Geopolitica: o declínio do Leviathan americano – Parte III

Chegou a última e quilométrica parte de “O declínio do Leviathan americano”.

O declínio do poder americano no mundo

A fase final e irreversível do declínio americano começa em 2001, se tomarmos como referimento um evento marcante como o ataque às torres gémeas em 11 de Setembro de 2001: símbolo de ‘colapso’ do American Dream e do final de dominação absoluta da superpotência da época.

A agressão extrema e a ousadia de Washington no período 1995 – 2001 foram uma reacção desesperada à consciência de que a fase unipolaristica tinha sofrido um golpe fatal por dois eventos principais: a adopção do Euro, em 1999, e a eleição do presidente russo, Vladimir Putin, em 2000. Como mencionado anteriormente, acabado o sonho da hegemonia mundial, sobrava só a guerra qual último recurso para evitar ou retardar o aparecimento da multipolaridade.

O período 2001 – 2003 é o golpe de cauda da unipolaridade , no qual os EUA, disfarçados atrás de uma reavivada NATO, ocupam o Afeganistão e põem o pé no Quirguistão e Uzbequistão, e, finalmente, ocupam o Iraque. Entretanto, a NATO se expande com as revoluções coloridas, financiadas por Soros, na Ucrânia e na Geórgia e ameaça as fronteiras da Rússia. Neste período, a doutrina da “estabilidade” da política e da economia é elemento de propaganda internacional prioritário numa tentativa de agressão na Eurásia e de dominação por militares no mundo, dominação imposta pelo novo papel da ONU, enfraquecido e substituído integralmente pela NATO. Durante este período, a situação interna dos EUA piora. O desemprego tem aumentado significativamente, desde o início de 2001 com mais de 1 milhão e 200 mil novos desempregados e uma taxa de desemprego que naquele ano chegou a 4,9%; houve uma diminuição consumo de mais de 0,5%, enquanto o PIB no segundo semestre de 2001 cresceu apenas 0,2%, e no terceiro trimestre foi até negativo (-0,4%) realçando, mesmo oficialmente, a recessão económica.

Nos anos subsequentes, a situação piora por causa da ligação dramática entre o desemprego e as lógicas liberalistas de precariedade da vida social. Além disso, um mercado de capitais “bombeado”, onde até mesmo pequenas empresas desempenham um papel de apoio as empresas melhor projectadas nos novos cenários da economia de guerra post-global. Foi decidido marchar de acordo com os parâmetros do sustentamento da demanda da produção através de uma espécie de keynesianismo militar como uma tentativa de resolver, ou pelo menos gerir, a crise: razão pela qual a economia de guerra do Bush Jr. tinha uma natureza estrutural, ou seja, abrangente e de longo prazo, substituindo o Welfare com o Warfare, com cortes constantes no sistema de pensões, a saúde e bem-estar social.

Após o sucesso inicial, aparente, da ousadia militar americana, no período 2001 – 2003, devido à incerteza que caracterizava a fase internacional do novo amanhecer multipolar e à desorganização das nações emergentes, o sucessivo período 2004 – 2009 marca a derrota final do modelo Bush-neocon de ataque ao coração da Eurásia como medida extrema para quebrar o impasse na crise. Em 2006, o PNAC fecha, atestando o fracasso do projecto de hegemonia mundial.

A guerra russo-georgiana de 2008, ou melhor, a falhada agressão à Rússia perpetrada pelo exército georgiano, armado por Israel e os EUA, coloca a lápide no unipolarismo americano e tem criado e tornado efectiva o sistema geopolítico multipolar.

Causas do declínio americano

Num ensaio de 2007, o jornalista Lucas Lauriola disse que a crise actual da hegemonia norte-americana foi em grande parte devida a uma multiplicidade de causas, tais como o redimensionamento do papel geopolítico dos EUA devido ao crescimento económico e tecnológico rival, chinês, russo e indiano; a crise económica e financeira dos EUA devido a causas sistémicas e não reversível, porque inerente à forma do capitalismo americano; o castelo de mentiras que sustentam a estratégia da dominação americana para justificar o próprio expansionismo já ultrapassou o limiar de tolerância e está perto do colapso; as condições de vida da maioria da população americana são semelhantes aos de muitos Países subdesenvolvidos; o crescente papel político desempenhado pela lobby sionista.

Em respeito aos aspectos económicos e financeiros, a análise do período 2001 – 2010 indica que na prática não existe um só dado que não aponte para uma crise irreversível do sistema americano. Basta dizer que entre 2005 e 2010 o número de desempregados nos EUA quase dobrou, e entre eles mais do que quadruplicou o número de desempregados de longo prazo (seis meses ou mais). Vale lembrar que os americanos arriscaram falência e a dissolução como entidade estatal em 2008 com a eclosão da “bolha imobiliária”, onde foram salvos in extremis graças apenas ao Japão e China, os quais ficaram com medo de perder o principal mercado de exportação dos seus produtos. Mas os dados que mostram uma crise devastadora são os da dívida pública e da balança comercial.

A partir dos anos 80 (durante a administração Reagan), os EUA começaram a ter uma grande dívida pública e um défice da balança comercial. A dívida era de cerca 50 – 75 bilhões de dólares no final dos anos 70 e cresceu para mais de 200 mil milhões em 1983. O deficit da balança comercial foi praticamente zero no início dos anos 80, mas superou os 100 bilhões de Dólares em 1985. Hoje, analisando o deficit comercial de vários Países, encontramos os EUA no último lugar da lista, com um deficit que é mais do que o dobro da China, que está em surplus e está em primeiro lugar. Além disso, a dívida pública EUA superou o recorde de 12 triliões de dólares e continua a ser a maior do mundo.

Mas porque os Estados Unidos depois de décadas de aparente prosperidade, nas quais guiaram o processo de globalização, estão agora à beira do colapso? Porque os Estados Unidos não têm sido capazes de impor a própria Ordnung? A resposta, ao invés na economia, deve ser encontrada na natureza e na geopolítica dos EUA: “Os Estados Unidos da América – potencia talassocratica mundial – sempre procurou, desde a sua expansão no subcontinente sul-americano, uma prática geopolítica que num outro lugar chamamos de “caos”, ou seja, a geopolítica da “perturbação contínua” dos espaços territoriais que podem ser colocados sob a sua influência ou o seu domínio; daí a impossibilidade de alcançar uma verdadeira e articular ordem internacional, esperada naqueles que aspiram à liderança mundial “.

A natureza talassocratica dos EUA e a incapacidade de governar e administrar o território são a fonte do seu declínio: não têm o poder de exercer uma regulação e um equilíbrio dos diversos povos e etnias que vivem dentro de uma área definida e fornecer o sentimento de união espiritual com base na consciência de pertencer ao mesmo grupo; que são as características de um verdadeiro império.

Depois da América

Em resumo, as duas últimas décadas do século XX (1980 – 2001), viram o poder dos Estados Unidos atingir o pico. O que hoje é chamada de “era da globalização”, que atingiu o seu auge em meados dos anos 90, foi só uma tentativa de conseguir a hegemonia sobre o mundo, usando as ferramentas da finança especulativa e do “soft power” (difusão do conceitos de “democracia de exportação”, “direitos humanos ‘, o liberalismo, usando até mesmo Hollywood, o pop-rock e os “new media”, entre os quais internet), colocadas em campo pelos EUA no seu “momento unipolar “.

Falhada a tentativa de estabelecer-se como o sujeito dominante à nível global através da exportação dos seus “valores”, os EUA no período 2001 – 2008 decidiram apostar tudo num ataque desesperado ao Heartland com todo o poder de fogo de que são capazes; mas também esta opção, após uma série de sucessos iniciais, é bloqueado pelas potências continentais emergentes. Cada vez mais aparece um conflito aberto no o horizonte, multipolar, entre a ex superpotência em declínio americana e os novos centros emergentes constituídos  pelo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) mais um Irão em grande crescimento. Mas não devemos subestimar o poder do EUA ou a capacidade residual para reagir à queda em curso, por dois motivos: como dito anteriormente, a natureza talassocratica expansionista americana não é baseado na soberania e no controle territorial, porque este é conduzido por forças não-estatais, financeiras e económicas, que constituem o verdadeiro motor. São forças “liquidas” como um líquido é o meio que, historicamente, têm preferido para expandir-se, ou seja, o mar.

Essa “liquidez” que caracteriza o quadro económico e geopolítico dos Estados Unidos implica uma séria dificuldade para vence-los no terreno deles, ou seja, os mares e os céus, ou no sentido mais amplo, finanças e “soft power”. Em segundo lugar, os EUA conseguiram anos atrás a adquirir posições de liderança no sector financeiro (através o controle de organismos como o SWIFT), naquilo da segurança global e no controlo da Internet. Da perspectiva militar, a NATO, instrumento militar de cerco da massa eurasiática, ainda é vital e capaz de realizar a sua função e anti-eurasiática e anti-europeus. Ainda existem centenas de bases militares e postos avançados que os EUA conseguiram instalar em todo o mundo e através dos quais podem ainda exercer uma capacidade de dissuasão e controle sobre os Estados de acolhimento.

Em conclusão, apesar de um declínio, os EUA ainda são capazes de exercer uma forma residual de hegemonia, em especial nas áreas sob a sua influência directa (Europa e Japão, “colonizados” em todos os aspectos); até a fase actual é para ser considerada potencialmente mais perigosa do que a unipolar fase anterior, pois é quando o animal está ferido mortalmente que sua reacção torna-se mais imprudentes e furiosa, como demonstrado pelo ousadia dos últimos acontecimentos na Geórgia e pelas ameaças explícitas de um ataque nuclear contra o Irão e a Coreia do Norte.

Estas ameaças só podem ser evitadas com uma acção decisiva em conjunto entre os poderes do bloco Eurasiático e da América indiolatina.

Interessante? Sim, sem dúvida. Mas que o autor não tenha o dom da síntese parece óbvio também.

Uma explicação para um termo que aparece algumas vezes no texto: Ordung.
O Ordnung é um conjunto de regras para a Velha Ordem Amish. Ordnung é a palavra alemã para a ordem, arranjo, organização ou sistema. Como os Amish não têm governo central da Igreja, cada conjunto é autónomo com um a própria autoridade de governo. Assim, cada igreja local mantém um conjunto de regras individuais, mantendo a própria Ordnung, que pode variar de distrito para distrito, que cada comunidade administra segundo as próprias orientações.

A primeira e a segunda parte? Mas quem é que quer ler esta tralha toda?
Bom, eis os links:
Geopolítica: o declínio do Leviathan americano – Parte I
Geopolítica: o declínio do Leviathan americano – Parte II
Outros artigos de geopolítica em breve. Talvez um pouco mais curtos…

Fonte: Eurasia

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