Doces catástrofes

Terramoto no Japão? Tsunami? Perigo nuclear? Dezenas de milhares de vítimas?

Vender. Tudo e mais alguma coisa.
E a retoma? Esqueçam, não é altura para brincadeiras.

É desta forma que os mercado respondem perante a crise atómica de Tokio.
É triste falar de economia perante tamanha desgraça? Se calhar é.

Então duas as alternativas:
a) concentrar-se na infelicidade dos Japoneses e ignorar o mercado. Que, entretanto, continua a funcionar.
b) concentrar-se na infelicidade dos Japoneses e observar quais as reacções do mercado. Que, entretanto, continua a funcionar.

Escolho a resposta b).

Como reagem os mercado perante uma catástrofe? Vendem. Vendem tudo.
Ontem:
Nikkei (Tokyo) -10,55%
Eurostoxx50 -3,08%
Frankfurt -4,02%

Hoje, às 11:30, todos os mercados continuam em vermelho (embora Tokio conseguiu recuperar alguma coisa). A única coisa que soube são os juros da dívida portuguesa, mas esta já nem é notícia, é rotina.

Quem sai reforçado é a moeda japonesa, o Yen.

Mas como? O País está perto duma catástrofe atómica e a moeda japonesa ganha valor?
Sim, pois temos de lembrar uma coisa: após uma desgraça há sempre a reconstrução. E os mercados já estão a prever grandes investimentos, reestruturações.

Também neste caso: triste? Sim, sem dúvida. Triste e mórbido.
Mas a verdade é que as grandes desgraças são sempre exploradas para relançar as economia. Por isso: ou as desgraças acontecem ou são “feitas acontecer”.

A propósito: a crise começada em 2008 ainda não acabou, já repararam?

Faber e Celeste

No longínquo Agosto de 2009, Marc Faber afirmava que os Estados Unidos teriam lançado novas guerras para distrair da péssima situação económica e para animar as próprias contas.

Marc Faber

A guerra custa, sem dúvida: mas no médio prazo é uma fonte de riqueza.

Faber sabe do que fala: além de ser uma autoridade no campo dos investimentos, trabalhou na mesma mesa de empresas como JP Morgan ou Goldman Sachs.

E Faber não está sozinho nesta previsão: Gerald Celeste está ao lado dele.

Celeste é uma personagem com uma ocupação esquisita: trata do futuro.
Não lê os próximos anos nas cartas, nas estrelas ou nos fundos do café. Utiliza outros instrumentos: economia, sócio-economia, política.

Desastre após desastre

Funciona? Sim, funciona.
Celeste foi um dos poucos que previu a crise de 2008. Um dos ainda mais escassos que previu problemas internos aos Estados Unidos. as suas previsões acerca do futuro dos EUA são assustadoras, mas por enquanto tratamos do argumento “guerra”.

O que o General William E. Odom descreveu como “o pior desastre estratégico da história militar americana”, a  invasão do Iraque, está a ser seguido por uma operação militar ainda maior, o que irá pesar sobre nós por muitos anos.

Gerald Celeste

“Dada a forma como os governos costumam tornar falhas significativas em mega-falências, a tendência clássica é trazer os Países em guerra”

Enquanto a crise económica aumenta e o sistema dos bancos centrais baseado na dívida demonstra  que não é possível criar bolha atrás bolha a partir do nada, é fácil encontrar uma justificação política e económica para a guerra: porque se for verdade a doutrina keynesiana segundo a qual para sair duma crise o melhor remédio é a despesa pública, então a despesa militar é certamente o caminho mais rápido para injectar “vida” num sistema em crise profunda.

Economicamente não funciona, porque a crise é apenas mascarada pela atmosfera de guerra e de emergência “temporárias”; politicamente, porém, é uma salvação para a nossa elite governante, que descarrega as culpas em alvos estrangeiros.

É o truque mais velho do mundo, mas mesmo assim funciona sempre: os Estados Unidos estão prestes a enviar ainda mais tropas no Afeganistão e ameaçam o Irão com draconianas sanções económicas. Sem esquecer o “caso Líbia”, que promete bem neste sentido.

Uma depressão económica, a terrível perspectiva duma outro grande guerra…o pior cenário parece ser um pesadelo recorrente.

A “Mãe de todas as bolhas”

Gerald Celeste identifica várias bolhas, a última é a bolha das injecções de capital (BCE, fundo de resgate…dizem algo?), que pode explodir a qualquer momento.
Mas pode haver uma bolha ainda maior, a mãe de todas as bolhas: a “Bolha do Império”, um império que implode com um estrondo que será ouvido em todo o mundo.

A actual politica externa americana, feita de hegemonia global e de agressão desenfreada, é simplesmente insustentável, sobretudo quando o “Império” for País falido, que enfrenta a perspectiva duma radical diminuição dos padrões de vida. A menos que, claro, o clima de crise possa ​​ser mantido ate o infinito.

George W. Bush utilizou o 11 de Setembro, e o novo presidente precisa encontrar algo equivalente, algo que desvie a nossa atenção longe da Goldman Sachs ou JP Morgan: algo como um inimigo no exterior, que possa de alguma forma ser responsabilizado pela actual situação desgraçada.

Diz-se que não foi o New Deal de Roosevelt que acabou com a Grande Depressão, mas a Segunda Guerra Mundial. A verdade é que, em tempos de guerra, quando as pessoas esperam sacrificar-se durante o período de emergência,  os problemas económicos são anestesiados com doses liberais de nacionalistas exaltados e rectidão moral.

Faltas e padrões de vida que precipitam são mascarados com um sistema de racionamento típico dos tempos de guerra e por uma redução das expectativas.

E assim como a Segunda Guerra Mundial habituou os povos perante as devastações económicas elaborada pelas nossas elites económicas incapazes e ladras, assim a Terceira Guerra Mundial irá fornecer os argumentos para uma grande parte da compra virtual de toda a indústria por parte do Estado e para a demonização de cada oponente político, novos terroristas.

 

O que sobra: esperança

O que é isso? Um impossível cenário de ficção científica? Ou uma razoável projecção das tendências actuais?

Celente, cujo registo de previsões é impressionante, vê a guerra contra o Irão como a futura Terceira Guerra Mundial, com repercussões económicas, sociais e políticas que provocarão o desmoronamento do Império.

A “Bolha do Império” que recusa encarar a História, feita de potência que aparecem, prosperam, declinam e acabam.

Que dizer? Esperar. Esperar que os vários Faber e Celeste estejam errados.
Já acertaram no passado? Sim e várias vezes, demasiadas vezes. Será possível acertar sempre?

Ipse dixit.

Fontes: Bimbo Alieno, Washington´s Blog

6 Replies to “Doces catástrofes”

  1. Relativamente a situacao economica do Japao, para mim existem dois cenarios e ambos estao directamente relacionados com o sucesso da contencao dos reactores nucleares e penso que o mercado tem-se regido perante isso:

    Cenario 1) Reactores sao contidos com sucesso: Meio mundo ira investir no Japao pois toda a gente conhece a excelente capacidade de trabalho do povo Japones. A reconstrucao ira mexer imensos capitais e os investidores certamente terao os devidos retornos.

    Cenario 2)Reactores nao sao contido com sucesso: Panico nos mercados e o indice Nikkei 225 caira a pique e as consequencias na economia mundial serao imprevisiveis. Estamos a falar de uma economia muito influente no mundo. Perceber os danos que um "Worst Case scenario" certamente que sera uma questao fulcral. Ficara grande parte do Japao inabitavel durante muitos anos? Li teorias que o afirmam e li outras que nao. Acho que neste momento os media tao a lidar(ou gerar) muita desinformacao e ninguem sabe ao certo qual a verdadeira dimensao dos potenciais danos. Tera a radiacao impacto noutros paises? China,Russia,Coreias,EUA,etc…?

    Para ja temos de acreditar que o cenario 1 sera o cenario que ira acontecer, caso contrario um dos paises que sempre me fascinou ira ficar com danos que irao levar muitos anos a serem sarados. Preocupou-me ver o imperador falar em publico, coisa que nunca acontece.

    Mais um excelente texto e espero que as pessoas aos poucos comecem a ver quem e' que sao os "bad guys".

    Nota: Ontem a hora de almoco o nikkei 225 estava-se a afundar ainda mais do que os 10%. Chegaram a estar abaixo dos 8200 pontos mas depois pelo que li o governo Japones injectou 125 Bilioes e depois la subiu para 8900. Ainda ha uma semana estavam nos 11000.

  2. Amigo Max,

    a escravidão continua. Notícia do económico: Fed mantém juros e programa de compra de dívida (http://economico.sapo.pt/noticias/fed-mantem-juros-e-programa-de-compra-de-divida_113439.html)

    Pode ler-se no subtítulo:
    A Reserva Federal dos EUA deixou os juros no intervalo entre zero e 0,25% pois considera que as pressões inflacionistas são temporárias.

    Este tipo de afirmação até me faz pensar que ele são tão bonzinhos…olha lá, a praticarem taxas de juro tão baixas, são uns tipos à maneira.

    …seria assim, não fossem eles quem cria o dinheiro out of thin air.

    E ao comprarem a dívida, compram os países…
    …compram os estados…
    …e o estado são as pessoas, somos nós, eu tu e quem lê este blog e todos os restantes lá fora.
    Estamos a ser comprados como mercadoria.
    Postos à mercê destes leões…traídos pelos nossos governantes.

    Continuando…

    No Globo temos a desculpa:
    Vendas no varejo e reunião do Fed são destaques na agenda (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/03/15/vendas-no-varejo-reuniao-do-fed-sao-destaques-na-agenda-924013514.asp)

    Nos Estados Unidos, o foco está voltado à reunião do Federal Reserve (Fed), (…) que desde a reunião de janeiro passou a incorporar as revoltas no Oriente Médio e Norte da África, com implicações sobre o preço do petróleo, e o recente terremoto e tsunami que atingiram o Japão.

    Realmente, são mesmo estas as causas dos nossos problemas: aqueles africanos e médio-orientalistas lembram-se que têm armas lá em casa e vá de mandar uns tiros ao ar. Consequência: as agências noticiosas livres de TODA e QUALQUER influência, relatam que o senhor Kadafi anda a matar inocentes…e lá têm os EUA de ir ajudar…vendendo mais armas, manipulando mais notícias e ainda trazendo os louros para casa, como os elementos pacificadores. Tudo isto, para não darmos atenção a uma agenda terrível de massacre e manipulação mundial. Enfim…

    Agora preciso de uma ajuda.
    Dada esta notícia no Oje – Japão injecta 131 mil milhões na economia (http://www.oje.pt/noticias/economia/japao-injecta-131-mil-milhoes-na-economia) – surgiram duas questões:
    1. O Banco do Japão é do Estado, ou privado?
    2. Este comunicado do Banco do Japão (Time table and schedule of U.S. Dollar Funds-Supplying Operations [PDF 12KB] – http://www.boj.or.jp/en/announcements/release_2010/mok1012c.pdf) significa o quê? (Mais info aqui -> http://www.boj.or.jp/en/announcements/release_2011/index.htm/)

    Obrigado pelo tempo dispensado.

    Grande abraço Max e para o Xenofonte também! 😀
    — —
    R. Saraiva

  3. Caro R.Saraiva,
    Essa noticia do Bank of Japan quer dizer que o banco esta a vender os titulos do estado norte americano ao mercado. Eles detem cerca de 16% do total da divida soberana americana (China 17% se nao tou em erro). Sera que a China vai ser o maior comprador?

    Cumprimentos

  4. Olá Xenofonte!

    O meu sonho sempre foi uma estadia no Japão: começar em Tokio, depois Okkaido e a zona interior, até o Norte do País.
    Passar ai um mês, ainda melhor dois…

    Agora terei que comprar um fato de protecção. Mas não é a mesma coisa. 🙁

    A Lufthansa deixou de estacionar os próprios aviões no território japonês e o mesmo se passa com uma companhia aérea chinesa. A Alitalia baixou os preços.

    Maus sinais…

  5. Olá Saraiva!

    Ainda bem que Xenofonte já respondeu (obrigado Xeno!).

    Sim, é difícil orientar-se no mar de informações que chegam. A maior parte delas tratam os assuntos de forma muito superficial.
    É difícil que qualquer media pare e explique: e quando isso acontecer, muitas (demasiadas) vezes temos a sensação de que teria sido melhor não ter explicação nenhuma.

    O exemplo da Líbia e da No Fly Zone bem mostra os níveis de absurdidade que estamos a atingir.
    Ao longo de 40 anos Khadafi prendeu, torturou e matou qualquer tipo de oposição interna. Mas tudo estava bem e os Estados Unidos só intervieram com Bush sénior, por razões ligadas ao terrorismo.

    Agora, de repente, Khadafi é um criminal que tem de ser parado. Só agora? Sim, só agora.
    Então combatentes revoltosos tornam-se inocentes manifestantes.

    Triste, não é?

    Abraço!

  6. Pois Xenofonte.
    Estes Chineses estão a comprar a dívida de todos os Países em dificuldades.
    Quando apresentar um novo projecto (um porto, uma zona empresarial made in China), quem terá a coragem (e sobretudo a autonomia financeira) para dizer "não"?

    Não deixa de ser engraçado: a dívida, uma arma para "capturar" os Estados na espiral dos juros, está a ser utilizada pelos Chineses para uma futura expansão da economia deles.

    O feitiço contra o feiticeiro? Não sei.

    Abraço!

Obrigado por participar na discussão!

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