Alemanha: a Grande Ilusão – Parte I

A Alemanha é tida como exemplo de economia-modelo, algo que deveria ser inspirador para os
outros Países (sobretudo na Zona Neuro).
Mas é mesmo assim?

Já vimos que o crescimento alemão foi feito à custa de redução de salários e outras medidas que, na verdade, empobrecem o tecido social.

Mas sobra uma dúvida: será que os Alemães, povo pragmático, aceitaram sacrificar hoje para ter um amanhã melhor?

Der Spiegel, a conceituada revista semanal alemã, escreve um artigo impiedoso acerca das perspectivas económicas da Alemanha: um País que não faz qualquer investimento, não está a crescer e em que o nível de bem-estar está caindo para a maioria dos cidadãos.

Nada disto é novo (na internet é não é difícil encontrar artigos de economistas que explicam as razões destas condições: ver links no fim da segunda parte do artigo), mas é bom voltar a falar do assunto porque muitos ainda pensam que a Alemanha seja um “modelo”: afinal, ter declarado uma guerra económica contra o resto da Europa teve os seus custos.

Além da fachada

Apesar da sua brilhante fachada, a economia alemã está a desmoronar-se internamente. Assim, pelo menos, acha Marcel Fratzscher. Com as infra-estruturas do País que se tornam obsoletas e as empresas que preferem investir no estrangeiro, o conselheiro do governo argumenta que a prosperidade da Alemanha está a estremecer.

Quando Fratzscher, director do Instituto Alemão de Pesquisa Económica, dá uma palestra, gosta de fazer uma pergunta à audiência: “De que País estamos a falar?”. Então começa a descrever um País que tem tido uma média de crescimento inferior quando comparados com os Países da Zona Euro desde o início do novo milénio, em que a produtividade cresceu apenas ligeiramente e onde duas em cada três trabalhadores hoje ganham menos do que ganhavam no ano de 2000.

Normalmente Fratzscher não tem que esperar muito tempo antes que as pessoas comecem a levantar as mãos: “Portugal”, diz alguém. “Itália”, diz outro, “França”, diz um terceiro. O economista deixa o público continua a procurar a resposta certa, até que, com um sorriso triunfante, anuncia a resposta. O País em questão, cujos resultados económicos tão fracos, é a Alemanha.

É preciso alguém com a preparação de Fratzscher para ser tão crítico. Mas Fratzscher tem a preparação necessária: o economista de Bonn trabalhou como assessor do governo em Jacarta, em meados dos anos 90, durante a crise financeira asiática. Conduziu uma pesquisa no renome no Instituto Peterson, em Washington, quando a bolha da internet estourou, e escreveu análises para o Banco Central Europeu, no período mais negro da crise do Euro. Sempre olhou para os desenvolvimentos da Alemanha “com um certo distanciamento”, como afirma. Porque aprendeu que além da fachada há mais.

Fratzscher encabeça o Instituto Alemão de Pesquisa Económica (DIW) há mais de um ano, e é claro que essa proximidade aguçou o olhar dele sobre as contradições da quarta maior economia do mundo. A indústria alemã vende carros de alta qualidade e máquinas em todo o planeta, mas quando o gesso começa a descascar das paredes de uma escola primária, são os pais que têm de recolher o dinheiro para pagar o pintor. Esta é a verdade. Empresas e famílias possuem activos e bens de milhares de milhões, mas metade dos pontes das estradas estão com necessidade urgente de reparo.

A Alemanha recebe mais benefícios da Europa, em comparação com a maioria dos outros Países, mas os seus cidadãos têm a impressão de que Bruxelas aproveita-se deles. Este último aspecto é particularmente interessante, pois significa que a acção de “marketing” desenvolvida por Bruxelas funcionou e continua a funcionar: a Alemanha como “País-modelo”, os outros como parasitas, os Alemães povo que seria feliz se os outros fizessem as mesmas escolhas.
Mas não é bem assim.  

A Grande Ilusão

Fratzscher chama isso de Die Deutschland Illusion (A Ilusão da Alemanha), que é o título do seu novo livro (apresentada na semana passada pelo Ministro da Economia, Sigmar Gabriel). No ano passado Fratzscher pediu à sua equipa do DIW, um dos think tank mais importante do País, de tratar das bases da economia alemã, os alicerces sobre os quais rege-se a estrutura económica de Berlim. Depois, Fratzscher condensou os resultados num relatório cru sobre as grandes ilusões da economia do seu País.

Os alemães vêm o País deles como um motor do emprego e um modelo para a reforma de toda a Europa, diz Fratzscher: na realidade, a Alemanha mal saiu da recessão causada pela crise financeira. Segundo Fratzscher, a Alemanha parece um gigante quando é visto de uma boa distância, mas torna-se cada vez mais pequeno conforme conseguirmos nos aproximar. O País está a seguir “um caminho de descida”, escreve o presidente do DIW, e está a viver “das suas reservas.”

Os dados sobre o mercado do trabalho (aparentemente bons) são, na realidade, a fraqueza mais perigosa da Alemanha. Dificilmente qualquer outro País industrializado pode ser tão descuidado e voraz em relação ao seu futuro. Enquanto no início dos anos 90, o governo e a economia estavam a investir 25% do total do produto interno bruto (o PIB) para construir novas estradas, linhas telefónicas, edifícios universitários e fábricas, em 2013 esse número caiu para 19,7%, de acordo com os recentes dados fornecidos pelo Instituto Federal de Estatística.

Esta não é uma estatística trivial. O futuro do País e da vida quotidiana dos seus cidadãos dependem da forma como cada Euro é usado hoje. Se um Euro é gasto (não investido) hoje, não vai ser útil para o futuro. Pode até ser guardado para o consumo futuro. Ou pode ser investido em empresas, educação ou infra-estruturas, de modo a tornar-se a base para a futura prosperidade e progresso.

O problema da Alemanha é que o dinheiro é hoje consumido mas não investido. De acordo com os cálculos do DIW, a queda do investimento entre 1999 e 2012 foi de cerca de 3% do PIB, o que é a maior queda da Europa toda. Se olharmos apenas para os anos entre 2010 e 2012, a diferença é de 3,7%, ainda maior. Só para manter um nível aceitável de crescimento, o governo e as empresas deveriam gastar mais 103 biliões (103.000.000.000) de Euros por ano do que eles estão a fazer hoje.

As crescentes preocupações

Este é o ponto-chave do diagnóstico de Fratzscher, e agora o “dever” de encontrar uma terapia é dele. O Ministro da Economia, Gabriel, nomeou-o comissário dos investimentos no final do mês passado, encontrando-se assim no centro do debate sobre a reforma das despesas, potencialmente tão importante quanto o debate de 2010 acerca das reformas do mercado de trabalho e do sistema de bem-estar.

A crise económica torna o problema ainda mais urgente. Agora que a indústria tem visto um declínio nos volumes das encomendas e já reduziu a produção, o governo deve decidir se vai contrariar esta queda com um programa de investimentos.

O que recentemente era nada mais do que uma possibilidade teórica poderá em breve tornar-se um ponto crítico fundamental para o governo de coligação da Chancelera Angela Merkel. Enquanto a Merkel e Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, permanecem determinados a seguir o plano de apresentar um orçamento federal equilibrado para o próximo ano, Fratzschern argumenta que devemos nos preparar para o pior cenário:

Se a crise se agravasse ainda, exigiria mais gastos para estimular a economia.

E dos vários cantos do País chegam sinais que confirmam as ideias de Fratzscher. livro poderia oferecer um modelo de como proceder. Em seu estudo, o presidente da DIW meticulosamente lista os principais problemas de investimento para a Alemanha pelas empresas às redes de transporte, da educação à plano de transição de energia – a passagem do governo federal a partir da energia nuclear para energia renovável. Os dados em apoio de suas teorias vêm de todos os cantos do País.

Mas isso é material para a segunda parte do artigo.

Ipse dixit.

Links e créditos: ver segunda parte do artigo

2 Replies to “Alemanha: a Grande Ilusão – Parte I”

  1. 'A crise económica torna o problema ainda mais urgente. Agora que a indústria tem visto um declínio nos volumes das encomendas e já reduziu a produção, o governo deve decidir se vai contrariar esta queda com um programa de investimentos'
    Esta é a receita que a Merkel não quis ver aplicada em Portugal. Aqui os investimentos públicos foram reduzidos à expressão mínima. Cortar na despesa, dizem eles!
    Venha a segunda parte do artigo.

    Krowler

  2. Mestres em Despesa/Endividamento é coisa que há para aí aos montes… todavia, no entanto… porque é que quem paga (vulgo contribuinte) não há-de ter uma palavra a dizer!?!?!!!
    {uma nota: o contribuinte agradece que sejam apresentadas propostas/sugestões que possibilitem uma melhor gestão/rentabilização dos recursos disponíveis… ou seja: em vez de propostas de despesas/endividamentos/aumentos… apresentem propostas de orçamentos!}
    .
    Ora, de facto, foram Mestres em Despesa/Endividamento [com o silêncio cúmplice de (muitos outros) mestres/elite em economia] que enfiaram ao contribuinte autoestradas 'olha lá vem um', estádios de futebol vazios, nacionalização do BPN, etc… e… foram Mestres em Despesa/Endividamento que andaram por aí a apregoar aos sete ventos: "implosão da soberania ou o caos"!…
    .
    —>>> OS POLÍTICOS QUE APRESENTEM IDEIAS/PROPOSTAS (DE FORMA TRANSPARENTE) QUE PODERÃO SER, OU NÃO, VETADAS POR QUEM PAGA (vulgo contribuinte).
    [Fim-da-Cidadania-Infantil]
    .
    .
    .
    .
    Anexo: Para que certos sectores de actividade não venham a «ficar entregues à bicharada».
    (é uma actividade complementar à regulação… e faz todo o sentido)
    .
    -> No blog "'Fim-da-Cidadania-Infantil'" faz-se referência ao facto de ser necessário uma apresentação sistemática da actividade governamental… para que… quem paga (vulgo contribuinte) possa ter/exercer uma atitude crítica (leia-se: o seu Direito de Veto).
    -> De uma forma análoga, as empresas públicas devem apresentar de forma sistemática a sua actividade (nota: a definir caso a caso… consoante o tipo de actividade da empresa pública)… para que… o consumidor/contribuinte possa ter/exercer uma atitude crítica!
    Um exemplo: quiseram introduzir taxas em cada levantamento multibanco… todavia, no entanto, o consumidor/contribuinte reagiu: "o banco público C.G.D. apresentava lucros… sem ser necessário a introdução de mais uma taxa"!?!?!
    .
    Resumindo:
    1- ficar à espera de auto-regulação privada/(de mercado) é coisa de otários…
    2- a Regulação Estatal é necessário… todavia, no entanto… é algo que poderá ser um tanto ou quanto contornável… (uma nota: ver casos do BPN e do BES)
    3- para que certos sectores de actividade [exemplo 1: a actividade política; exemplo 2: sectores estratégicos da actividade económica] não venham a «ficar entregues à bicharada»… é necessário que exista uma apresentação sistemática da sua actividade [ex. 1: governo; ex. 2: EMPRESAS PÚBLICAS em sectores económicos estratégicos] … para que… o consumidor/contribuinte possa exercer uma constante atitude crítica!

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