Entrevista: Jean Ziegler e a fome no mundo

Quem é Jean Ziegler?

É um político e sociólogo Suíço  autor de numerosos ensaios sobre as questões da pobreza e dos abusos e dos erros do sistema financeiro internacional.

Uma vez concluídos os estudos na Universidade de Berna e Genebra, recebeu o doutorado em Direito e Sociologia.

Vereador em Genebra e depois parlamentares no Parlamento federal suíço, agora ocupa o cargo de Relator Especial sobre o Direito à Alimentação da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

É professor de sociologia na Universidade de Genebra e na Universidade Sorbonne, em Paris.

Que temos a ver nós com Ziegler? Em verdade nada. Mas foi entrevistado pelo jornalista Michel Collon e aqui vai a tradução do encontro:

Crianças morrem por causa dos gangsters da Bolsa

A crise foi uma surpresa?

Na sua virulência sim. Não achava que os criminais da finança tivessem arruinado a economia mundial a uma tal velocidade: 1,8 biliões de activos foram destruídos. Para os Países do Terceiro Mundo é uma catástrofe total. Mas para Países desenvolvidos também.

São sempre os pobres que pagam?

Sim. No dia 22 de Outubro de 2008, os 15 Países do Euro reuniram-se em Paris. Nos degraus do Eliseu, Merkel e Sarkozy disseram: “Nós lançamos 1.500 biliões para o crédito, e elevado o limite do auto-financiamento de 3 até 5%”. No mesmo ano, os mesmos Países europeus reduziram os subsídios para o Programa Alimentar Mundial (que vive apenas através de tais subsídios) de 40%. Desde seis bilhões de Dólares para menos de quatro bilhões. Isto significou suprimir, no Bangladesh, as cantinas escolares. Um milhão de crianças estão gravemente desnutridas de forma permanente. Essas crianças morrem por causa dos bandidos da Bolsa. São mortes verdadeiras, e nestes dias os especuladores deveriam ser julgados pelo Tribunal de Nuremberga.

Que lições aprenderam os potentes com a crise?

Nenhuma. Tomemos o exemplo da Suíça. O contribuinte suíço pagou 61.000 milhões de Dólares para salvar o maior entre os bancos, o UBS. No ano passado, em 2009, os executivos da UBS, sempre à beira da falência, dividiram entre eles bónus de quatro bilhões de francos suíços! O saque é total e a impotência dos governos que agem como mercenários é total também. Em qualquer caso, na Suíça, na França, na Alemanha, Países acerca dos quais tenho algumas informações. É um escândalo permanente.
A máscara neoliberal caiu agora, bem como a sua pretensão de legitimidade. Mas o triunfo do cinismo e a arrogância dos banqueiros é completo.

E do lado do público sente alguma mudança?

Não, se olharmos para os números são catastróficos. A cada cinco segundos uma criança morre de fome. 47.000 pessoas morrem de fome todos os dias. Um bilião de pessoas (ou seja, um homem cada seis) são severamente e permanentemente desnutridos; enquanto a agricultura mundial, ao nível de desenvolvimento actual, poderia alimentar sem problemas doze bilhões de pessoas, proporcionando-lhes 2700 kcal por dia! Então, no início deste século, não há realmente nenhuma fatalidade. Uma criança que morre de fome é assassinada. É catastrófico. A ordem mundial do capitalismo financeiro globalizado é assassina, com as epidemias, as mortes por poluição da água, etc , e ainda um absurdo: mata desnecessariamente. É o fim das oligarquias e do capital financeiro globalizado. Em termos de luta contra a fome, a derrota é completa.

Tem sido, entre 2000 e 2008, representante da Organização das Nações Unidas para a fome no mundo. Qual o balanço? Conseguiu ser útil para alguma coisa?

Sim. A auto-consciência aumentou. Ninguém hoje considera este massacre diário como um facto natural. É, na Europa, creio eu, como nos Países mais periféricos, estamos a caminho duma insurreição da consciência. É precisa uma ruptura radical neste mundo canibal.

Embora o problema da fome não tinha sido resolvido, gasta-se cada vez mais para fazer a guerra.
Em 2005, pela primeira vez, as despesas mundiais com armamento (despesas não militares no total, mas apenas o custo de armas) ultrapassou os mil biliões de Dólares por ano. Vivemos num mundo do absurdo total.

Mas Obama fez promessas …

É verdade, Obama segue totalmente a determinação do império. Nunca o conheci, é certamente um bom homem, mas a realidade que enfrenta é assustadora. Os Estados Unidos continuam a ser a maior potência industrial do mundo: 25% dos produtos industriais são produzidos por eles com o petróleo como matéria-prima: 20 milhões de barris por dia, dos quais 61% são importados. Podem ser importados a partir de regiões como o Médio Oriente ou a Ásia Central, que obriga a manter forças armadas absolutamente hipertróficas; assim o orçamento federal é completamente parasitados pelos orçamentos militares. Mas essa é a lógica do império.

Então, quais são as suas sensações sobre o que está a acontecer hoje em Israel e como isso pode evoluir?

Eu acho que Tel Aviv manda na política externa dos EUA com o lobby AIPAC como um factor determinante.

Antes dos políticos são as multinacionais do petróleo que decidem armar Israel.
Sim, a lógica fundamental é que, no que diz respeito aos interesses do petróleo, é necessária um
porta-aviões estável. Tal é o estado de Israel, não sou eu que faço esta afirmação, é um Relator Especial para os Territórios Ocupados: é uma política de terrorismo de estado permanente. Até este terrorismo continuar, não haverá paz no Médio Oriente, não haverá fim do conflito Irão / Iraque, nada. Tudo está sem saída a menos que a União Europeia esteja a acordar finalmente, percebe?

O que os Europeus podem fazer para despertar?

Desde Junho de 2002 há um acordo de livre comércio entre Israel e os 27 Países da União Européia, que absorve 62% das exportações israelitas. Nesse acordo, o artigo 2 (é o mesmo em todos os acordos de comércio livre), diz: o respeito dos direitos humanos pelas partes contratantes é a condição para a validade do acordo. Mas a violência praticada contra os palestinianos, o roubo de terras, a tortura permanente, as eliminações extra-judiciais, os assassinos, a organização da sub-alimentação como forma de punição colectiva, tudo isso são violações dos direitos humanos mais elementares. Se a Comissão Europeia suspender por 15 dias o acordo de livre comércio, os generais israelitas voltariam imediatamente para a razão. Agora, a Europa dos 27 são democracias, cabe a nós jogar, as nossas opiniões públicas.

Como?

Temos de obrigar os nossos governos. Não somos impotentes. Na Bélgica há muitos problemas, na Suíça e na França também. Mas uma coisa é certa: as liberdades civis existem. Temos que utilizar estas liberdades para impor aos nossos governos uma mudança radical na política, é tudo. Caso contrário, não temos que votar neles, é tão simples.

Mas todos esses governos concordam em apoiar Israel. Em França, por exemplo, tanto a UMP quanto o PS, de apoiam Israel.

Apoiar a segurança e a permanência de Israel é uma coisa. Mas esta cumplicidade com o terrorismo de Estado e a política de colonização não é possível. É a negação dos nossos valores, é fascismo externo: é como dizer que os nossos valores democráticos estão dentro de nossas fronteiras, enquanto fora praticarmos o fascismo, através de alianças.

Finalmente, qual é o papel dos media em todo este processo?

São completamente submissos. Especialmente em tempos de crise, os jornalistas têm medo para os próprios empregos. A agressão da lobby israelita é terrível. Eu sofri a difamação mais terrível, e isso continua nas Nações Unidas, é graças a Kofi Annan se sobrevivi. Israel é um perigo para a paz mundial, porque Israel provoca terríveis sofrimentos. Neste país, os opositores como Warschawski são completamente marginalizados. Mas se a oposição israelita anti-colonial e anti-imperialista não tem palavra, não tem qualquer influência, bem, vamos para o desastre. Devemos apoiar esta oposição.

E o papel dos media na crise?

A crise é apresentado como inevitável, como um desastre natural. Embora os autores tenham sido identificados!

Fonte: L’Info Décodée

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