Arcane_delight 🙂 

Ipse dixit.

8 Replies to “Manual de sobrevivência – Parte I”

  1. Caro Max:
    Concordo com você. Ainda posto algum comentário aqui por sentir que não embarcas no movimento fatalista. Não que ele não exista. Existe, mas a massa enxerga pelo lado errado. Tantas notícias medíocres espalhadas ao vento fizeram as bolsas do Japão derreterem. Ontem fecharam acima de 10 negativo. Neste instante,21:44 no Brasil, está azul em 6,29. Como podes ver, pura especulação. Há quem (desconfio ques sabes quem) não se importa com a desgraça alheia e tem como único objetivo neste mundo lucrar. E há um número muito grande de medíocres que têm como único objetivo o sensacionalismo, divulgando nediocridades enquanto não conseguem enxergar o óbvio. E o mundo caminha tranquilo… Sem modificação alguma. O que há de novo é apenas o que os estultos plantam.

  2. Olá Max,

    para mim o ponto chave é mesmo usar o cérebro.

    As pessoas têm preguiça de pensar, e como isso dá trabalho, preferem assumir a informação que é dada do que andar por aí a procurar.

    "Isso dá muito trabalho…prefiro ver as notícias."

    Faz-me lembrar o Parsons na obra "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" – George Orwell. Homem oco, sem voz própria que delira com as contantes notícias do Partido.

    Continua meu amigo Max.

    Abraço ensonado,
    — —
    R. Saraiva

  3. Olá Isabel!

    E obrigado pelas boas palavras.

    Mas atenção: eu não "ensino" nada.
    O que escrevo, na maior parte dos casos, são as minhas dúvidas, as minhas ideias.

    Como escrevi: ninguém tem a "verdade" no bolso.

    Grande abraço!

  4. Olá Mescar!

    Este comentário deu a ideia para o último post, "Doce desgraças". Sim, de facto há especulação nos vários mercados. Triste, mas é assim.

    Falar de ética no mundo da finança é uma blasfémia, e a coisa ainda mais triste é que nem faz notícia: é assumido como normal o facto de existir pessoas que conseguem lucros com as desgraças dos outros. Aconteceu o mesmo com

    Quanto ao resto: fatalismo? Não obrigado.

    Estou convencido de que o futuro é como um livro com as páginas em branco, nada está já escrito.
    E somos nós que temos a caneta.

    A mediocridade? Isso mereceria um longo discurso. A democracia representa o auge da mediocridade. Os nosso sistemas políticos premiam os mediocres, nunca quem se destaque.

    Há um aspecto positivo nisso: são afastados os radicalismos.
    Mas também a mediocridade torna-se a regra.

    É urgente uma alternativa.
    Qual? Boa pergunta, boa mesmo…

    Abraço!

  5. Olá Saraiva!

    Assino por baixo. Mas não podemos esquecer que este sistema faz tudo para facilitar esta preguiça.

    Não é um álibi: é uma procura das responsabilidades.

    Abraço!

  6. Muito bom, este artigo está a ir de encontro às minhas expectativas. A mim não me incomoda nada ser muito extenso, se alguém se sentir melindrado, pode me "dar nas orelhas" à vontade 🙂

    Venha a segunda parte!

    Abraço

  7. Olá Max e pessoal!
    Eu leio textos imensos e ainda procuro por mais leituras… hehehe. Que venham os textos, se forem de bom conteúdo, claro! Geralmente se há dinheiro envolvido no assunto, se tem uma imagem de grande destaque, por trás sempre há falcatruas. SEMPRE. E falar verdades nunca tornou ninguém bem quisto… Quem pode pagar por uma imagem esconde tudo que não lhe favorece. Compra-se estatus cuo para ficar bem na foto… e o absurdo é que se gasta mais em falsificações que com planejamento e produção honesta! Algumas palavras são postas em artigos dos jornais de forma a imprimir uma falsa veracidade a um fato… Está correcto dizer, "NA DÚVIDA, DUVIDE!" E os honestos…? Correm o risco de viverem à mingua e como párias na sociedade! O.o

Obrigado por participar na discussão!

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